Tales Fonseca: "Os Teólogos, Autores do Livro A Trindade, Só Podem Estar Brincando"

 

Antônio Rodrigues estudava Química na UFRJ. Muito inteligente, mente científica, era ateu. Além de não acreditar em Deus, considerava os religiosos ignorantes e merecedores de um tipo de piedade intelectual. A convite do Ner, seu colega de turma na faculdade, foi visitar o IPAE, em Petrópolis-RJ.

Após o almoço (na minha casa), o assunto convergiu para a crença em Deus. Eu era menino, e assistia com interesse o debate. Estavam presentes, além do seu colega, dois Pastores, sendo que um também era formado em Latim e Grego, e o outro, estudava Filosofia. O cético Antônio encontrou-se, pois, entre pessoas cultas – porém, crentes. Aproveitando que não precisava ter pena de ninguém ali, lançou o desafio:

-- As pessoas que crêem em Deus não examinam o assunto corretamente. Crer em Deus é um tipo de ignorância – isto é, desconhecimento de causa e falta de lógica. Se estudarmos o tema sem preconceitos, não há como continuar crendo em Deus.

O desafio foi aceito. Assim, durante várias tardes de Sábado, ele subia a serra para tentar convencer os amigos que a crença em Deus é incompatível com a razão e a lógica.

Alguns meses depois, foi batizado. Mais tarde, tornou-se obreiro, professor de Química no IPAE. Um ótimo professor e autêntico cristão.

No século XVI, o doutor Michael Bajus, eminentíssimo teólogo da antiga e famosa Universidade de Lovaina, resolveu fazer uma refutação bem fundamentada contra as idéias reformistas de Calvino. Só que o doutor tanto estudou, que acabou defendendo o ponto de vista dos reformistas, recebendo do Papa uma bula de condenação.

Já ouvi relatos sobre pessoas que se dispuseram a esquadrinhar os escritos de Ellen White para atacar a IASD, e acabaram se tornando adventistas.

Estes exemplos são para chamar a atenção sobre os autores do livro “A Trindade”. Os três, teólogos e doutores da Universidade de Andrews, receberam a incumbência de “responder ao desafio” da “crescente minoria” que “defende uma volta à posição antitrinitariana de muitos pioneiros”, conforme diz a contracapa do livro.

 

Crescente minoria 

A primeira vez que vi as idéias desta “crescente minoria” foi no site do Ennis Méier. Não faltou quem o aconselhasse a parar com isso, pois discutir doutrina é coisa para Ph.D. Mas a idéia se espalhou, e logo o Robson começou com esta heresia aqui no “adventistas.com”. Na ocasião, trocamos alguns e-mails raivosos, pois ninguém vai tirar minhas crenças assim de qualquer jeito, sem pedir licença.

No lado da esmagadora maioria há centenas de teólogos inteligentes e dezenas de saudáveis PhDs. No grupo da minoria, só alguns PHDs (Pobres, Humildes e Desnutridos). Vejam o Ricardo Nicotra: magro, cara de menino, sem curso teológico, quer desafiar os doutores da Andrews com seu pequeno livro. Parece até falta de respeito. O Nicotra jamais seria um eminente teólogo, pois lhe falta a principal característica: saber falar as coisas simples de forma complicada. Lendo o que ele escreve, é fácil entender o que está dizendo. Há poucos dias, ouvi uma senhora adventista de 91 anos (nasceu quando Ellen White ainda vivia), ao ler o livro “Eu e o Pai Somos Um”, confidenciar: “até que enfim alguém conseguiu explicar isso de forma clara”.

Os teólogos Woodrow Whidden, Jerry Moon e John Reeve, todos da Universidade Andrews, devem ter pesquisado muito, consultado muitas fontes, meditado. Sua missão era defender a doutrina da Trindade. A questão é: estudando, lendo, pensando... será que eles, como tantas vezes já aconteceu, também não passaram a ter dúvidas, talvez até a descrer?

Eles sabem que discordar da doutrina oficial, no mínimo custaria o emprego. Mas isto não seria nada, comparado ao desdém, o ostracismo, o risco de ser comparado às “ardorosas” e “zelosas” Testemunhas de Jeová, conforme deixam claro na introdução do livro (pág. 9). Por outro lado, é normal querer compartilhar suas descobertas. Diz a lenda que Galileu, já condenado por questionar a verdade teológica que o sol gira ao redor da terra, descobriu as fases de Vênus, mas colocou tal descoberta em um poema, driblando a censura e garantindo seu lugar na história.

Mas, de que forma eles, ou ao menos um deles, colocaria no livro evidências de que não crêem? Teriam deixado pistas? Mensagens escondidas? Teriam de escrever de tal modo que os editores não percebessem...

