A escolha dos Livros que fariam parte da Bíblia também foi inspirada?

Se você fizer a pergunta acima para seu pastor, com quase absoluta certeza ele dirá que foi. Deus inspirou não só os escritores bíblicos como também a escolha dos livros considerados sagrados. Contudo, essa afirmação não é feita em nenhum lugar da Bíblia. A lista dos livros que compõem o Antigo Testamento usado pelos evangélicos foi decidida por volta do ano 100 pelos judeus que crucificaram e rejeitaram a Jesus Cristo. A relação ou cânone do Novo Testamento, aceita também pelos protestantes, foi definida pela Igreja Católica no quarto século.

Conheça toda a História:

O Cânone Bíblico designa o inventário ou lista de escritos ou livros considerados pela Igreja Católica e aceita pelas demais Igrejas Cristãs, como tendo evidências de Inspiração Divina. Cânone, em hebraico é qenéh e no grego kanóni, têm o significado de “régua” ou “cana [de medir]”, no sentido de um catálogo. A formação do cânone bíblico se deu gradualmente. Foi formado num período aproximado de 1 500 anos. Os cristãos protestantes acreditam que o último livro do Antigo Testamento foi escrito pelo profeta Malaquias. Para os católicos e ortodoxos foi o Eclesiástico ou Sabedoria de Sirácida.

O profeta Moisés começou a escrever os primeiros cinco livros canónicos (ou Pentateuco) cerca de 1491 a.C.. De acordo com a Bíblia, Deus mandou que se escrevesse o registo da Batalha de Refidim.(Êxodo 17:14). Depois vieram os Dez Mandamentos (34:1,27,28). Recapitulação dos acontecimentos é feita em Deuteronómio 9:9-17 10:1-5. São também referidos escritos ou livros anteriores como consultados, para além da tradição oral transmitida de geração em geração.

Segundo a literatura judaica, Esdras, na qualidade de escriba e sacerdote, presidiu um conselho formado por 120 membros chamado Grande Sinagoga que teria selecionado e preservado os rolos sagrados. Alguns acreditam que naquele tempo o Cânone das Escrituras do Antigo Testamento foi fixado (Esdras 7:10,14). Entretanto esta tese é desacreditada pela crítica moderna. Os estudiosos concordam que foi essa mesma entidade que reorganizou a vida religiosa nacional dos repatriados e, mais tarde, deu origem ao Supremo Tribunal Judaico, denominado Sinédrio.

Curiosamente os Saduceus e os Samaritanos só aceitavam como canônicos os cinco livros de Moisés. Por esta razão, os especialistas especulam que Esdras tenha reunido apenas o Pentateuco, isto é, os cinco livros de Moisés.

Cânone do Antigo Testamento

Antes mesmo de Deus ter ordenado a Moisés que escrevesse, pela primeira vez, um memorial a respeito da vitória de seu povo sobre os amalequitas, a Palavra de Deus já circulava entre os homens sob o método da transmissão oral: “Escuta-me, mostrar-te-ei; e o que tenho visto te contarei; o que os sábios anunciaram, ouvindo-o de seus pais, e o não ocultaram …”. (Jó 15:17,18)

Os Evangelhos registraram várias citações de Jesus do Antigo Testamento, comentando sobre o Gênesis, Deuteronômio, Números, I Samuel, Salmos, Malaquias, Daniel, reconhecendo-os como a Palavra de Deus (Mateus 12:3; 19:4; 22:37-40).

Para se conferir a confiança que os escritores do Novo Testamento tinham do Antigo, basta conferir as centenas de citações da Lei, dos profetas e outros escritos.

Acredita-se que começando por Moisés, à proporção que os livros iam sendo escritos, eram postos no Tabernáculo, junto ao grupo de livros sagrados. Especula-se que tivesse sido Esdras quem reuniu os diversos livros e os catalogou, desse modo estabelecendo a coleção de livros inspirados por Deus. Desses originais, os copistas ou escribas fizeram cópias para uso das sinagogas largamente disseminadas. Porém a crítica não aceita a tese de que livros posteriores ao tempo do profeta figuram na Bíblia Hebraica, como é o caso do Livro de Daniel. Segundo especialistas, isso explicaria porque o Livro de Daniel não figura entre os escritos proféticos, mas nos hagiógrafos.

O prólogo da versão grega do Eclesiástico, datado em 130 a.C parece já confirmar a suspeita dos estudiosos modernos. Com efeito nele lemos: “Pela Lei, pelos Profetas e por outros escritores que os sucederam, recebemos inúmeros ensinamentos importantes (…) Foi assim que após entregar-se particularmente ao estudo atento da Lei, dos Profetas e dos outros Escritos, transmitidos por nossos antepassados […]”.

