Como um Ciclone Devastador
O ano era 1914. Através da cidade de Battle Creek, de um brilho
empoeirado no sol do inicio do verão, apenas recordações lembravam o
que havia sido - o que poderia ter sido. Na esquina das avenidas
Washington e Main havia poucos indícios de que a Review and Herald
Publishing Conpany já tivesse existido lá, de que uma vez esse tivesse
sido o local da Conferencia Geral. O Colégio de Battle Creek, reaberto
com tão altas esperanças pelo Dr. Kellogg, estava fechado, um triste
fracasso. Os adventistas eram em número comparativamente pequeno agora, e
os veteranos podiam recordar o enxame de placas "Vende-se" que
apareceram quando a colônia se dissolveu. "O mundo conhecerá a razão"
advertira certa vez Ellen White, e agora D. M. Canright publicava uma nova
edição de seu livro Sevent-Day Adventism Renounced - e inconscientemente
assegurava o cumprimento daquela predição.
"Battle Creek, Michigan, fornece uma boa ilustração do
fracasso do Adventismo após um julgamento justo. ...Quando eu me retirei
em 1887, havia quase dois mil observadores do sábado aqui, todos unidos.
Muitas vezes preguei no grande tabernáculo quando todos os assentos, na
parte de baixo e na galeria, estavam ocupados. No colégio lecionei para
uma classe de aproximadamente duzentos alunos, todos moços e moças se
preparando para trabalhar como ministros ou instrutores bíblicos. Agora,
1914, o colégio está fechado e perdido para a causa; o sanatório se
rebelou contra a organização, e quase todos dentre a administração, médicos,
enfermeiros e assistentes são observadores do domingo; as casas
publicadoras foram completamente destruídas pelo fogo e os remanescentes
se mudaram; a igreja decaiu para mais ou menos quatrocentos ou quinhentos
membros; o tabernáculo está largamente vazio e é como um elefante em
suas mãos. ...grande número apostatou, perdeu a fé em tudo, e não freqüentam
nenhuma igreja. Foi como um ciclone devastador". - Canright, op. cit,
p.411
Catorze anos haviam se passado desde aquela brilhante manhã de
janeiro no raiar de um novo século, quando o mundo estava pronto e a
mensagem do Advento tinha uma chance de sair ao sol. Agora este dia estava
terminado, e suas últimas sombras prestes a serem adensadas por um Sérvio
nacionalista de 19 anos de idade com uma pistola. Na cidade bosniana de
Saravejo, um motorista confuso fez uma curva errada e dirigiu sua limusine
aberta para uma rua movimentada. Atrás dele, abrigados do intenso sol de
verão por um guarda-sol, estava sentado um régio casal cuja vida havia
sido uma clássica história de amor e para quem este dia era o décimo
quarto aniversário de casamento. Por um momento o motorista hesitou, e
então tentou dar meia volta com o carro, e ao fazer isto, ressoaram dois
tiros. O Arqueduque Francisco Ferdinando e sua esposa tombaram no banco; e
o longo dia da oportunidade estava terminado. Haviam sido disparados os
primeiros tiros da Primeira Guerra Mundial. Daí em diante a igreja teria
de trabalhar num mundo que se degradava em trevas.
Tantas luzes haviam se apagado. J. H. Kellogg, líder da obra médica,
cujas despesas da escola médica onde estudara haviam sido parcialmente
pagas por Tiago e Ellen White; Albion Ballenger, que havia decidido
refazer a verdade do santuário usando tratados teológicos em vez do Espírito
de Profecia; os pastores A. T. Jones e E. J. Waggonner, que haviam viajado
e pregado com Ellen White; o pastor George Tenney, editor, ministro,
missionário; o pastor L. McCoy, capelão do sanatório de Battle Creek -
aos quais se juntaram, como depressa salienta Canright, "muitas
pessoas em importantes posições como gerentes de negócios, professores
de colégios, médicos, etc. Todos estes estão agora fora da igreja, e
toda a sua influência é posta contra a comunidade adventista".
(Idem, p.412) A perda havia sido abaladora; e agora, da mesma forma que a
fumaça que ainda subia das cinzas do incêndio da Review and Herald, ela
deixava uma persistente pergunta pendendo sobre a igreja: Como tal coisa
podia acontecer? O que poderia produzir tal maciça apostasia entre as
mais brilhantes mentes da igreja?
