O Teste Sobrevirá a Toda Alma
Era uma hora da manhã e Ellen White estava sentada, provavelmente
usando uma prancheta ao colo como escrivaninha. escrevendo tão rápido
quanto sua pena podia se mover sobre o papel. Em geral ela costumava se
levantar antes do raiar do dia para fazer o seu trabalho, mas esta manhã,
apenas uma hora após a meia-noite, ela sentiu uma urgência raras vezes
experimentada antes. O povo de Deus rumava para a grande sacudidura, uma
grande colisão com o erro, na qual muitos perderiam o rumo, e ela se
sentia compelida a lhes dar uma última advertência clara antes que isso
acontecesse.
Tudo havia começado algum tempo antes, naquela noite, com um sonho
vívido que ela interpretou como sendo uma mensagem divina, e a história
é descrita melhor em suas próprias palavras:
"Pouco tempo depois de enviar os testemunhos acerca dos esforços
do inimigo para solapar os alicerces de nossa fé mediante a disseminação
de teorias sedutoras, lera eu um incidente acerca de um navio envolto em
cerração, tendo à frente um iceberg. Por várias noites pouco dormi.
Tinha a impressão de estar arcando sob um fardo, como um carro carregado
de molhos. Uma noite foi-me apresentada claramente uma cena. Achava-se
sobre as águas um navio, envolto em densa cerração. Súbito o vigia
bradou: 'Iceberg à frente!' Ali, elevando-se muito mais alto que o navio,
estava um gigantesco iceberg. Uma voz autorizada exclamou: 'Enfrentai-o!'
Não houve um momento de hesitação. Urgia ação rápida. O maquinista pôs
todo o vapor, e o timoneiro dirigiu o navio diretamente para cima do
iceberg. Com um estrondo o navio deu contra o gelo. Houve tremendo choque
e o iceberg se desfez em muitos pedaços, despencando sobre o convés, com
um ruído de trovão. ... Bem sabia eu o significado dessa representação.
Eu tinha minhas ordens. Ouvira as palavras, como uma voz que viera de
nosso Comandante; 'Enfrentai-o!' ... nos próximos dias, trabalhei
diuturnamente, preparando para nosso povo as instruções que me foram
dadas acerca dos erros que se insinuavam em nosso meio". - Mensagens
Escolhidas, vol. 1, p. 205,206
Ellen White tinha ficado perplexa por algum tempo, sem saber o que
fazer com as novas idéias espúrias que Kellogg estava tentando impor
sobre a igreja. Para ela, o maior tesouro da Terra era a igreja de Deus.
Esta errava muitas vezes; e ela amiúde emitia ferventes mensagens à
liderança da mesma, implorando por uma reforma. Não obstante, sua
lealdade jamais vacilou. E agora parecia que o enfrentar um grande desafio
poderia provocar uma divisão entre os membros da igreja, resultando em
uma terrível perda de talentos, meios, e almas. Era uma decisão
tremendamente difícil para ela tomar.
Por muitos meses havia ela aguardado, esperando que algo que ela
dissesse pudesse tocar uma corda responsiva no coração de kellogg e
ainda poupá-lo para a causa. Mas havia um sinal divinamente apontado,
pelo qual ela saberia quando o confronto não mais poderia ser adiado.
Este seria "quando os líderes em Battle Creek fizessem um ataque
aberto contra os testemunhos" - quando o Espírito de Profecia fosse
abertamente atacado. então ela disse: "Irmãos, agora enfrentamos o
problema. 'Enfrentai-o!' com toda a força e poder de Deus".
Ingressou-se no debate; a igreja saiu para iniciar o ataque contra o
inimigo, e nas palavras de Ellen White, tiradas da imagem de Gideão,
"os cântaros foram quebrados, e a luz brilhou em claros raios".
Ellen
White, carta 328, 1906
A idéia
de uma grande crise, na qual se perdem membros para a causa, é uma parte
incongruente, e contudo, inevitável do Adventismo. Em alguma parte, em
algum tempo, haverá um grande desafio que sacudirá a igreja. Nesta provação,
muitos se perderão, mesmo dentre pensadores preeminentes. "Não está
muito distante o tempo em que o teste sobrevirá a toda alma. ... muitas
estrelas que temos admirado por seu brilho se extinguirão então em
trevas. A palha, como nuvem, será levada pelo vento, mesmo de lugares
onde vemos apenas campos de rico trigo". (Testimonies, vol 5, p 81)
"Ao vir a sacudidura, pela introdução de falsas teorias,
esses leitores superficiais não ancorados em parte alguma, são como
areia movediça". (Testemunhos para Ministros, p
112) A única esperança neste tempo é conhecer a vontade de Deus
como se acha revelada em sua santa Palavra. "Aproximam-se rapidamente
os dias em que haverá grande perplexidade e confusão. Satanás, vestido
de roupagens angelicais, enganará, se possível, os próprios escolhidos.
