Laudo de Gabrielli aponta para acidente, segundo legistas

Perícia, feita por um e assinada por outro, tem indícios de que tudo não passou de uma seqüência de fatalidades

As trapalhadas da Polícia Civil na investigação que redundou na prisão
do pedreiro Oscar Gonçalves do Rosário não se limitaram ao processo investigativo, ou melhor, à falta dele.
As inconsistências, enganos e informações desencontradas ou mal-explicadas começaram no laudo pericial, assinado pelo médico João Koerich.


No documento de poucas linhas e muitas dúvidas, o médico que sequer é legista dos quadros do IML aponta para a tese do abuso sexual, embora não tenha encontrado qualquer vestígio do suposto agressor e nem tenha levado em consideração as marcas da tentativa de salvamento. Ele também não levou em consideração que não houve nenhum sangramento, fissura ou vermelhidão nos genitais da menina.

E o laudo pericial também entra em choque com o que prescreve o Código de Processo Penal. O artigo 159 do código exige que os exames de corpo de delito e as outras perícias devem ser feitos por dois peritos oficiais. Acontece que foi produzido apenas um laudo pericial. E para contornar a irregularidade sobre uma questão de tamanha importância, os legistas adotaram a seguinte sistemática: um faz o trabalho e outro assina o mesmo documento, atestando o trabalho do primeiro. No caso da Gabrielli, o segundo perito a assinar o documento foi o médico Francisco Vieira, que reside em Biguaçu, próximo de Florianópolis.

As dúvidas sobre o laudo médico são muitas e deixaram intranqüilos outros médicos legistas. Um deles, com anos de experiência em medicina legal, mas que pediu discrição sobre sua identidade, relatou que viu as fotos do exame, estudou o caso e concluiu que existem inúmeros equívocos que põem em dúvida até mesmo se houve crime. “Não houve sangramento na traquéia para justificar esganadura; o laudo diz que houve asfixia, mas a morte foi por afogamento; e o ânus dilatado pode ser explicado por um comportamento natural do organismo: quando a pessoa esta morrendo afogada, ela defeca naturalmente e o ânus continua dilatado. Assim tudo pode ter sido uma seqüência de fatalidades”, explica o médico, relatando que no caso de estupros e atentado violento ao pudor com crianças do tamanho da pequena Gabrielli as lesões seriam bem diferentes: “Nos casos de abuso, os tecidos teriam se dilacerado, o que não foi o caso”, conclui o médico.



Uma seqüencia de erros

A médica pediatra avisou a polícia sobre suas suspeitas. E foi a ação correta para o momento. Com o aumento dos crimes de abuso contra crianças, os pediatras, assim como todos os profissionais de saúde e educação estão mais atentos e, na menor suspeita, avisam as autoridades.

Mas a seqüência de erros começou em seguida, no lacônico laudo do IML, passou por uma investigação policial apressada e acabou na mesa do promotor Andrey Cunha Amorim.

E agora sabendo como tudo começou, é fácil notar as inconsistências de todo o caso. Quando anunciou à imprensa sua pretensão em denunciar o pedreiro, o promotor falou que a menina havia sido asfixiada, levado um soco no peito e sofrido abuso via anal (atentado violento ao pudor). As deduções do membro do MP não encontram sustentação nas declarações da médica que atendeu na emergência do Hospital Regional. E, considerando as declarações de outros médicos legistas, mais experientes na área, pode-se concluir que o pretenso soco no peito, na verdade, poderia, na verdade, ser resultante da tentativa de reanimar a menina. Ela não sofreu esganadura, já que a traquéia estava integra e as “petéquias” poderiam ter qualquer outra origem, até mesmo de um tombo – fosse uma tentativa de esganadura, além do trauma na faringe, as petéquias seriam nos dois lados do pescoço. Por fim, o ânus dilatado – mas sem dilaceração, fissura ou vermelhidão – poderia ser um movimento natural do organismo em casos de afogamentos, não voltando ao normal com a pessoa morta.


