Dizer SIM a 28 Doutrinas, ou Arrependimento: Qual a Verdadeira Porta de Entrada para o Reino de Deus?

Um artigo de EDEGARD SILVA PEREIRA

Na perspectiva do ensino de Jesus, a única atitude exigida para entrar no reino de Deus (ou reino dos Céus = salvação) é o arrependimento. No Novo Testamento constatamos o seguinte: o arrependimento sempre está ligado ao reino de Deus que vem, e o chamado ao arrependimento ocupa o centro da mensagem de Jesus e da Igreja primitiva. Mas, se analisamos o conteúdo da mensagem transmitida pelas igrejas de nosso tempo, também podemos constatar o fato de que o arrependimento foi esvaziado de sentido e deixou de ser central em amplos setores do cristianismo moderno.

Entre as causas desse fato podemos assinalar a atitude das igrejas que se apresentam como “mais” ou “melhor” que as outras, argumentando que suas doutrinas e práticas são as “verdadeiras”. O zelo de tais igrejas por aquilo que consideram a verdade as fez substituir o Evangelho por um corpo de doutrinas e o arrependimento por convencimento doutrinário. O que resulta, inevitavelmente, em compreender a conversão como sendo a adoção de uma crença religiosa diferente, e na utilização de um vocabulário que não corresponde com a maneira de falar do Novo Testamento.

Quando percebemos a diferença entre o que Jesus e a Igreja primitiva dizem sobre o arrependimento e a maneira de falar de certos pregadores modernos é forçoso reconhecer a necessidade de responder às seguintes perguntas: Qual é o significado de arrependimento no Novo Testamento? Por que o arrependimento é a única atitude exigida para entrar no Reino, no domínio do amor de Deus? Minha tarefa aqui e tratar de responder a essas perguntas.

 

A noção bíblica de arrependimento

Esta noção não é estática, mas dinâmica. Caracteriza mais a passagem de um estado a outro, que um estado no qual poderíamos permanecer, comprazer ou desesperar-nos. Comporta dois aspectos, um negativo e outro positivo:

1) O lado negativo do arrependimento é o ponto de saída. Corresponde à vida passada e supõe o reconhecimento de uma situação anormal, de um caminho errado ou de um estado pecaminoso. Aquele que se arrepende começa por reconhecer que errou o caminho, pois tinha uma vida baseada no desconhecimento da vontade de Deus. Vida que não tem resultado porque é caracterizada por ações sem valor. O arrependido lamenta e admite seu erro, detesta seu pecado. É importante notar o seguinte: este aspecto negativo existe somente em função do aspecto positivo.

2) O lado positivo do arrependimento orienta-se para o futuro. Abre um caminho novo, no qual o homem pecador poderá se engajar mediante a conversão, isto é, o retorno para Deus, a entrada no serviço do Reino. A conversão ocorre depois de haver reconhecido o erro cometido ao dar um rumo equivocado à vida e os perigos de uma falsa situação. Converter-se é entrar, pelo engajamento de todo o ser, numa situação nova e justa.

Portanto, o arrependimento se situa entre o pecado e a salvação. Comporta por um lado a confissão e o abandono do pecado, e por outro o engajamento numa vida nova. É disto que o batismo quer testemunhar com profunda humildade. O arrependimento segundo Deus leva à conversão e esta desemboca na salvação. No Novo Testamento, o arrependimento está ligado à conversão ( Atos 3:19; 26:20), ao perdão (Mar 1:4; Luc 17:3; 24:47; Atos 2:38; 5:31; 8:22), à fé (Atos 20:21), ao conhecimento da verdade (2 Tim 2:25), à cura (Mar 6:12 e 13), à nova vida (Mat 3:8; Atos 11:18; Heb 6:1; Apoc 2:5; 16:19); e desemboca sempre na salvação: “A tristeza segundo Deus produz arrependimento para a salvação que a ninguém traz pesar” (2 Cor 7:10; comparar com Luc 13:3; 24:47).

Um erro comum e grave consiste em confinar o arrependimento apenas ao aspecto negativo, isto é, ao remorso, à lástima, ao mórbido e estéril ruminar das faltas passadas. Esta atitude significa tirar-lhe todo o poder de vida e libertação, e impede desfrutar o encanto de uma vida nova. A salvação não se consuma se ficamos imóveis no ponto de saída. Este ponto é certamente necessário, mas é transitório. Entramos no arrependimento, no pesar ou nos remorsos, apenas para sair. Pois não se trata de viver lamentando nossos pecados e suas conseqüências, mas principalmente de sair da condição pecaminosa.

