Uma Espada Como de Fogo

 

Arthur G. Daniells, de 44 anos de idade, presidente da Conferência Geral, trabalhou até tarde da noite de 30 de dezembro de 1902. Durante uma pausa de poucos momentos, ele conversou primeiro o seu jovem assistente administrativo e depois com I. H. Evans, gerente geral da Review and Herald Publishing Company. Era uma noite quente do inverno em Michigan, calma e sem neve, e os dois homens bem podiam estar relaxados e à vontade em sua conversação. A Review, a maior e mais moderna Casa Publicadora de Michigan, estava ainda excepcionalmente bem. O velho ano havia produzido um grande lucro e o novo ano prometia ser tão brilhante quanto o anterior.

Dois quarteirões acima, na rua Washington, o sino do tabernáculo anunciava a reunião de oração, e Daniells provavelmente deu uma olhada em seu relógio para descobrir que eram sete e meia. Se assim foi, esse foi o último ato regular que Daniells realizaria aquela noite. Momentos mais tarde as luzes se apagaram; do outro lado da rua veio um brilho sombrio e lúgubre que era inconfundível para qualquer um que tivesse visto fogo do sanatório. O principal prédio da Review and Herald estava em chamas.

Quando Daniells e Evans conseguiram chegar à rua, toda a sala de impressão estava em chamas. Era uma visão violenta, quebrada por explosões periódicas das janelas dos escritórios superaquecidos. Do lado de fora, podia-se ouvir o som da maquinaria caindo, bem como o desmoronamento do segundo andar. Dentro de uma hora a Review and Herald Publishing Company havia se reduzido uma pilha de carvão e tijolos espalhados, com prensas adventistas quebradas jazendo entre as derretidas chapas de impressão do Living Temple de Kellogg.

Perdido. Dentro de um devastador ano as duas maiores instituições da igreja Adventistas do sétimo dia tinham desaparecido na fumaça, e o comandante Weeks, do corpo de bombeiros de Battle Creek, resumiu tudo tão bem como outro poderia ter feito: "Há alguma coisa estranha com os  incêndios dos ASD, em que água despejada age mais como gasolina". (Citado em uma carta de B. P. Fairchild a A. L. White,4 de dezembro de 1965.)

Por semanas uma sinistra lembrança pairou sobre Battle Creek, tornando impossível esquecer o que tinha acontecido. Durante o incêndio uma grande pilha de carvão havia pegado fogo. Ela permaneceu queimando até fevereiro, produzindo uma coluna de fumaça que, silenciosamente, fazia lembrar a advertência de Ellen White: "a menos que haja uma reforma, calamidade surpreenderá a Casa Publicadora, e o mundo conhecerá a razão". (Testimonies, vol. 8 pág. 96) E agora isto havia acontecido, e a mensagem ficou pintada no céu de Michigan por semanas.

"Por muitos anos tenho carregado um pesado fardo por nossas instituições", a Sra. White escreveu após ter recebido o triste telegrama. "Algumas vezes tenho pensado que não deveria mais assistir a grandes assembléias de nosso povo, pois minhas mensagens parecem deixar pouca Impressão nas mentes de nossos irmãos dirigentes após as reuniões terem terminado". Contou ela muito pesarosamente como deixava tais reuniões "opressa como um carro carregado de molhos". (Special Testimonies, série B. Nº 6, pág. 56)

A mensagem de fumaça sobre Battle Creek traduzia uma questão muito simples: seguiria o povo de Deus, mesmo com sacrifício de seus próprios planos e preferências, as instruções dadas por Sua mensageira?