Nota-se que o cânon indicado neste escrito considera canônicos livros posteriores ao tempo dos profetas.
As descobertas do Mar Morto e Massada mostram que entre os antigos judeus ainda não havia um cânon bíblico fixo ou instituído, que só veio depois do século I a criar corpo, e mesmo assim com muitas divergências.

Alguns dizem que o Cânone Hebraico de 39 livros, só foi realmente fixado no Concílio de Jâmnia em 100, embora nesse mesmo concílio livros como o de Ester, Daniel, Cântico dos Cânticos, ficaram de fora do cânon, que só veio a ser fixado mesmo no século IV. Estudiosos como Leonard Rost garantem que tais decisões demoraram muito para serem aceitas e até hoje não tiveram aceitação em muitas comunidades judaicas; como o caso dos judeus do Egito, quem tem um cânon semelhante ao Católico e Ortodoxo.

O Concílio de Jâmnia rejeitou todos os livros e demais escritos e considerando-os como apócrifos, ou seja, não tendo evidências de inspiração por Deus e fonte de fé, tanto quanto da verdadeira autoria. Houve muitos debates acerca da aprovação de certos livros, como Ester e Cântico dos Cânticos, conforme registro da Mishná. A tese de que o trabalho desse Concílio foi apenas ratificar aquilo que já era aceito pela grande maioria dos judeus através dos séculos, carece de fundamento científico e é rejeitada pela majoritariamente pelos especialistas.

Até os primeiros quatro séculos, na igreja antiga, não havia um parecer oficial sobre o Cânon do AT. As opiniões eram muito diversas. Pais da Igreja como Melito, Cipriano e Rufino de Aquileia postulavam pelo Cânon Hebraico (com 39 livros, excluindo os deuterocanônicos). Já Ireneu, São Justino e Santo Agostinho defendiam o Cânon Alexandrino (com 46 livros, incluindo os Deuterocanônicos). Jerônimo começou negando a canonicidade dos Deuterocanônicos, embora os tenha incluindo em sua Vulgata. Escritos seus posteriores mostram que esta sua posição inicial foi revista, é o que se verifica em sua Carta a Rufino e outra a Paulino, Bispo de Nola.

No final do século IV, Concílios Ecumênicos reafirmaram o Cânon Alexandrino. É o caso dos Concílios de Roma (382 d.C, dando origem ao Cânon Damaseno), Hipona I (cânon 36, 393 d.C), Cartago III (cânon 47, 397 d.C), Cartago IV (cânon 24, 417 d.C) e Trullo (cânon 2, 692). Um documento conhecido como Decreto Gelasiano (496 d.C) também opta pelo Cânon Alexandrino.

As Igreja Orientais também fizeram sua opção pelo Cânon Alexandrino, adotando a Septuaginta como a versão oficial do AT.

Desta forma, depois do século IV, o Cânon Alexandrino havia obtido aceitação ampla em toda Igreja: no Ocidente com as versões da Vetus Latina e a Vulgata. e no Oriente com a Septuaginta.

Novas controvérsias sobre o Cânon do AT

No início do século XV, um grupo dissidente da Igreja Copta (de crença monofisista), conhecidos como “jacobitas”, questionou o Cânon Alexandrino entre outras coisas. Em 1441, O Concílio Ecumênico de Florença, através da Bula Cantate Domino (4 de fevereiro de 1442) reafirma o caráter canônico do Cânon Alexandrino.

Com a Reforma Protestante, Lutero volta a questionar o caráter canônico dos Deuterocanônicos do Antigo e trechos e livros Novo Testamento como a carta aos Hebreus, Tiago – II Pedro – II João – III João – Judas – Apocalipse de João, negando inclusive seu caráter eclesiástico, pois para ele estes livros eram contrários à Fé. Em 1545, é convocado o Concílio de Trento, que novamente reafirma o caráter canônico do Cânon Alexandrino.

No início não houve consenso entre os Protestantes sobre o Cânon do AT e do NT. O rei Jaime I da Inglaterra, responsável pela famosa tradução KJV (King James Version), defendia que os Deuterocanônicos deveriam continuar constando nas Bíblias Protestantes.

Logo depois a Igreja Ortodoxa Russa resolve deixar como facultativa a aceitação ou não do Cânon Alexandrino.

