Eu o Ajudaria se Pudesse

Em 1º de janeiro de 1900, Ellen White acordou cedo e - se seu costume usual prevaleceu – tomou seu banho, vestiu-se, e dirigiu-se prontamente para sua cadeira de escrever. Era um hábito de muitos anos. Os primeiros momentos da manhã eram de muitas maneiras os melhores, livres das distrações das horas ocupadas do dia, e se o fato de ela se levantar cedo era muitas vezes provocado por noite penosas, ela havia aprendido como tirar o melhor da situação. À hora do desjejum ela usualmente já havia escrito por várias horas.

Neste dia sua mente estava opressa com um problema particular, que nos poucos anos passados tinha se tornado uma importante preocupação: Para onde estava o doutor John Kellogg dirigindo a obra médica Adventista? Ele era um velho amigo, cujas horas de juventude tinham muitas vezes sido gastas com a família White, e ela gostava de escrever a ele "como uma mãe escreveria para seu filho".(Testimonies, vol. 8 pág. 190) 

Recentemente, porém, coisas perturbadoras haviam ocorrido em Battle Creek, e elas pareciam pressagiar problemas. Uma das coisas era que, contra sua repetida insistência, a cidade havia se tornado uma grande colônia adventista cada vez mais difícil de se controlar. Por anos tinha ela advertido contra os perigos de concentrar recursos de talentos em apenas um local, porém em 1900 as instituições adventistas dominavam a cidade. 

Próximo às margens do rio Kalamazoo ficavam os prédios da Review and Herald, onde a direção estava profundamente envolvida na prática de aceitar encomendas para impressão de qualquer freguês que estivesse disposto a pagar. A um quarteirão de distância ficava o tabernáculo Dime, que tinha a capacidade de acomodar uma multidão de 3400 pessoas. Aqui, 173 classes da escola sabatina se encontravam cada sábado de manhã, e facções lutavam pela posse do controle, e por um breve tempo fundos do dízimo foram verdadeiramente desviados para as despesas de manutenção da igreja. 

À distância de um quilômetro e meio podiam-se encontrar os escritórios da Conferência Geral, o Colégio de Battle Creek, a florescente fábrica de alimentos saudáveis, um orfanato, e mil crentes adventistas acumulados em uma área tão cheia de negociadores de bens imóveis que espectadores divertidos (e às vezes aborrecidos) a chamavam de "o campo de mineração Adventista". - Milton Hook, Flames Over Battle Creek, 1977, pág. 98.

Tolhendo tudo um estava o desajeitado complexo vitoriano chamado Sanatório de Battle Creek, que se estendia por aproximadamente 320m ao longo da rua Washington e onde mil funcionários estavam, como Ellen White advertia, começando a ver seu chamado como pouco mais do que uma maneira de obter o sustento. Para uma igreja baseada em ministério pessoal este era um perigo que dificilmente poderia ser exagerado. Significava que num sentido operacional, um dos principais componentes da igreja estava morrendo.

Por vários anos os presságios saídos do sanatório de Battle Creek tinham sido perturbadores e, salpicados de insinuações de que a maciça instituição poderia realmente ser perdida do controle denominacional. Kellogg já havia mostrado suas cores. Já em 1895, ele havia estabelecido o colégio médico missionário americano e tinha começado divorciá-lo da igreja. "Esta não é uma escola sectária", declarara ele, e "doutrinas sectárias" não seriam lá ensinadas. - Medical Missionary, outubro de 1895.

Agora o sanatório era mais poderosa força na igreja, o que significava que se igreja Adventista desejasse assegurar o futuro desta ampla instituição, teria que negociar mais cedo ou mais tarde como John Harvey Kellogg.

Kellogg era um homem baixo e enérgico que, num período posterior de sua vida, corria ao redor de Battle Creek de terno branco e polainas curtas e que, diz-se, enquanto dirigia sua bicicleta para o trabalho, freqüentemente ditava a correspondência para um ofegante secretário que corria ao lado. Era um personagem complexo e fascinante, com dom natural para medicina e intimidante comando de palavras, um homem que podia chorar enquanto lia a carta de Ellen White para um grupo de adoradores e que podia mais tarde condená-la como uma plagiadora - que seria capaz de fazer qualquer coisa, exceto resistir à tentação de fazer o sanatório de Battle Creek e toda a mensagem de saúde descerem por um caminho misterioso projetado em sua própria mente. 