A resposta era vexantemente simples, e, curiosamente, era uma
resposta que a igreja tinha em mãos o tempo todo. Nos ainda pacíficos
dias de 1898, Ellen White havia avisado claramente o que poderia
acontecer. "Nunca haverá um tempo na história da igreja quando o
obreiro de Deus poderá cruzar as mãos e descansar, dizendo"' Tudo
é paz e segurança'. Então é que vem repentina destruição. Tudo pode
avançar por entre aparente prosperidade; mas satanás está bem acordado,
e estudando e trocando idéias com seus anjos sobre outro modo de ataque
onde possa ser vitorioso. a disputa se tornará cada vez mais feroz por
parte de Satanás. ...Dispor-se-ão mente contra mente, planos contra
planos, princípios de origem celeste contra princípios satânicos. A
verdade em seus vários aspectos estará em conflito com o erro em suas
crescentes e sempre variadas formas, as quais, se possível, enganarão os
próprios escolhidos". (Especial Testimonies, série A, n11, p. 5 )
Aqui
estava, se se tivesse o cuidado de pensar sobre isto, toda a história da
crise, apresentada cinco anos antes de o livro de Kellogg ser publicado. O
próprio Satanás estava dirigindo este ataque; o comandante chefe das forças
das trevas havia tomado o campo. A batalha havia sido travada em um nível
sobrenatural, no qual, sem a proteção especial de auxílio sobrenatural,
mesmo as mais brilhantes mentes seriam espalhadas como folhas diante de um
vento outonal. Kellogg, Jones, Waggoner, McCoy - todos haviam saído para
enfrentar o inimigo após primeiramente decidirem substituir as advertências
da mensageira de Deus por seu próprio julgamento, despojando-se assim da
única defesa que realmente tinha importância. Em alguma parte no curso
dos eventos eles haviam se tornado letalmente seguros de que estavam
certos, de que era tempo de escapar de "uma comunidade morta de
profecias mortas", e agora, ao se dispersarem do Adventismo,
fizeram-no com piedosas orações para que Deus abençoasse a sua saída.
E através do vale do tempo ecoavam as palavras de Ellen White, já
dadas em 1903, palavras pronunciadas antes que fosse tarde demais para a
maioria deles: "Satanás tem nos homens seus aliados. E anjos maus em
forma humana aparecerão aos homens, e apresentarão diante deles imagens
tão fulgurantes do que eles serão capazes de fazer se tão somente lhes
ouvirem as sugestões, que amiúde trocarão seu arrependimento por
desafio. ... O pecado enegreceu as faculdades racionais, e o inferno está
triunfando. Oh, não cessarão os homens de confiar em seres
humanos?" - Idem, Série B, n7, p. 21, 22 (grifos acrescentados)
Anjos do mal em forma humana. Não havia qualquer esperança de
sobreviver a tal desafio apenas com a força humana. A humanidade não
teve qualquer resposta à lógica da mente de um anjo, onde memórias do
paraíso se torceram loucamente para um engano tão poderoso que um terço
das forças do céu a princípio tinha sido incapaz de reconhece-lo.
Nenhuma quantidade de educação ou experiência habilitariam um homem a
enfrentar uma armadilha como esta, e John Kellogg, pelo menos, havia se
dirigido diretamente para ela, enquanto soavam sinos e brilhavam luzes de
advertência das páginas de Ellen White.
Uma noite no início do verão de 1904 Ellen White havia visto uma
reunião em andamento em Battle Creek. Um significativo número de médicos
e ministros estava presente, ouvindo o Dr. Kellogg
expor suas idéias de que Deus está em tudo, ignorando que estavam
sendo sobrenaturalmente observados. A sra. White notou particularmente o
"semblante satisfeito, interessado, dos ouvintes", e então seu
acompanhante celestial se voltou para ela com uma mensagem estarrecedora.
"Anjos maus tomaram posse da mente do orador", disse Ele, e
prosseguiu advertindo que "tão seguramente como os anjos que caíram
foram seduzidos e enganados por Satanás, assim também o orador estava
sob a educação espiritualística dos anjos maus."
"Fiquei assombrada ao ver com que entusiasmo os sofismas e
teorias enganadoras foram recebidos", relata a sra. White,
salientando que Kellogg, encorajado pelo sucesso em arrebatar ministros e
médicos com ele, havia então convocado um concílio especial em Battle
Creek para inculcar ainda mais suas idéias sobre a igreja organizada. -
Idem, n6, p.41
"Jactai-vos de estardes agindo sob inspiração de divina
promoção", advertiu Ellen White ao povo de Battle Creek, "mas
alguns estão seguindo a falsa inspiração que enganou os anjos nas
cortes celestes", (Idem, série A, n12, p.1). Para Kellogg ele
dirigiu a advertência de que ele estava sendo "hipnotizado" por
Satanás (algo que ele ridicularizou como absurdo). Em outubro de 1905 ela
avisou sobre "homens que adentraram o estudo da ciência que Satanás
introduziu na guerra no céu". Carta de Ellen White aos irmãos
Daniells, Prescott, e seus associados, 30 de outubro de 1905, da coleção
de J.H.N. Tindall). Em face de tais advertências Kellogg e seus
seguidores haviam mergulhado para a frente, tendo a consciência aquietada
pelas afirmações do médico de que os testemunhos de Ellen White nem
sempre eram fidedignos. E assim eles chagaram, finalmente, ao trágico
cumprimento de outra de suas predições: "Se deixados, anjos maus
moldarão a mente dos homens até que não mais tenham mente ou vontade próprias.