Cânone do Novo Testamento

Segundo a Fé Cristã, Jesus foi o redentor de quem o Antigo Testamento deu testemunho. Neste contexto, suas palavras não podiam ter menos autoridade do que a Lei e os Profetas. Convencidos disto, os cristãos as repetiam sempre. Em momentos oportunos os Apóstolos e os Evangelistas colocaram parte dela na forma escrita, o que se tornou o núcleo do cânone definido pela Igreja nos primeiros séculos.

Segundo o historiador da Igreja Primitiva, o Bispo Eusébio de Cesareia (século IV), os apóstolos e os evangelistas nunca tiveram em mente deixar qualquer coisa por escrito (note que a grande maioria dos apóstolos nada escreveu), quando o fizeram foram forçados por situações especiais, como a impossibilidade de se encontrar com alguma comunidade, por exemplo. — Eusébio de Cesareia. História Eclesiástica: The Order of the Gospels. (em inglês). [S.l.: s.n.]. Capítulo: 24,3-7. , vol. III.

Como no Antigo Testamento, homens inspirados por Deus escreveram aos poucos os livros que compõem o Cânone do Novo Testamento. No ano 100, todos os 27 livros canônicos do Novo Testamento estavam escritos, porém não havia ainda uma lista autorizada de livros para o NT. Assim como o cânon do AT, o cânon do NT levou muitos séculos para ser fixado.

Em nenhum escrito do NT consta uma lista autorizada dos livros que devem ser considerados sagrados. Somente em II Pedro 3:15-16, o Apóstolo Pedro confessa que os escritos do Apóstolo Paulo são Escrituras Sagradas, mas não os relaciona e nem relacionada quais seriam os outros livros da Escritura.

A Referência mais antiga que se tem sobre o Cânon do NT se encontra em um manuscrito descoberto pelo sacerdote italiano Ludovico Antonio Muratori no século XVIII, datado do século II. Por causa do nome de seu descobridor, este documento ficou conhecido como Cânon de Muratori. Neste escrito estão relacinados os 4 Evangelhos, as cartas paulinas , a Epístola de Judas e I e II João e o Apocalipse. Não são relacionadas as epístolas aos Hebreus, de Tiago e nem I e II Pedro.

Muitas controvérias existiram para se reconhecer o caráter canônico de livros como Hebreus, Tiago, Judas, Apolocalipse, II e III João e II Pedro. Por esta razão alguns estudiosos os chamam de Deuterocanônicos do NT.

Da mesma forma, outros livros já estiveram no cânon NT, porém depois foram rejeitados. É o caso da Primeira Carta de Clemente aos Coríntios (século I) e o Pastor de Hermas (século II). São os chamados antilegomena.

A lista completa dos livros do NT conforme existe hoje aparece pela primeira vez na Epístola 39 de Santo Atanásio de Alexandria para a Páscoa de 367 d.C.

Esta mesma lista foi confirmada por documentos posteriores como o Decreto Gelasiano, e os cânones dos concílios de Hipona, Cartago III e IV.

A definição oficial dos livros do Novo Testamento, realizado pela Igreja Católica, no século IV quando São Jerônimo realizou a compilação completa da bíblia, acabou com os questionamentos sobre a canonicidade dos livros Deuterocanônicos do Novo Testamento, questão esta que só reapareceria com o surgimento da Reforma Protestante, onde através do Concílio de Trento, no 1º Período (1545-48), a Igreja se viu obrigada a reafirmar através de decretos, o cânon sagrado do Novo Testamento também com os 27 livros que temos hoje.

Durante a Reforma Protestante, Martinho Lutero demonstrou dúvida quanto à autoria e canonicidade de alguns livros do Novo Testamento: Hebreus, Tiago, Judas e o Apocalipse. No entanto sem maiores evidências da não autenticidade da mensagem, ao traduzir o Novo Testamento para o alemão em 1522, Lutero traduziu esses livros perfazendo ao todo 27 livros que temos hoje.

Bibliografia

LIMA, Alessandro. O Cânon Bíblico – A Origem da Lista dos Livros Sagrados. São José dos Campos-SP: Editora COMDEUS, 2007.

PASQUERO, Fedele. O Mundo da Bíblia, Autores Vários. São Paulo: Paulinas, 1986.

ROST, Leonard. Introdução aos Livros Apócrifos e Pseudo-Epígrafos do Antigo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1980.
SOCIEDADE BÍBLICA DO BRASIL. Antigo Testamento Poliglota, hebraico, grego, português, inglês. São Paulo: Vida Nova, 2003.

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