Esta era uma pergunta à qual John Harvey Kellogg parecia estar muito perto de responder irrevogavelmente. Ele havia sido advertido repetidamente por Ellen White de que suas novas idéias teológicas levariam a ele e a todos que seguiam a um terreno perigoso. A igreja organizada tinha se recusado a imprimir seu manuscrito. Ele havia agido por conta própria, e agora os destroços da Review and Herald. Publishing Company jaziam debaixo de uma coluna de fumaça de carvão que manchava o céu hibernal. Por qualquer padrão de julgamento havia aqui numa mensagem para o Dr. Kellogg; porém ele estava para demonstrar o poder de uma escolha que, tendo rejeitado a verdade, agora levava cada vez para mais longe dela. Um dos seus primeiros atos após o incêndio foi levar seu manuscrito para uma publicadora de fora para ser impresso.

Kellogg tinha iniciado um desafio direto aos líderes da igreja, e logo tornou-se claro que o jogo deveria envolver mais de que só a impressão de um livro - deveria, na realidade, envolver o controle da própria conferência geral.

A igreja Adventista do sétimo dia estava organizada como sistema democrático. As igrejas de locais elegiam os oficiais por maioria de voto. Periodicamente eles também elegiam membros para reuniões da assembléia da associação, onde os delegados representavam suas igrejas ao eleger oficiais da associação e uma comissão executiva para associação. Associações locais, por sua vez, enviavam representantes para reuniões de eleitorado onde oficiais da união eram eleitos. E a conferência geral, periodicamente,  abria uma sessão formal, onde o mesmo processo democrático era empregado para eleger a liderança mundial.

Era um sistema exeqüível, semelhante aos governos democráticos por todo mundo, mas partilhava com estes de uma realidade comum: não era imune a manipulação por parte daqueles que eram experimentados politicamente e altamente organizados. Deste modo um grupo local bem estruturado podia enviar para as reuniões de eleitorado da associação delegados que podiam não representar realmente o pensamento da igreja como um todo, mas que podiam falar de um ponto de vista particular ou de teologia e tão habilmente que mesmo a direção de uma grande associação poderia ser significativamente afetada. E há todos os indícios de que em 1903 John Harvey Kellogg estava seguindo este preciso padrão de raciocínio.

Desconcertantes conflitos começaram a se desenvolver em Battle Creek. Facções políticas centralizadas no sanatório, com o tempo passaram a lutar até mesmo pelo controle do tabernáculo de Battle Creek; corriam rumores intensos; velhas amizades se rompiam. O tabernáculo Dime começou a apresentar os sintomas clássicos de uma igreja em problemas.

Entretanto, havia sinais de que Kellogg estava também tentando depor a presidência da conferência geral. De 1901 à 1903, não havia presidência formal da conferência geral; em vez disso tudo havia uma assembléia de vinte e cinco homens que escolhiam um "líder". 

Sob circunstâncias ideais este tipo de organização devia ter funcionado bastante bem, mas continha uma deficiência prontamente visível para qualquer pessoa com habilidade política e um pouco de ambição: já não era a sessão da conferência geral que escolhia o presidente mundial da igreja e lhe conferia um mandato; ele era apontado por outros vinte e quatro homens. Controlando 13 deles, poder-se-ia colocar no posto qualquer um que se desejasse.

Kellogg não era conhecido por perder tais oportunidades, e 1902 e 1903 provaram não ser a exceção. Ele começou uma campanha intensa para remover para A. G. Daniells da presidência da conferência geral, e embora seu plano finalmente falhasse, o Dr. alistou uma liga de homens poderosos influentes que apoiavam sua teologia e pensavam que as opiniões dele deveriam ser promulgadas na igreja da maneira mais ampla possível. 

Eles eram "homens de proeminência", como Daniells mais tarde os descreveria - ministros, médicos, e educadores que "abertamente tomaram sua posição em favor do livro e de seus ensinamentos". (A. G. Daniells, The Abiding Gift of Prophecy, p. 336) 

E perto da chegada do verão tanto Daniells como Ellen White ficaram chocados ao saber que este grupo de mentes fortes e persuasivas estavam fazendo questão de ir em busca do único recurso que igreja não podia se dar ao luxo de perder - sua juventude.

