A ciência está mais perto de
oferecer órgãos de porco para transplante sem risco de rejeição
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Presunto de
primeira: Os cinco porquinhos foram clonados e têm exatamente
o mesmo código genético
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Jeffrey Kluger
Dolly já foi uma ovelha solitária. Quando ocupou as manchetes em
1997, o famoso animal clonado era o único mamífero criado a partir
da célula de um doador adulto. Desde então, muitas outras espécies,
de camundongo a boi, já foram clonadas em laboratório.
Na semana passada a tecnologia de clonagem avançou mais um passo
quando uma empresa internacional de biotecnologia anunciou ter
criado uma ninhada de cinco porcos geneticamente idênticos que, no
futuro, poderiam ser aproveitados como doadores de órgãos.
A idéia de usar os suínos na produção de tecidos substitutos para
os humanos vem sendo acalentada há pelo menos 30 anos. Como eles se
reproduzem e atingem a maturidade rapidamente e têm órgãos quase do
mesmo tamanho dos de seres humanos, isso permite que as cirurgias de
transplante sejam feitas com relativa simplicidade.
Mas o problema de rejeição é ainda maior do que com doadores
humanos. Como afirmou David Ayares, diretor de pesquisa da PPL
Therapeutics, empresa de biotecnologia com sedes na Escócia e em
Virgínia (EUA), que colaborou na criação de Dolly e participou na
clonagem dos porcos: "Quando transplantado para um ser humano, o
coração de porco é rejeitado e fica preto em poucos minutos".
Um açúcar presente nas células do porco causa a rejeição imediata
dos órgãos, porque identifica o tecido doado como sendo de natureza
não-humana. Assim, quando o sistema imunológico do receptor
reconhece esse marcador, as defesas do organismo entram em ação.
Cientistas da PPL conseguiram identificar o gene responsável pela
produção desse açúcar e retirá-lo, em laboratório, do genoma do
porco. O próximo passo seria introduzir esse código genético
modificado num embrião de suíno que, em idade adulta, pudesse ser
clonado inúmeras vezes. "A idéia é obter o animal doador ideal e
reproduzi-lo", explica Mark Hardy, diretor do setor de transplantes
de órgãos do Hospital Presbiteriano de Nova York.
Embora os cientistas da PPL ainda não tenham conseguido
introduzir o código genético modificado num embrião de porco, isso
não os impediu de tentar a clonagem de um suíno comum.
A empresa não revela o método usado, mas Ayares diz que o
processo foi bem semelhante ao empregado para criar Dolly, quando se
extraiu material genético de células mamárias de uma ovelha adulta
para introduzí-lo em óvulos esvaziados e posteriormente implantados
num útero hospedeiro.
Apesar do mais recente êxito da ciência, a fábrica de órgãos não
vai abrir tão cedo. Ao lado do problema da rejeição imediata existe
ainda a rejeição a longo prazo, decorrente da coagulação do sangue
em torno do órgão doado.
Para isso, será preciso modificar o conjunto de genes
responsáveis pela produção de anticoagulantes. Como essa solução
também não é a ideal, os pacientes receptores de órgãos suínos
provavelmente teriam ainda de tomar uma batelada de medicamentos
contra a rejeição, como fazem em transplantes de tecidos humanos.
No entanto, Ayares mostra-se otimista e prevê o prazo de cinco
anos para que esses órgãos estejam disponíveis.
Hardy acredita que no início haverá material para transplantes de
pequeno porte, como de células de ilhotas pancreáticas para
diabéticos. Corações, rins ou pulmões terão de esperar.
Seja como for, em se tratando de transplantes, esse pequeno passo
é um enorme progresso para os pacientes que sofrem à espera de um
doador. Reportagem de Alice Park/Nova York
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