... Assim será com os médicos ou ministros que continuarem a se
vincular com aquele que tem tido luz, que tem recebido advertências, mas
não lhes tem dado ouvidos". - Special Testimonies, série B, n 6,
pp.42,43
A mesma triste lição havia sido ilustrada na vida de Albion
Ballenger. Uma noite durante uma reunião evangelística em Londres, ele
havia tentado apresentar o assunto do santuário. Terrivelmente
desencorajado pela maneira na qual havia pregado, tomou a resolução de
que "nunca mais pregaria novamente até eu saber o que estou
pregando". E então ele havia cometido em engano fatal. "Não
vou obtê-lo de nossos livros" declarou ele, "se nossos irmãos
puderam obtê-lo das fontes originais, por que é que eu não
posso?". O pastor Ballenger estava cometendo o mesmo erro já
cometido pelo Dr. Kellogg: A pressuposição de que não havia nada
realmente envolvido aqui exceto o raciocínio humano, no qual a pesquisa
de um homem é tão boa quanto à de outro. "Irei aos livros ou
comentários e todas essas várias fontes das quais o pastor Urias Smith
obteve luz sobre o assunto", ele anunciou, e assim dizendo
prontamente caminhou diretamente para fora, nas trevas. Pois a doutrina
Adventista do santuário não podia ser achada nos "livros ou comentários"
- não podia ser encontrada em qualquer lugar exceto que proviesse da
mesma fonte que foi procurada por aquele grupo de homens e mulheres de oração
que haviam estudado através de noites frias de outono em 1844, e em cujo
meio estava a mesma mensageira especial que agora advertira Ballenger a
dar meia volta antes que fosse tarde demais. Ele também havia escolhido
ignorar este apelo, e ele, como Kellogg, deixou a fé adventista para
nunca mais voltar. Em Riverside, Califórnia (apenas algumas milhas
distante da nova escola médica da igreja), ele passaria seus últimos
dezesseis anos dizendo coisas sobre Ellen White que, debaixo de uma aparência
de piedade, operava para atacar a credibilidade desta como mensageira
especial de Deus.
"Como um ciclone devastador". Canright havia disto isto
com relação a igreja de Deus, mas quão claramente estas palavras
descrevem a vida daqueles que a deixaram. Toda uma galáxia de luzes
Adventistas havia se apagado, cada qual a seu próprio modo, e cada uma
ligada às demais pela tragédia comum de rejeitar a mensageira de Deus
num tempo quando anjos caídos estavam andando na terra em forma humana. A
igreja e o mundo estavam entrando numa nova era. Agora o erro de sair da
proteção especial de Deus podia trazer os mais trágicos e imediatos
resultados.
Mil novecentos e catorze. O povo de Deus havia vivido por catorze
anos na luz do último dia de verão da terra. Agora se enegrece o céu
com as primeiras tempestades de outono. Através das vulneráveis planícies
da Bélgica vem o estrondo de pesada artilharia se movendo, uma nuvem de
poeira, uma linha infindável de uniformes cinza que identifica o Segundo
Exército do General Karl von Bülow. Em berlim tropas exuberantes
desfilam pela última vez descendo as ruas de tijolos; uma jovem numa
blusa branca de franjas entra em suas fileiras, entrelaça o braço no de
um soldado, e marcha com eles. Poucos passos atrás, um negociante bem
trajado faz o mesmo, carregando uma arma de soldado - faces sorridentes
rumando cegamente para a terrível meia-noite de Marne e Verdun, para um
pesadelo nunca dantes visto exceto por uma senhora miúda que, anos antes,
havia pleiteado com sua igreja para que agissem. "Logo haverá morte
e destruição, aumento de crime, e impiedade cruel operando contra os
ricos que se têm exaltado sobre os pobres. Os que estão sem a proteção
de Deus não encontrarão segurança em nenhum lugar ou posição. Agentes
humanos estão sendo treinados e estão usando suas capacidades inventivas
para colocar em operação a mais poderosa maquinaria para ferir e matar.
... Que os recursos e os obreiros sejam espalhados". - Testimonies,
vol 8, p.50.
Em um momento houve sol, um momento áureo repleto de oportunidades
para o povo de Deus, perdidos por causa de um astuto inimigo que teve
sucesso em desviar a atenção deles da única mensagem que eles realmente
tinham de dar. E dessa tragédia emerge apenas uma pergunta que importa:
Deixaremos que isso ocorra novamente?
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