Para aqueles que se dedicam a grandes mudanças no "status quo", os jovens têm sido sempre um atraente alvo de oportunidade. Se a mudança não puder ser efetuada na primeira tentativa, há sempre a esperança de atingir a juventude, cuja fascinação por idéias novas e não convencionais podia ser usada com vantagem em produzir uma a "próxima geração" mais complacente. (Essa tática estava justamente se tornando evidente na Europa Oriental, onde forças empenhadas em mudanças políticas haviam tentado mudar o sistema e fracassado, havendo então começado um apelo agressivo à juventude; o tempo mostraria quão eficaz seria a sua técnica).

Ellen White estava plenamente ciente do poder que a juventude poderia conferir à igreja; falava entusiasticamente sobre o grande "exército" jovem que levaria o evangelho a "todo o mundo", (Educação, pág. 271) e ela reconheceu imediatamente o problema quando se tornou claro que as forças de Kellogg estavam começando a olhar com interesse para os jovens da igreja.

A primeira insinuação daquela tática foi revelada quando o livro de Kellogg saiu do prelo. O Living Temple foi imediatamente promovido enviado para associações locais justamente a tempo das campais de verão, e "esforços vigorosos" foram feitos para envolver a juventude em difundi-lo para venda. (Daniells, loc. cit.) O pastor Daniells notou a nova manifestação com grande preocupação. "Vi sementes sendo disseminadas entre centenas de jovens em nossas principais instituições", declarou. Alguma coisa que ele "firmemente cria que deveria produzir como resultados profundos desgostos a centenas de nossos irmãos." Idem.

Kellogg estava também usando jovens de uma maneira política. Em novembro de 1903 Ellen White  escreveu para o pastor S. N. Haskell, advertindo o de que os estudantes estavam sendo arrolados em uma campanha para escrever cartas destinadas a produzir pressão política favorável ao sanatório. 

"No sanatório em Battle Creek, os estudantes e auxiliares tinham sido encorajados pelo gerente a escrever para seus pais e amigos e falar das coisas maravilhosas que estavam sendo feitas na instituição", ela disse - coisas que lhe haviam sido reveladas como estando muito longe de ser maravilhosas. (Carta de Ellen G. White a S. N. Haskell, 28 de novembro de 1903)

Ela constantemente se preocupava com os jovens estudantes do sanatório, que estavam ouvindo a nova teologia dos professores a quem respeitavam, e os perigos eram tão grandes que ela abertamente advertia os pais a manterem seus filhos longe de Battle Creek.

Ainda em 1901, em resposta a sua preocupação, o colégio havia sido fechado e a escola mudada para uma nova região de Berrien Springs, deixando em Battle Creek somente as classes relacionadas com a medicina, que eram dadas no sanatório. Entretanto, o alvará de funcionamento do colégio de Battle Creek não havia expirado, deixando a possibilidade teórica de reabrir o campus em qualquer tempo que alguém assim quisesse fazer, e agora, ao se acalorar a batalha, Kellogg apoderou-se dessa prática como meio de atingir jovens da igreja. 

Brochuras atrativas foram impressas anunciando a reabertura do colégio de Battle Creek “uma necessidade”, afirmava ele, para se obter a aprovação de detalhes técnicos relacionados à escola de medicina. A equipe de recrutadores entrou em campo. Planos grandiosos para a nova instituição foram expostos e aos jovens se falou "das grandes vantagens do preparo neste colégio de Battle Creek, agora reaberto". (Daniells, op. cit., p. 34)

Era um desafio que fez com que Ellen White se pusesse de pé em alarme: "Como nós poderíamos consentir ter a flor de nossa juventude chamada para Battle Creek a fim de receber sua educação, quando Deus tem dado advertência após advertência de que eles não devem ir para lá", bradou ela. Alguns dos instrutores "não entendem o real fundamento da nossa fé. ...Não permita Deus que uma palavra sequer de encorajamento seja proferida para chamar nossos jovens ao lugar onde eles serão corrompidos por representações falsas e calúnias concernentes aos testemunhos, e à obra e caráter dos ministros de Deus". (Special Testimonies, série B, nº 2, página 21,22) 

Assim, as questões controvertidas, de acordo com a Sra. White, eram duas: a crença no espírito de profecia e apoio para o ministério da igreja organizada. Enviar jovens para Battle Creek seria expô-los ao ataque de ambos assuntos.