Pois então. Creio ter encontrado várias pistas, que, se não provam, sugerem fortemente tal idéia.

O livro é muito bom. É preciso reconhecer o mérito dos autores. Há uma parte histórica, muito agradável de se ler, onde além da narrativa de fatos históricos são feitas correlações interessantes. Por exemplo, na pág. 204, ficamos sabendo que na Transilvânia, hoje parte da Romênia, há mais adventistas que nos outros países da Europa Oriental. Isto, “graças à herança” do grande número de guardadores do Sábado que não criam na Trindade que viviam lá há séculos. Isto facilitou muito a entrada da mensagem adventista, na época que nossa igreja não defendia a doutrina da Trindade.

Outra importante herança da Transilvânia absorvida pela igreja (não citada no livro) foi a conduta estranha de um famoso conde local, de hábitos noturnos, que é imitado por alguns administradores na forma como sugam as doações dos irmãos mais pobres.

 

A primeira pista

Uma das maiores dificuldades para fazer alguém crer na doutrina da Trindade, é que ela não é lógica. Três é três, um é um. Não dá para mudar isso, nem espremendo a matemática até sangrar. A doutrina diz: “Há um só Deus. Esse Deus consiste de três Pessoas divinas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo”.

Pronto. Como aceitar isto? Se há um só Deus, não podem ser três, se são três, não há só um. Mas os teólogos são bonzinhos. Eles tentam ajudar:

“Não são três deuses, e sim três Pessoas divinas”, garante o livro {pág. 273).

Se a questão parasse aí, um Deus composto por três pessoas, até daria para conversar. Deus não seria uma pessoa, mas uma entidade, uma empresa, algo assim. Mas, lamentavelmente, após afirmar que não são três Deuses, eles passarão a metade do livro tentando provar que os outros dois, (além do Pai, que ninguém discorda que é Deus) também são Deus. Isto é, são três Deuses.

Se um é Deus, o outro é Deus, e o outro também é Deus, são três. Parem de querer fazer os outros de bobo. E a outra metade do livro, eles gastam tentando provar que o terceiro Deus é uma Pessoa, já que os dois primeiros ninguém questiona que são pessoas. Quer dizer, cada um é Deus, e cada um é uma Pessoa. E são três. Portanto, se são três, não são um.

O triângulo é um triângulo, mas tem três lados. Uma centopéia tem cem pernas, mas é uma centopéia, uma boiada tem mil bois, mas é uma boiada. Mas uma centopéia é uma centopéia, não uma perna. E cada lado do triângulo é um lado, não um triângulo. E não há triângulo de um lado só. Sinto-me ridículo, depois de tantos séculos com milhares de pessoas argumentando este mesmo tema, estar aqui repisando idéias. Mas há uma possibilidade prática de usar este conceito de que não se respeitam mais os números.

Se três e um é a mesma coisa, um time formado por onze jogadores é apenas um time, portanto, se acrescentarmos mais jogadores, vinte, duzentos, dez mil, continua sendo um time. Assim, os técnicos iriam acrescentando tantos jogadores quanto disponíveis. Como os profissionais são poucos, apelar-se-ia para a torcida. Qual time levaria vantagem? O de maior torcida. Quem sabe, então, o Flamengo voltaria a ganhar, poupando-nos de tanto sofrimento...

 

Matemática extravagante 

Alguém questionou neste site que às vezes brinco um pouco, o que poderia ser encarado como desrespeito. Não é desrespeito. O humor pode ser usado como forma de argumentar, assim como o xingamento. O doutor José Carlos Ramos chama os que não crêem como ele de “ignorantes”. O Pastor Lessa trata o movimento leigo de “grupo de amargurados”.

Prefiro o bom humor. E não fui eu quem começou a falar de futebol: no livro da Trindade, os autores citam times como exemplo da unidade entre personalidades distintas, já preparando-nos para aceitar a doutrina (pág. 37), e citam Pelé como o representante maior do futebol. (pág. 113). (Dizem que houve protestos em Buenos Aires, aos gritos de “Maradona es el único!)”. Desrespeito é querer enfiar goela abaixo nos outros aquilo que acreditamos, ou querer definir, catalogar e explicar um mistério e depois perseguir os que não concordam.

Mas o problema continua. Para os trinitarianos conseguirem que sua doutrina seja aceita, é absolutamente necessário que provem que sua teoria é lógica. Deus criou o universo com leis inteligentes e lógicas. No livro, há um capítulo (7) chamado “Objeções lógicas à Trindade”. O autor, honesto, admite:

“Os trinitarianos precisam apresentar uma explicação factível e coerente de como podemos logicamente conceber três como um”

 “na vida real e prática, onde vivemos, não toleraríamos tal matemática extravagante: 3=1”.