 

Arrependimento e Reino de Deus

Um estudo mais detalhado da relação entre arrependimento e Reino de Deus, no ensino de Jesus, encontra-se em Edegard Silva Pereira, As Exigências de Jesus, publicado neste site. Aqui abordamos essa relação de forma muito resumida.

Os evangelhos mostram que o centro da atividade de Jesus é o reino de Deus. Ele anuncia que o Reino vem, a um só tempo, no presente e no futuro. Vem no presente, como vanguarda, na atividade terrena de Jesus. E vem definitivamente no fim dos tempos, na segunda vinda de Jesus. A pessoa de Jesus, tudo o que ele ensina, exige, reivindica e faz se relaciona com o anúncio da vinda do Reino e provém dele. Os autores dos evangelhos sintetizam, em fórmulas próprias, o que Jesus defendia em seu ensino: 1) O sumário de Mateus (4:17, compare com 4:23; 9:35 e 10:7): “Arrependei-vos, porque é chegado o reino de Deus.” 2) O sumário de Marcos (1:14 e 15): “O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo. Arrependei-vos, e crede no Evangelho.” 3) O sumário de Lucas (8:1; compare com 4:18-21 e 43): Jesus “andava de cidade em cidade, e de aldeia em aldeia, pregando e anunciando o Evangelho do reino de Deus.”

Os evangelhos também citam ditos de Jesus que têm o reino de Deus como o centro. Por exemplo, “Buscai, em primeiro lugar, o reino de Deus...” (Mat 6:33). Para Jesus, nessa busca consiste a questão primária e decisiva da vida. A oração modelo que dá a seus discípulos —o Pai-nosso— está formulada de acordo com essa idéia — parte da prece pela vinda do reino de Deus, e tudo o que segue é pedido como conseqüência desse reino (Mat 6.9-13).

A pregação de João Batista, que prepara o caminho para a atividade terrena de Jesus, resumida em Mat 3:2 como “Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus”, já indica que o arrependimento está ligado ao Reino: a razão do apelo ao arrependimento se situa na eminência da vinda do Reino, sob a pressão de acontecimentos de alcance escatológico. No ensino de Jesus, assim como em todo o Novo Testamento, o arrependimento está situado na transição de uma condição para outra e denota um momento de tensão entre duas realidades que mutuamente se excluem: situa-se precisamente no ponto em que se confrontam o reino de Deus e os reinos deste mundo.

O Novo Testamento testemunha que na atividade terrena de Jesus veio a vanguarda do reino escatológico de Deus. Nessa vanguarda, o Reino se manifesta no presente como graça, isto é, como a condescendência de Deus para com o homem, como se evidenciou na atividade terrena de Jesus. Frente ao Reino que vem por seu intermédio, mesmo em forma provisória, Jesus chama o homem ao arrependimento, que equivale a um chamado para entrar no Reino. O conceito de arrependimento resume tudo o que deve ocorrer por parte do homem frente ao Reino que vem. Jesus especifica o que ele espera do homem: fé e discipulado, tornar-se pobre no sentido do Sermão do Monte e obediência total significam arrependimento, isto é, a volta para Deus, a entrada no serviço do Reino. Se observamos as exigências de Jesus, veremos logo que elas visam, no seu centro, sempre uma e mesma coisa, ao arrependimento. Por isso, podemos dizer com certeza que o arrependimento é a única atitude exigida para entrar no Reino, na vida bem-aventurada (= vida eterna, nos escritos de João).

 

Arrependimento escatológico, total

O caráter escatológico do arrependimento emerge da revelação de que o reino de Deus vem. Na pregação de João Batista, o arrependimento nasce da revelação escatológica: “Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus” (Mat 3:2). A proximidade do Reino provoca arrependimento porquanto traz julgamento e promessa sobre toda a situação. O chamado de Jesus é para um arrependimento que corresponde à estrutura do reino de Deus. Frente à vanguarda do Reino que vem por seu intermédio, Jesus exige arrependimento escatológico, arrependimento total, o qual visa ao centro da vida das pessoas e significa a volta da criatura ao seu Criador, o regresso do filho perdido ao Pai, uma nova atitude de vida, isto é, uma mudança radical: o abandono do que havia antes e um novo comportamento conformado com a ordem do reino de Deus. E isto é, na perspectiva bíblica, arrependimento segundo Deus, que se expressa na conversão, isto é, na saída da condição pecaminosa.