Havia uma crescente possibilidade de que eles fossem expostos também a outro perigo. No início da história do adventismo, o afastamento da doutrina básica havia sido acompanhado por estranhos padrões de comportamento, e agora problemas semelhantes pareciam estar surgindo. "Havia idéias confusas do amor livre", o pastor L. H. Christian recordaria mais tarde, "e havia práticas imorais por alguns daqueles que apresentavam a doutrina de um Deus impessoal difundido através da natureza", e a doutrina da carne Santa. Os detalhes daquele capítulo de vergonha não devem agora ser contados, mas aqueles que conheceram os fatos compreenderam a verdade destas palavras:

'Teorias panteístas não são apoiadas pela palavra de Deus. ...  As trevas são seu elemento, a sensualidade sua esfera. Elas gratificam o coração natural, e dão margem à inclinação." - Review and Herald, 21 de janeiro de 1904, pág. 9. - L. H. Christian, Fruitage Spiritual Gifts, págs. 291,292.

Aqueles que aceitaram as idéias de Kellogg pareciam adotar um modo de evangelismo agressivo que, se contrariado, poderia rapidamente se tornar em hostilidade. Uma noite o pastor Daniells estava voltando para casa de uma reunião de concílio outonal da Comissão da Conferência Geral. Era outubro de 1903; o assunto no livro de Kellogg (agora impresso, contra a recomendação denominacional)  tinha se tornado uma controvérsia intensa e agitada na igreja. 

Daniells parou debaixo de uma brilhante lâmpada na rua, para falar por uns poucos minutos com um obreiro que cria nas opiniões de Kellogg e que estava fazendo "tudo ao seu alcance" para difundir o livro. Os dois homens conversaram por algum tempo, não hesitando em tentar converter um ao outro, quando de repente o obreiro tornou-se áspero. "Você está cometendo maior erro de sua vida", ele vociferou. "Após todo este tumulto, algum dia desses você despertará para encontrar a si mesmo reduzido a pó, e um outro estará liderando a causa."

"Realmente não creio na sua profecia", Daniells replicou, então deixou escapar um comentário posterior, na linguagem de um homem que parece ter vislumbrado por um instante alguma coisa maior do que a sua própria carreira. "De qualquer forma, eu preferia ser reduzido a pó fazendo o que em minha alma creio estar certo, a andar com príncipes, fazendo o que minha consciência me diz estar errado."

Então ele se voltou em direção à porta da frente de sua casa para salvar o que podia de descanso daquela atribulada noite, meditando, sem dúvida, sobre as estranhas mudança de comportamento que acompanhavam a incursão de seus amigos nesta nova teologia. - Daniells, op. Cit., págs. 336-337.

Aquele, se alguém parasse para pensar sobre ele, era um dos maiores perigos que a igreja agora enfrentava. Em última análise, a mensagem do adventismo tinha sempre incluído o aspecto de comportamento. Temei a Deus e dai-lhe glória. Lembra-te do dia do sábado, para o santificar. Bem-aventurados aqueles que obedecem aos Seus mandamentos. Àquele que vencer. Àquele que vencer...