Pediatra que socorreu Gabrielli não foi ouvida

A médica pediatra Lusinete Soares foi a primeira pessoa a prestar socorro à pequena Gabrielli Cristina Eichholz no Hospital Regional. Ela recebeu a menina com a vida por um fio, sem batimentos cardíacos e sem respiração, trazida por duas mulheres ainda não identificadas, que acompanhavam o culto e se prontificaram a conduzir a menina que agonizava afogada. Durante o trajeto de aproximadamente cinco quilômetros entre a Igreja Adventista e o hospital, elas fizeram massagem torácica e respiração boca-a-boca, tentando manter a vida até o atendimento de emergência. Nesse ínterim, os socorristas do Corpo de Bombeiros chegaram na Igreja, mas acabaram voltando para a guarnição, localizada no mesmo bairro, já que o atendimento estava em curso.

No hospital, conforme a pediatra observou, o atendimento começou exatamente às 10h5min. “Recebi a criança destas duas mulheres que diziam que trabalhavam na saúde e que tentavam reanimar a menina. Já atendi muito afogamento, e parecia ser mais um. A menina chegou com os cabelos e as roupas molhadas, com um vestidinho jeans, camiseta e fralda. Ela não tinha calcinha, mas a fralda estava bem colocada. Ela estava hipotérmica (fria), sem batimentos e sem respiração”, relata a médica, explicando também suas providências para tentar reanimar a menina: “Foi preciso tirar a roupa para aquecê-la e depois entubar. Foi quando notei um forte cheiro de fezes. Tirei a fralda e as fezes saíam sem parar. A fralda não estava molhada como a roupa, estava seca, limpei a menina, joguei a fralda no lixo e coloquei outra. Tentamos reanimá-la por 45 minutos”, disse. O ânus continuava dilatado, não havia sangue, nem fissuras e nem vermelhidão. Ela também sustentou que não havia nas roupas ou na menina qualquer indício de esperma ou algo parecido.

Mas, a médica desconfiou que algo poderia não estar certo. No pescoço da menina, em uma pequena parte do lado direito havia pontos com “petéquias” (pontos vermelhos na pele, semelhantes as deixadas por picadas de pulgas ou pernilongos, e que se manifestam em virtude de trauma local ou até mesmo doenças) e como o ânus continuava dilatado e haveria uma pequena lesão interna, a médica resolveu avisar a polícia. “Depois que demos ela por morta, ela ficou no necrotério até vir o IML”, concluiu, ressaltando que até o momento ela não foi chamada pela polícia para dar os detalhes.


Jovem aponta mais dúvidas

Oscar Gonçalves do Rosário está preso desde o dia 12 de março, acusado da morte da pequena Gabrielli Cristina Eichholz, a menina teria sofrido abuso e violência sexual dentro da Igreja Adventista no bairro Iririú. O pedreiro foi preso em Canoinhas, sua cidade de origem, depois de voltar de Joinville, onde trabalhou por três meses e seu contrato havia se encerrado. Ficou em poder da Polícia das 9 horas da manha até as 18 horas e acabou confessando, segundo ele, com medo e acreditando que um exame de DNA esclareceria o caso. A advogada Elizangela Asquel Loch e a bacharel em direito Camila Mendonça de Freitas abraçaram sua defesa. Elas detectaram uma série de inconsistências no inquérito e estão dispostas a provar sua inocência. Há pouco mais de uma semana, entraram com um pedido de habeas-corpus no Tribunal de Justiça, que deve ser julgado, possivelmente, no dia 8 de maio.

Uma jovem aluna da Escola Adventista e que estava presente no culto postou na internet uma série de questionamentos sobre o caso. Ela lembra que no dia estavam estacionados cerca de 20 carros no pátio da igreja, e seria impossível alguém passando na rua ver a menina onde a polícia teria dito que ela estava na reconstituição. Ela também relatou que havia muitas pessoas passando pelos corredores da igreja, e que um indivíduo bêbado, certamente chamaria atenção. Outro dado importante é que a igreja sempre dispõe de auxiliares que ficam vigiando os carros, que também não viram nada e que, por fim, ninguém se interessou em saber de uma “bolacha” encontrada junto do tanque onde a menina foi encontrada. “mas xega de falar, pq fomos aconselhadas pelos pastores e delegado, a não se aprofundar nos detalhes”, concluiu em sua mensagem na internet.

O promotor Andrey Cunha Amorim está sendo transferido para Florianópolis e não foi encontrado para falar do caso. Em seu lugar, deve assumir a promotora Fernanda Broernig Dutra.

Fonte: http://www.gazetadejoinville.com.br/policia_134-2.html

Retornar

Para entrar em contato conosco, utilize este e-mail: adventistas@adventistas.com