Àqueles que se arrependem, Jesus oferece a vida chamada bem-aventurada (Mat 5:1-12), pois o arrependimento desemboca sempre na salvação, mediante a conversão. A palavra de Jesus deixa claro que a vinda do Reino exige uma orientação em direção ao futuro, e não uma volta ao passado. Daí que suas exigências estejam centradas na adoção, aqui e agora, de uma atitude de vida e de um comportamento conformados com as leis do Reino. E este Reino significa o domínio do amor de Deus, amor que Jesus apresenta como sendo a antítese do poder exercido pelos reinos (ou governos) deste mundo. Ao mesmo tempo, o Senhor nos faz saber que a realização plena de suas exigências acontecerá somente na vinda futura e definitiva do Reino. Pois sabemos que somente então Deus acabará em nós a obra que começou (Fil 1:6), fazendo que seja possível a obediência total e a vida totalmente nova.

Portanto, arrependimento significa seguir a Jesus rumo a seu futuro, adotando já agora um comportamento conformado com a ordem do Reino. Isto quer dizer que a vida daquele que se arrepende estará marcada, no presente, pela tensão entre o já agora e o ainda não da vinda do Reino; que o arrependido está situado nos limites extremos entre dois mundos, porque no arrependimento segundo Deus está implicado a renuncia aos poderes do mundo velho e a espera de um mundo novo. E esta é a situação paradoxal da Igreja e de todo cristão, onde coincidem o mundo que passa e o mundo por vir.

O arrependimento é uma exigência que Jesus dirige a todos. Seu chamado ao arrependimento foi dirigido aos pecadores (transgressores da lei), aos justos (guardadores da lei), inclusos os religiosos (escribas e fariseus, respectivamente os representantes teóricos e práticos da lei). Com a exigência de arrependimento, Jesus põe a existência humana sobre um novo fundamento: sobre o reino escatológico de Deus, sobre o discipulado, não mais sobre a guarda da lei como era na antiga aliança. Pois quem realmente segue a Jesus pertence à nova ordem salvífica (= nova aliança) e tem um conhecimento da vontade de Deus que supera em muito o conhecimento dessa mesma vontade que tinham os israelitas piedosos dos tempos antigos. Quando seguimos a Jesus revelamos nosso arrependimento: nossa volta ao reino de Deus, nossa entrada no serviço do Reino, nossa introdução numa existência escatológica que corresponde ao domínio do amor de Deus. Em fim, revelamos nossa atitude positiva frente a Jesus, nossa adesão a sua pessoa, o que significa conformar-se com a ordem do Reino. E somos desafiados a revelar isso na situação na qual nos encontramos.

No Novo Testamento, a pregação do arrependimento e da conversão não tem qualquer legalismo: nunca leva à idéia de salvação pelas obras mas a alegre aceitação da graça, a única que pode restaurar. Tal pregação nos obriga a considerar o pecado como realidade muito séria, porque primeiro nos fez levar a sério próprio Deus, no sentido de vencer o pecado pela confiança na misericórdia de um Deus que condena para salvar. Em sua pregação, Jesus não considera bem-aventurados os zelosos pela lei. A que tipo de pessoa ele afirma que será dado o reino de Deus, a existência bem-aventurada? Segundo Mat 5:3, aos que são pobres perante Deus e que estendem suas mãos vazias para ele. E estender as mãos vazias para Deus significa também não apresentar obras meritórias, como a guarda dos mandamentos, e não reivindicar um reconhecimento por tais obras, pois esperam apenas pela misericórdia de Deus. Nas bem-aventuranças, Jesus promete a graça escatológica sem mencionar uma só palavra sobre o cumprimento da lei como condição. Em suas epístolas, Paulo não se cansa de dizer que a lei não tem poder de restaurar, que somente a graça pode restaurar.

 

A dádiva do arrependimento

Na perspectiva do Novo Testamento, o arrependimento é uma dádiva do reino de Deus, concedida na nova ordem salvífica estabelecida por Jesus Cristo. E este arrependimento não nasce da falta cometida, como se o pecado necessariamente originasse, mais cedo ou mais tarde, a abominação do mal. O pecador não reconhece que anda por caminhos errados, não abomina o mal e não acede à conversão se não for coagido por revelação escatológica. Portanto o arrependimento é objeto de chamado exterior, de pregação (Mat 12:41; Luc 5:32; 24:47; Atos 2:38; 3:19; 17:30; 20:21; 26:20).

O chamado ao arrependimento é um convite salvífico. Procede da graça misteriosa e soberana de Deus, manifestada em Jesus Cristo, no Evangelho. Neste chamado Deus se revela, se dá, se humilha: abre o diálogo com a humanidade e entra em relação com ela; penetra pessoalmente a história dos indivíduos e as nações, sem perder sua liberdade de ação secreta e soberana. O Novo Testamento mostra que Jesus Cristo, “a Palavra de Deus” (Apoc 19:13, comparar com João 1:1-3, 14)), encarna o chamamento de Deus aos homens.