Por anos a Sra. White havia se correspondido com o médico, implorando- lhe que desse um basta aos ambiciosos projetos em Battle Creek e enviasse os fundos excedentes para o campo mundial, particularmente as trabalhosas novas aventuras na Austrália, onde a falta de dinheiro deixou o trabalho desesperadamente enfraquecido. Em resposta ela recebeu declarações de estranhas de que era contra os regulamentos do sanatório enviar dinheiro para fora de Michigan.

Era um argumento habilidoso, superficialmente  persuasivo se não fosse compreendido o potencial para manipulação legal em tudo isso. Mas era totalmente evidente para Ellen White, que podia ver com olhos proféticos a cena de escritórios de advocacia onde olhos astutos exploravam documentos, e um homenzinho enérgico de terno branco estava calmamente sentado enquanto seus advogados faziam o trabalho, com a cabeça levemente inclinada para trás e os dedos tamborilando gentilmente sobre os braços da cadeira. 

"Foram-me apresentados assuntos que encheram minha alma de penetrante angústia" e escreveu ela em 1898: "Vi homens se unindo de braços dados com advogados; mas Deus não estava em sua companhia. ... Sou autorizada dizer a tais pessoas que não estais agindo sob inspiração do Espírito de Deus". - Ellen G. White. Special Testemonies, série A, nº 11, pág. 21.

A precisão do tempo de sua declaração é fascinante. Kellogg havia acabado de alterar habilmente estrutura jurídica do sanatório de forma a permitir que este um dia, por votação, deixasse de pertencer à igreja. Em 1897 se aspiraram seus 33 anos de licença; pela lei de Michigan e, a corporação tinha de ser dissolvida, suas posses vendidas, e uma nova associação formada. Se desejasse introduzir modificações, esta tinha sido indiscutivelmente a oportunidade áurea, e Kellogg não a havia perdido.

Em 1º de julho de 1898, o advogado S. S. Hurlburt é uma pequena multidão de pessoas interessadas se reuniram no palácio da justiça em Marshall, Michigan, onde as posses do sanatório foram vendidas para o grupo encabeçado por Kellogg. Eles por sua vez formaram uma nova corporação, adotaram no regimento interno, e emitiram apólices. Isso tinha de ser feito para o sanatório poder continuar, e a Conferência Geral havia confirmado os passos legais. Superficialmente parecia que nada havia sido feito além de formalidades, mas os que tiveram o cuidado de ler os novos regimentos internos viram o potencial para nefastas mudanças. 

A posse de ações, uma vez limitada aos adventistas, era aberta para qualquer um que estivesse disposto a assinar um documento garantindo que o sanatório era entre "não denominacional, não sectário humanitário e filantrópico". Para aqueles que protestavam contra esta linguagem tão radical, Kellogg tinha já  uma pronta resposta: Era uma mera formalidade, dizia ele, de forma que a corporação pudesse desfrutar da "vantagem dos estatutos do estado". (Medical Missionáry Conference Bulletin, maio de 1899).

Em 1906 as mandíbulas da armadilha já eram demasiado evidentes. Próximo a sua ruptura com a igreja, o médico declararia que o alvará de funcionamento proibia quaisquer atividades de caráter sectarismo ou denominacional, e contaria abruptamente à igreja o que havia acontecido com o grande sonho dela às margens do rio Kalamazoo: "A denominação não possuía a propriedade, e jamais poderá possuí-la, pois ela pertence ao público"). - Medical Missionáry, fevereiro de 1906,(grifos acrescentados).

E agora, mais recentemente, o Dr. Kellogg estava propondo uma nova idéia, de alcance mais longo do que qualquer coisa que já houvesse planejado. Para dizer de maneira simples, era proposição de que todo sanatório afiliado à igreja na América, onde quer que estivesse localizado, fosse completamente vinculado ao controle de Battle Creek. "A fim de ligar nossos diferentes sanatórios, a junta Médica Missionária formou este plano", logo anunciaria ele, "que em vez de criar uma corporação inteiramente independente, onde quer que seja organizado um sanatório... serão estabelecidas associações auxiliares" que deveriam estar "inseparavelmente conectadas" com Battle Creek. - General Conference Bouletin, 18 de abril de 1901, págs. 316,317.

Esta era uma idéia à qual se oporiam vigorosamente Ellen White e os líderes da igreja, mas nos meses seguintes vozes leais a Kellogg exaltariam este conceito num coro crescente de apoio, pois o sanatório estava começando atrair pessoas não satisfeitas com a igreja. Muitos deles eram homens dotados, diplomados em teologia ou medicina. Alguns tinham viajado e pregado com Ellen White. Pelo menos um deles era compositor, e seus hinos haviam outrora capturado o espírito da mensagem do advento. 

