Projeto Whitecoat: Médico Discorda do Uso de Cobaias Humanas no Submundo da Medicina

“Desde a Segunda Guerra Mundial que a experimentação humana criou certos problemas difíceis com o crescente emprego de pacientes como objetos de experimentação, quando se torna aparente que eles não se disporiam a isso se tivessem consciência de como seriam usados.”

Robin Cook

O comentário acima foi feito por um apreciado professor de Pesquisa em Anestesia, da Escola de Medicina de Harvard, no início de artigo descrevendo 22 exemplos de experiências que ele achava que violavam a ética médica. Ele selecionou esses exemplos de um grupo de 50, e citou um professor na Inglaterra, o doutor M. H. Pappworth, que reuniu uma relação de 500. O problema não constitui um episódio isolado, raro. É endêmico, propagando-se do sistema de valor básico inerente à imagem do médico-experimentador, difundida pela atual corrente da comunidade médica orientada para a pesquisa.

Consideremos alguns exemplos:

Uma experiência que foi recentemente focalizada pela imprensa e objeto do programa de televisão Sixty Minutes (Sessenta Minutos) envolvia várias agências do governo dos Estados Unidos que “realizavam” experiências com funcionários, sem que eles o soubessem, numa tentativa para determinar os efeitos das drogas alucinatórias. Talvez mais perturbadora foi uma experiência na qual células cancerosas foram injetadas em pacientes idosos sem seu consentimento. Na época desse estudo os pesquisadores não sabiam se os cânceres se reproduziriam ou não.

Aparentemente, eles assumiram a decisão de achar que os pacientes já estavam tão velhos que isso não importava!

Existem inúmeros exemplos de pessoas, principalmente de deficientes mentais, que sem o saber recebem injeções de materiais radioativos, e até de recém-nascidos que têm sido submetidos a esta prática. Não há como justificar o uso desses métodos sob a alegação de que vão beneficiar a humanidade, e não há dúvida de que esta gente se submete ao risco de adquirir lesões ou doenças, para não mencionar o desconforto e a dor. Acima de tudo, freqüentemente os resultados dos estudos desse tipo são irrelevantes, servindo mais para aumentar as bibliografias dos pesquisadores envolvidos do que o progresso da ciência médica. Sabe-se que muitos desses estudos são “apoiados” pelos departamentos do governo dos Estados Unidos.

Outra experiência implicou a injeção proposital, em 700 a 800 crianças mentalmente retardadas, de soro infectado com o objetivo de produzir hepatite. Aparentemente, este estudo foi aprovado e apoiado pelo Conselho Epidemiológico das Forças Armadas, entre outros departamentos. Dizia-se que tinha sido obtido o consentimento dos pais, mas as circunstâncias levam a imaginar como foi conseguido esse consentimento e até onde os pais foram “informados” para dá-lo; e, ainda assim, este consentimento dado pelos pais protege os direitos dos menores? A questão permanece de pé; teria algum dos pesquisadores permitido que um membro de sua família ou eles mesmos se envolvessem com objetos do estudo? Sinceramente, duvido. O elitismo intelectual que a Medicina e a pesquisa médica adota cria um sentimento de onipotência, e com ele, dois pesos e duas medidas.

Seria irresponsável sugerir que a maioria das pesquisas envolvendo os seres humanos nos Estados Unidos se baseie em padrões não-éticos, porque definitivamente não é verdade. No entanto, o fato da existência de uma minoria é assustador e exige a atenção do público. A pressão para a pesquisa em nossos centros acadêmicos é tão forte quanto sempre o foi, e o entusiasmo subseqüente e o ar de competição profissional podem fazer com que as pessoas percam a visão das conseqüências negativas para os pacientes. Além disso, a confusão de valores entre paciente-risco individual e possível benefício social não tem sido estabelecida inequivocamente. E a idéia de que consentimento do paciente atalha os abusos provou ser falsa. Tome-se por exemplo o caso de 51 mulheres usadas como pacientes num estudo de uma droga para induzir experimentalmente o trabalho de parto. Todas elas assinaram declarações de consentimento, mas aparentemente sob condições inferiores às ideais. Uma investigação sobre o estudo relatou que muitas deram seu consentimento durante a coação dos procedimentos para admissão ou na própria sala de parto.

Após o fato, as pacientes foram entrevistadas e quase 40% não tinha idéia de que tinha sido objeto de pesquisa, mesmo que “pretensamente” houvessem dado “o consentimento formal”. Um dos métodos sutis para obter o consentimento consistiu em dizer que o estudo envolvia uma “nova” droga, não uma droga “experimental”, sabendo o pesquisador muito bem que o adjetivo “novo” era melhor do que o da “velha” droga.

Não é necessário recorrer-se a subterfúrgios para se obter o consentimento. Sutis insinuações, sugerindo que a pessoa não será tão bem cuidada se não “cooperar”, são a evasiva mais freqüente. A seguir, e freqüentemente em relação ao pesquisador, vem a clara implicação de que o procedimento pode ser benéfico para o indivíduo, mesmo que essa possibilidade deixe de informar ao sujeito em potencial que existem alternativas e, freqüentemente, meios de tratamento já estabelecidos.

Tudo isso não constitui novidade. Há mais de 35 anos que vêm sendo feitas denúncias nas revistas médicas sobre violações da ética envolvendo experiências com seres humanos. O fato de que isso ainda exista na quantidade em que “existe” é uma tragédia de grandes proporções. E agora com a proximidade do fim do século com a Medicina começando um novo caso de amor com a Física, as oportunidades para os abusos atingem um potencial novo e horrível. O palco principal para o casamento da Medicina com a Física é a neurociência, e o principal ator vai ser o cérebro humano, considerado por muitos como a mais espantosa e misteriosa criação do Universo. (Há denúncias de desaparecimento de pessoas na década de 80, usadas em pesquisas cerebrais para o desenvolvimento de mísseis inteligentes para as forças armadas americanas). As questões morais e éticas que envolvem a experimentação com seres humanos têm de ser resolvidas antes que a ficção e a fantasia se tornem um fato.

Robin Cook é doutor em Medicina. (O texto foi enviado como colaboração por uma médica adventista que prefere não ser identificada.)

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