A atividade terrena de Jesus aponta para uma situação que vai além dela, para uma época da Igreja. A Igreja é vista no Novo Testamento como a “comunidade da graça”. Ela torna possível a dádiva do arrependimento por meio da palavra, do batismo, da santa ceia, do testemunho missionário e da ação do Espírito.

A palavra que arrebata interiormente provocando fé e arrependimento é o Evangelho, a palavra de Jesus, conforme foi exposta nos escritos do Novo Testamento. Na palavra de Jesus, o arrependimento está longe de ser lei de condenação irrevogável ou exigência tirânica de Deus, é mais um fruto de seu amor. Por isso, se torna evangelho, isto é, boa notícia na palavra de Jesus. Segundo Paulo, em Rom 2:4, somos conduzidos ao arrependimento quando deixamos de ignorar a riqueza da bondade de Deus, sua tolerância e longanimidade. O arrependimento segundo Deus é objeto de chamado exterior, de pregação da palavra que é o próprio Cristo e seu Evangelho. A palavra própria da Igreja (por exemplo, suas formulações doutrinárias, normas próprias e condenações de acordo com a ética corrente) não tem poder de renovação escatológica (pode ter somente poder de convencimento, que leva os prosélitos a viver de aparências).

O batismo é a oferta do arrependimento total visando o perdão. Segundo Rom 6:3-11 o batismo nos une a Cristo em sua morte e ressurreição — “morremos para ser ressuscitados e viver uma vida nova” (verso 4). “Morrer com Cristo” significa o abandono de tudo o que havia antes. E “ressuscitar com Cristo” significa viver uma vida nova. Que vida é essa? É a vida que merece ser assim chamada, a vida segundo Deus. O batismo não relaciona apenas o batizado com Cristo, também e ao mesmo tempo o relaciona com os demais batizados, formando assim a comunidade da graça, dedicada ao serviço do reino de Deus (não de uma instituição eclesiástica que se colocou no lugar de Deus). O batismo cristão é único (Efe 4.5). É batismo de água e de Espírito. O batismo de água e arrependimento visa o perdão (Atos 2:38; comparar com 8:36; 16:13 e seguintes) e coincide com o mundo que passa. O batismo do Espírito, além de encerrar o mundo atual para o batizado, situa-o desde já no mundo vindouro, do qual o Espírito é o penhor (2 Cor 1:22; 5:5). O batismo de água e de Espírito possui a virtude de tornar válidos o fim de nosso mundo como o início do mundo de Deus.

A santa ceia é o auto-oferecimento de Jesus a todos. Em seus dias terrenos, Jesus não só chamava ao arrependimento e concedia perdão dos pecados, mas sempre e ao mesmo tempo concedia a si mesmo. Ele perdoa ao dirigir-se em pessoa a outra pessoa. É esta linha peculiar de Jesus que encontramos nos ditos a respeito do pão e do cálice, que prolongam no tempo a oferta de si mesmo de Jesus. Através do pão e do cálice ele confere comunhão de perdão ao dar-se a si mesmo como aquele que morreu por todos.

O testemunho missionário provoca arrependimento somente quando está no contexto do chamado para entrar no serviço do reino de Deus, quando não busca adeptos ou correligionários, quando é uma ação entre os homens que se esforça em atingir a todos com a oferta de Jesus e tem como resultado a adesão à pessoa de Jesus (não mera filiação a um dos tantos “ismos” do cristianismo). Em Rom 1:6, Paulo lembra: “vós, chamados para serdes de Jesus Cristo”.

O Espírito Santo e sua forma específica de atuação expressa “a condescendência de Deus para com o homem, prometida para o tempo final, que o arrebata interiormente à semelhança da palavra, provocando o que ele por si mesmo não consegue, o ‘arrependimento’. O Espírito produz o que Jesus queria e o que provocara através de sua dedicação.” Nada menos que o poder do Espírito Santo, a revelação do amor divino em Cristo, é preciso para convencer o homem do pecado. Arrependimento é impulso do Espírito Santo que pressiona e impele o homem e o ilumina com fulgores que revelam as trevas e o conduzem à salvação.


O Novo Testamento abre o drama escatológico: Jesus Cristo inaugura o Reino. Doravante o arrependimento está relacionado a este acontecimento exclusivo. Enquanto o último dia deste mundo não chega e o Reino não é instaurado definitivamente, o chamado ao arrependimento deve ser dirigido a todos, do mesmo modo que era feito por Jesus, os discípulos e a Igreja primitiva: porquanto a eminência do Reino não dá mais lugar a tergiversações e dilações, arrependei-vos! (Atos 8:22; Apoc 2:5, etc.). Desse modo, cristãos e pregadores modernos podem mostrar que agem de conformidade com Jesus Cristo, que sua causa revela-se aliada à de Deus.

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