Alguns desses dissidentes - financiados, segundo se comentava, pelo rico fluxo de dinheiro do sanatório - começariam a compor um livro denunciando a Sra. White como impostora. Figuras preeminentes falariam com crescente ousadia, a respeito de uma grande transformação na igreja, de alguma nova forma de estrutura, de novos objetivos e uma missão inteiramente nova. 

Entrementes, pouco a pouco. Sobre a superfície, protegidos pela fortuna de Battle Creek e pela capacidade de persuasão de John Kellogg, os dissidentes avançariam em direção a alvos ainda cuidadosamente ocultos de todos exceto dos olhos de uma mulher de 72 anos de idade na Austrália que viu, enquanto dormia, estranhas reuniões e conferências durante a noite, e um homem vestido de branco com poder de persuasão inexplicável em termos humanos.

Esse é o problema que sobrecarrega a mente de Ellen White enquanto o sol nascente do novo ano aquece o céu de verão sobre Cooranbong. O grande braço médico de igreja, tão necessário para demolir preconceitos e abrir portas para a mensagem do advento, está sendo inexoravelmente separado do corpo principal das idéias adventistas. A Sra. White toma uma folha de papel em branco, ergue sua pena, e as palavras começam a fluir para o Presidente da Conferência Geral, George Irwin: "Prezado irmão Irwin:... Salve Dr. Kellogg dele mesmo. Ele não está atendendo ao conselho que deveria atender". - Ellen G. White, carta 3, 1900.

Mil e novecentos - as oportunidades para terminar a obra de Deus nunca foram tão brilhantes. Por uma vez o mundo está quase inteiramente em paz. 

Do Maine a Manila, de Paris a Canton, pode-se ir a quase qualquer parte com evangelho, sem nem mesmo um passaporte. Sentindo fome pela mensagem de saúde sobre a qual maioria delas nunca ouviram, as pessoas buscam exercícios ao ar livre e transformam suas necessidades insatisfeitas em uma mania louca por ciclismo. Os poucos afortunados que podem chegar a Battle Creek, chegam aos milhares, inconscientes das lutas que se agitam sob a superfície, impressionados até mesmo com uma visão parcial da verdade. 

Anjos laboriosos já fizeram tudo que o céu pode fazer para preparar o mundo para mensagem do advento. A grande mensagem da chuva serôdia de vitória em Jesus foi oferecida. Na América a legislação dominical a nível nacional foi introduzida, amplamente debatida, erguida como um sinal de advertência a fim de despertar os crentes negligentes para uma nova vida. É inconcebível que tal oportunidade possa ser perdida, e contudo, é isto que está ocorrendo. 

O sanatório de Battle Creek está em vias de desligar-se da igreja, com seus fundos desviados, sua estrutura legal manipulada. Na Review and Herald, material mundano está sendo aceito para ser impresso. O conteúdo é tal que a Sra. White teme que mesmos os homens que o leiam casualmente ao compor os tipos estarão em perigo. A teologia básica da igreja está começando a ser desafiada por idéias heréticas sobre a natureza de Deus - idéias que, adverte ela, ameaçarão verdades básicas como a do santuário celestial. 

No desespero de proteger a igreja do perigo, porém mal sabendo como fazê-lo, ela adverte os pais adventistas a manterem seus filhos longe de Battle Creek, onde eles podem ser "influenciados pelas insinuações... introduzidas para enfraquecer a confiança em nossos ministros e na mensagem". (Special Testemonies, série B, nº 6, página 3)

Os últimos momentos da luz do dia estão escapando ao povo de Deus enquanto eles compram e vendem bens imóveis, e ampliam as dependências do sanatório de Battle Creek, e fazem planos e mais planos...

Logo uma carta, dirigida por Ellen White poucos dias antes do Natal, chegará à escrivaninha do Dr. Kellogg. "Eu lhe escrevo como uma mãe escreveria seu filho. E o ajudaria se pudesse... Se fosse possível iria vê-lo... Se acolher as mensagens de advertências que lhe foram enviadas ser-lhe-á poupada grande tribulação". - Testemonies, vol. 8, págs. 190, 191.

Tudo está preparado. Como Israel no Sinai, o povo de Deus está agora somente poucas semanas de viagem da terra prometida.

É tempo para mensagem do advento ir como fogo em campo de feno.

É o tempo do contra-ataque do diabo.

É o tempo de uma apostasia chamada alfa.