 “assim, é bastante aceitável que os trinitarianos apresentem alguma descrição coerente para tentar explicar como três são um e um é três na vida da Divindade”.

Enfim, chegamos à parte fundamental do livro, onde será demonstrado que 1+1+1=1. Os doutores nos demonstrarão que esta não foi uma teoria arranjada só para conciliar a existência de mais dois à enorme quantidade de textos afirmando categoricamente que só há um Deus. Aqui, não dá para nos esnobar usando regras de gramática hebraica ou pergaminhos antigos. É explicar que três é igual a um e pronto. Com a palavra, os doutores:

“A primeira resposta à questão da lógica inerente ao pensamento trinitariano” (pausa para um suspense...) “é admitir que estamos lidando com um mistério extremamente profundo”!

Ah, sim! O velho truque do mistério extremamente profundo. Quando não dá para explicar, vira mistério. Mas, apesar da decepção inicial, o capítulo prossegue, longo, complexo, enrolado. Que saudade do livro do Nicotra. Mas darão uma explicação, sim.

E esta começa com I João 4:8. Deus é amor.

 

Até aqui, tudo bem.

Depois, o argumento virá na forma de que, se Deus é amor, “o perfeito amor somente é possível entre iguais” (parece slogan daquela gente colorida e alegre). Mas a parte que será usada para nos convencer definitivamente de que três é igual a um, é que Deus, antes de criar o mundo, não tinha ninguém para amar, portanto, precisava haver mais de um para que o amor existisse. “Houve um tempo em que o universo não existia”, e, tentando traduzir o complicado teologuês usado neste capítulo, a seqüência do raciocínio, é que Deus, para ser amor, teria que amar alguém, mas como o universo não havia sido criado, não havia ninguém para ser amado, nem nada para se fazer... então, Deus precisaria...  amar a outro Deus!

Agora, vamos tentar entender de novo. Deus é amor. Isto não se discute. Mas, antes de criar o universo, o que Ele fazia? Amava, pois Ele é amor. Amava a quem, se ninguém existia? Amava a si próprio? Não, isto não é possível. Então, “tanto a inspiração quanto a razão demandam a existência de um Deus triúno, composto de Pai, Filho e Espírito Santo”.

Quando ficamos em um mesmo ambiente por muito tempo, nos acostumamos e passamos a considerar todas as coisas ali como normais. Médicos arrancam tripas e pedaços do fígado com naturalidade, pensando na pizza que comerão ao sair do hospital. Um advogado presente no centro cirúrgico, ao ver tanto sangue espirrando, fica horrorizado, pode até desmaiar. Entretanto, quando é a vez do médico ir à audiência com o juiz, morre de medo, enquanto o advogado conversa com o promotor sobre o jogo de futebol à noite.

Portanto, quando ficamos envolvidos por horas e horas em questões teológicas, também perdemos um pouco da “normalidade”. Assim, podemos deixar passar coisas importantes. No caso, os autores nos induzem a raciocinar em teologuês. A linguagem é pesada, truncada. Mas, o argumento é simples: Deus, antes de criar o universo, não tendo nada para fazer ou ninguém para amar, para ser amor teria que amar outro, ou outros, iguais a si, o que O torna plural, portanto, Ele é três.

 

A maior bobagem

E aqui está, finalmente, a primeira pista de que os autores não estão convictos da doutrina que defendem. Pois, se querem convencer a outros, como usariam um argumento tão absurdo, tão absolutamente ridículo? Isto é uma total falta de senso. É a maior bobagem já publicada neste milênio. É para achar engraçado. Eles não podem estar falando sério!

Falei deste argumento para oito pessoas, quatro cultas e quatro menos instruídas, mas todos cem por cento trinitarianos. Não disse que era um argumento para provar a Trindade, pois o medo influi muito no raciocínio. Todos usaram estes adjetivos: “ridículo”, “absurdo”. 

Apesar de atordoados com esta suprema bobagem, é preciso respirar fundo e voltar a pensar como gente normal. Escuta aqui. Eles não iam provar que três é igual a um? Pois é, nem tocaram no assunto. Provar que Deus, para ser amor, precisa ser plural, não tem absolutamente nada, absolutamente nada mesmo, a ver com a questão lógica de três ser igual a um. Aqui, é uma questão matemática. O que eles tentaram provar, com este argumento absurdo, é que há mais de um Deus. Pois bem, se forem dois, serão dois, não um. Se forem três, serão três, não um. Se forem nove, serão nove, não um.