Nada havia de cômodo na mensagem adventista para alguém que se interessava em aceitar o cristianismo apenas em parte. "Os que estiverem vivendo sobre a terra quando a intercessão de Cristo cessar no santuário celeste, deverão, sem mediador, estar de pé na presença do Deus Santo. Suas vestes devem estar imaculadas, o caráter liberto do pecado, pelo sangue da aspersão. Mediante a graça de Deus e seu próprio esforça diligente, devem eles ser vencedores na batalha contra o mal. Enquanto o juízo de investigação prosseguir no céu, enquanto os pecados dos crentes arrependidos estão sendo removidos do santuário, deve haver uma obra especial de purificação, ou de afastamento de pecado, entre o povo de Deus na Terra." O Grande Conflito, pág. 424.

O adventismo tinha levado as pessoas mais longe do que jamais haviam ido antes, ao próprio âmago do céu, um compartimento onde uma luz ofuscante pairava sobre um lugar chamado o propiciatório, e onde também se tornava a descobrir uma constante eterna chamada à lei de Deus. Aqui o ato final no plano da salvação estava agora em andamento; deste lugar vinha não somente misericórdia, mas um novo desafio ao comportamento humano, e um poder, nascido da fé, para viver uma vida vitoriosa. "Mediante a graça de Deus e seu próprio esforço diligente, devem eles ser vencedores na batalha contra o mal." Idem.

Esta era a contribuição singular do adventismo para o mundo, a mensagem final que colocava o arremate sobre a reforma. Por séculos os cristãos tinham acreditado que a salvação vem da fé em Cristo. Aceitando completamente isto, os adventistas extraíram das Escrituras uma nova dimensão que sondava as próprias profundezas da fé: através da fé em Cristo a vida toda poderia ser trazida em harmonia com a lei divina que mantinha o universo unido.

E tudo isto foi dito com um senso de urgência, como se o tempo disponível para que uma pessoa realizasse isso fosse muito curto.

"Estamos nos preparando para encontrar Aquele que, acompanhado por uma comitiva de santos anjos, está prestes a aparecer ns nuvens do céu para dar ao fiel e justo o toque final da imortalidade. Quando Ele vier não irá nos limpar de nossos pecados, remover de nós os defeitos de caráter, ou curar-nos de nossas enfermidades de temperamento e disposição. Se esta obra for realizada por nós, será totalmente completada antes daquele tempo. Quando o Senhor vier, aqueles que são santos, serão santificados ainda." (Testimonies, Vol. 2, pág. 355).

Em 1868 num dia de verão Ellen White tinha escrito pensamentos semelhantes em uma carta de aniversário para seu filho, na qual o amor de mãe tinha se combinado com o inconfundível desafio da velha mensagem do advento: "Não te enganes. Deus não Se deixa escarnecer. Nada senão a santidade te preparará para o céu. ... O caráter celestial deve ser adquirido na terra, ou jamais poderá ser adquirido" Testemunhos Seletos, Vol. 1, pág. 245.

Havia um idealismo sobre o adventismo, alguma coisa além mesmo dos sonhos dos reformadores, que haviam iluminado o mundo com a mensagem de fé reavivada. Lutero, Calvino, Knox - todos tinham vivido no tormentoso fim da longa noite da história, todos empurrando para trás as sombras a seu próprio modo, conforme as forças que lhe eram dadas por Deus. Mas agora o dia, que começara tão cheio de promessas no século dezesseis, havia terminado há muito.

A história humana estava perto do fim, e os adventistas do sétimo dia tinham uma mensagem que nunca dantes havia sido dada ao mundo. Esta geração poderia viver durante o processo do juízo investigativo - poderia viver para ver Jesus voltar.

Conseqüentemente a atenção adventista tendia a se focalizar em objetivos que não mais podiam ser postos em algum futuro confortável e distante. Para eles o desafio era agora, e eles procuravam na bíblia exemplos do que Deus esperava do povo que devia ser transladado ao céu sem passar pela sepultura. 