Assim, tivemos nossos melhores teólogos usando seus melhores argumentos, e nem mesmo tocaram na questão lógica. Falaram uma bobagem de forma tão grandiloqüente que ninguém percebeu que se negaram a responder como três pode ser igual a um. E foram além. Criaram uma fantástica fantasia cósmica em cima de um único verso da Bíblia!

Entrando neste mundo encantado, poderíamos perguntar: Deus é poder, Deus é onipotente. Mas, como exercia este poder se nada existia? Um mandava no outro?  Deus é misericordioso. Mas, como usaria sua misericórdia, se ainda não existia ninguém para ser perdoado? Um deles, então, erraria só para o outro perdoar?

Deus é onipresente. Mas onde estaria presente se não havia lugar nenhum ainda criado? Deus é justo. Mas, como exercitaria sua justiça, se nada existia para julgar?

É muita loucura tirar conclusões, definir, medir e explicar Deus, usando apenas um verso fora do contexto! Foi Deus quem disse que “o perfeito amor só existe entre iguais?” Não, foi um homem, Bruce M. Metzger. E o respeitável sr. Bruce é Deus? Não. Foi Deus que disse que antes de criar o universo, não tendo nada para fazer, ficava amando outros Deuses? Não. Foram homens, que, embora importantes, não são Deus. Mas querem dizer mais, ir além do que o próprio Deus disse.

E, se estivessem apenas filosofando, isto seria saudável. Mas, a função prática do livro da Trindade tem sido dar aos líderes da igreja um instrumento para perseguir, humilhar e finalmente, excluir pessoas sinceras, simples, que apenas discordam de uma doutrina. Era obrigação deles dar uma explicação lógica para o 3=1, não criar uma fantasia absurda. Por que teriam feito isso? Ora, eles não estão falando sério. Colocaram esta brincadeira ali para alguém notar que eles não estão assim tão convencidos daquilo que defendem.

O que há de mais insano neste argumento, é que pressupõe um Deus ocioso. Sim, porque, antes de criar o Universo, nada havia para ser feito. E isso não foram apenas duzentos anos, um bilhão de anos, mas eternidade e eternidade e eternidade e eternidade e eternidade para trás...

Interessante é que, na página 110, eles citam João 5:17 e 18: “Mas Ele lhes disse: ‘Meu Pai trabalha até agora, e Eu trabalho também’”.

Embora se diga que “Deus é Brasileiro” – os autores, americanos, não devem conhecer este ditado. E este seria o único argumento que justificaria pensar em um Deus ocioso. Três Deuses, ou dois, ou vários, que ficariam por incontáveis absurdilhões de anos sem nada para fazer, a não ser um amando o outro... 

Não consigo conceber a idéia de um Deus que não trabalha. João disse que Deus é amor. Jesus disse que Deus trabalha. João não disse que Deus é amor para provar que Deus é múltiplo, mas para dizer que quem não ama não pode conhecê-lo. Jesus disse que Deus trabalha até agora... isto é, já vinha trabalhando antes. Quando começou? Teria, começado a trabalhar só depois do “Big-Bang?” Só começou a trabalhar depois de criar isso que nós, meros mortais, chamamos de universo?

A eternidade ociosa para trás seria eternamente extensa! Muito recentemente, Ele, com seu Filho, esteve ocupado em um pequeno planeta desta galáxia. Trabalhou seis dias e descansou no Sétimo. E o abençoou e o santificou, mas a grande maioria dos renomados e brilhantes teólogos trinitarianos acha que o correto é descansar no primeiro, o dia do Sol, embora já não queimem os que não crêem que é o Sol que gira ao redor da terra.

 

Fantasia de teólogos

O tema é a Trindade, mas esta fantasia dos teólogos sobre o que Deus fazia ou como Ele era antes de criar o universo nos desperta a vontade de também sonhar. Porém, este assunto tem sido encarado por ambos os lados como uma guerra, com muita gente sofrendo, muita injustiça, acho melhor não dar minha opinião, pois ela jamais seria outra coisa além de uma opinião.

Tenho respostas razoáveis para as perguntas que formulei. Mas, seria apenas a minha concepção do universo, não sou autoridade. Entretanto, não vejo razão para aceitar como divinas meras opiniões de outros homens, que, embora doutores em divindade, formulam uma explicação dessas sem nem mesmo estarem bêbados. Sim, eles só podem estar brincando.

Há outras pistas de que eles não crêem na Trindade, a mais evidente delas, no capítulo 5. E, há também um pastor brasileiro com grande importância nacional, figura chave para a manutenção da sã doutrina, que deu pista que está mudando de lado. Mas isto fica para a próxima. -- Tales Fonseca.

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