"Por meio da transladação de Enoque, o Senhor tencionava ensinar uma lição importante", Ellen White escreveu. "ensinava-se aos homens que é possível obedecer à lei de Deus, que vivendo embora em meio dos pecadores e corruptos, eram capazes, pela graça de Deus, de resistir a tentação, e tornar-se puros e santos. ... O caráter piedoso deste profeta representa o estado de santidade que deve ser alcançado por aqueles que hão de ser "comprados da terra" (Apocalipse 14:3), por ocasião do segundo advento de Cristo". (Patriarcas e Profetas, pág. 85). E aquele padrão parecia ser uma parte da missão da igreja.

Enoque tinha vivido na terra antes da sua destruição pela água, e sua própria vida foi uma mensagem de misericórdia, mostrando o poder de Deus para salvar. Agora uma destruição ainda maior se aproximava, e o mundo merecia uma última visão clara do caráter de Deus. "Como Enoque, advertirão o mundo da segunda vinda do Senhor, e dos juízos que cairão sobre os transgressores; e pela sua santa conversação e exemplo condenarão os pecados dos ímpios" (Idem, pág. 86). 

Em 1902 havia ela novamente lembrado aos adventistas que "nem todos os livros escritos poderiam substituir uma vida santa. O homens acreditarão, não o que o ministro pregue, mas o que a igreja pratique em sua vida." Testemunhos Seletos, Vol. 3, pág. 290.

Apesar de tudo, os adventistas tinham feito uma das mais ousadas afirmações jamais feitas na fé cristã. Eles reclamavam ter uma nova visão dos mais profundos recessos do céu, onde se encontrava a norma pela qual Jesus estava agora julgando o mundo. Os adventistas tinham redescoberto a lei, e agora precisavam fazer alguma coisa com ela: ou tinham de vivê-la, através do poder de Deus, ou desenvolver as melhores desculpas do mundo para o pecado.

Havia um perigo real de que eles pudessem ser tentados a escolher a última alternativa. A norma que se revelava no santuário era, afinal, excessivamente alta. Ellen White advertiu contra esta possibilidade em termos que são difíceis de ser mal entendidos. "ninguém diga: Não posso remediar meus defeitos de caráter. Se chegardes a esta decisão, certamente deixareis de alcançar a vida eterna". (Parábolas de Jesus, pág. 331).

No importante ano de 1888, ela havia escrito pensamentos semelhantes. "Por meio dos defeitos do caráter, satanás trabalha para obter o domínio da mente toda, e sabe que, se esses defeitos foram acariciados, será bem sucedido. Portanto, está constantemente procurando enganar os seguidores de Cristo com seu fatal sofisma de que lhes é impossível vencer" (O Grande Conflito, pág. 489).

Era uma alarmante advertência, dirigida aos perigos que resultariam se os adventistas alguma vez decidissem desculpar-se perante a lei em vez de guardá-la; contudo, como sempre, sua mensagem terminaria com uma nota de esperança: "Ninguém, pois, considere incuráveis os seus defeitos. Deus dará fé e graça para vencê-los" (Idem).

E a confortante garantia é dada: "Se está no coração obedecer a Deus, se são feitos esforços nesse sentido, Jesus aceita esta disposição e esforço como o melhor serviço do homem, e supre a deficiência, com Seu próprio mérito divino. Ele não aceitará os que alegam ter fé nEle e, no entanto são desleais ao mandamento de Seu Pai". Mensagens Escolhidas, Vol. 1, pág. 382 .

Assim, parecia ser uma missão especial para o povo que se chamava Adventistas do Sétimo Dia, que sabiam tanto sobre o que devia logo acontecer ao mundo. Por séculos os cristãos tinham proclamado a mensagem de fé, agora os adventistas estavam levando avante essa mensagem a seus mais distantes limites, exigindo da fé o máximo que ela poderia trazer: Uma mensagem de Elias, uma mensagem que começou na terra e terminou no céu. Qualquer coisa que desafiava essa mensagem de vitória e testemunho pessoal também questionava a própria missão da igreja.

Nisso jazia o perigo dos ensinos de Kellogg em 1903. "Essas doutrinas, seguidas até suas conclusões lógicas, varrem toda a economia cristã", a sra. White advertiu. "elas ensinam que as cenas justamente diante de nós não são de suficiente importância para que se lhes dê atenção especial" (Special Testimonies, Série B, n 7, p37).

A igreja e o mundo estavam mergulhando numa profunda noite em direção a alguma coisa chamada o fim do tempo da graça, antes do qual cada indivíduo deveria ser examinado por Deus "com um escrutínio tão íntimo e penetrante como se não houvesse outro ser na terra" (O Grande Conflito, pág. 490). Quando esse evento chegasse, o destino de todos seria eternamente decidido para a vida ou morte. Era um desafio impossível de se exagerar.

Os adventistas, contudo, estavam sendo embalados por teorias agradáveis sobre a natureza de Deus, nas quais as tremendas verdades do santuário desapareciam de vista e o Shekinah se tornava nada mais do que o brilho do sol na primavera. Em seu desespero para advertir a igreja, alarmada pelo poder fascinante do erro, Ellen White buscou alguma maneira de ilustrar quão facilmente alguém poderia confundir o erro com a verdade, e ela recorreu à ilusão ótica de dois trilhos da estrada de ferro, confundindo-se na distância até parecerem ser um. "O trilho da verdade fica bem ao lado do trilho do erro, e ambos os trilhos podem parecer ser um para as mentes que não são operadas pelo Espírito Santo." Carta 211, 1903.

Então, vendo alguns dos melhores intelectos da igreja apanhados na armadilha, e levando outros para ela com a capacidade de eloqüência que tinha sido uma vez devotada à mensagem adventista, ela clamou em quase total desespero: "Minha alma fica grandemente perturbada quando vejo o desenvolvimento dos planos do tentador, que não posso expressar a agonia de minha mente. Precisa a igreja de Deus ficar sempre confundida pelos ardis do acusador, quando as advertências de Cristo são Tão definidas e claras?" Special Testimonies, Série B, n 2, pág. 23.

Junto com a igreja que amava, Ellen White estava agora mergulhando numa crise tão grande que ficava em dúvida se poderia sobreviver a ela. O ano de 1904 se desvanecia rumo a 1905. Quatro preciosos anos haviam se passado, anos de paz e abundância, e a igreja que deveria ter anunciado sua mensagem ao mundo, lutava em vez disso contra ataques feitos às suas verdades mais fundamentais. Sua maior instituição oscilava na iminência de se perder. (Seria realmente perdida apenas poucos meses mais tarde, em 1906.) 

O Espírito de Profecia estava sob um crescendo de ataques, tanto aberta quanto secretamente, por mentes capazes que eram mantidas, segundo boatos, pelo dinheiro que entrava no sanatório de Battle Creek. Mesmo o tabernáculo de Battle Creek, construído com o dinheiro doado por membros fiéis e interessados cidadãos de Battle Creek era objeto de uma luta por controle. E, nesse meio tempo, os erros estavam sendo oferecidos como uma nova luz, de uma forma tão sutil que confundiam tanto os estudantes do colégio quanto os obreiros amadurecidos. Como um navio, a igreja estava agora se movendo através de um oceano traiçoeiro e nevoento, que Ellen White viu estar cheio de icebergs.

No Porto Arthur, o almirante Heihachiro ordena a frota japonesa para a formação de batalha, solta seu alarido, e explode a frota báltica russa. A Rússia entrega o sul da Manchúria; o Japão, com seu poder invencível ocupa a Coréia. O equilíbrio do poder na Ásia cai, e as coisas nunca mais serão as mesmas. Os eventos estão agora num movimento que não cessará até que quase metade do mundo esteja fechado, por um tempo, para o evangelho.

Para a igreja, os desafios estão justamente começando.

É o tempo da segunda frente de ataque de satanás.

É tempo de Albion Fox Ballenger.