... Soprará todo vento de doutrina. ... Os que confiaram no intelecto, no
gênio ou no talento, não estarão então à frente das fileiras. Não
acompanharam o desenvolvimento da luz". Ela então faz uma declaração
repleta de implicações trágicas: "Poucos grandes homens estarão
ocupados na última obra solene". Testimonies, vol 5, p 80
Para que não escapem as implicações de tudo isto, reconhecemos o
alcance da tragédia aqui descrita. Aparentemente algum engano
extremamente poderoso passará pela igreja, arrebatando todos os que não
estiverem firmamente fundados, não importando quão altamente educados são.
O próprio Jesus advertiu contra erros, que se fosse possível,
"enganariam os próprios escolhidos". Paulo predisse o
surgimento de "lobos vorazes" e advertiu que "dentre vós
mesmos se levantarão homens falando coisas pervertidas para arrastar os
discípulos atrás deles". Não são erros abertos, nem ataques
frontais sobre a fé cristã que arrastam os homens para fora da verdade;
é, antes, a mistura sutil da verdade com o erro, tão inteligentemente
combinados, que a única esperança de reconhecer isto é através da
ajuda do Espírito Santo e o estudo diligente da verdade revelada de Deus.
Será necessário negar até mesmo as realidades aparentes aos sentidos, e
andar unicamente pela fé na luz que procede da palavra de Deus.
Haverá um grande reavivamento, somos informados justamente antes
da visitação final dos juízos de Deus sobre a Terra. Sabendo disto de
antemão, Satanás "esforçar-se-á para impedi-lo, introduzindo uma
contrafação. Nas igrejas que puder colocar sob seu poder sedutor, fará
parecer que a benção especial de Deus foi derramada, manifestar-se-á o
que será considerado como grande interesse religioso. Multidões exultarão
de que Deus esteja operando maravilhosamente por elas, quando a obra é de
outro espírito". Grande conflito, p 464
Por várias gerações temo-nos acostumados a assumir que tudo isto
aconteceria principalmente fora da Igreja Adventista e que nós, seguros
dentro do remanescente de Deus, assistiremos a isto em segurança, com
interesse, mas sem envolvimento. E esta pressuposição pode nos deixar
perplexos quanto a como os próprios escolhidos em nosso próprio meio
podem estar ameaçados de cair no engano. Há a possibilidade de que
tenhamos subestimado o inimigo, de que o mesmo engano de um falso
reavivamento possa também se apresentar no seio do Adventismo,
acompanhado por todas as armadilhas que apelam para os sentidos e por isso
reclamam crédito? Se respondermos a esta pergunta negativamente, vemo-nos
fortemente compelidos a explicar por que algumas de nossas "mais
brilhantes luzes" se apagarão e se tornarão nossos mais formidáveis
e pronunciados inimigos. Homens e mulheres não ficam assim tão irados
com questões triviais de discussão dentro da igreja. Este nível de ira
é demonstrado apenas quando as pessoas se convencem de que a igreja
rejeitou alguma idéia que eles consideram uma verdade religiosa vital.
A sacudidura, portanto, que há muito esperamos e tememos, envolverá
doutrinas e - se a história e a lógica estão corretas - provavelmente
incluirá a rejeição pela igreja, do que algumas pessoas crêem ser uma
"nova luz" essencial. (Lembre-se de que Ellen White diz
claramente que a sacudidura resultará da "introdução de falsas
teorias"). Isto nos deixa com uma importante pergunta: O que será
atacado?
É uma pergunta que se poderia pôr de lado como sendo puramente
especulativa, exceto pelo fato de que já temos várias respostas.
Primeiro, sabemos que o sábado será um ponto de doutrina controvertido
no fim do tempo. Poderia ele se tornar um ponto de controvérsia mesmo
dentro da igreja? Antes de descartarmos isso como sendo impossível,
devemos reconhecer que isto já ocorreu. Canright, após atacar a doutrina
do santuário, volveu depois seus ataques para o sábado e a lei. Kellogg,
enquanto a princípio professava crer na doutrina do sábado, gradualmente
se distanciou dela num sentido funcional e laborou diligentemente para
tirar o sanatório do plano de operação que observava o sábado. As
recreações do sábado para os pacientes foram se tornando cada vez mais
seculares. É importante compreender que o sábado pode ser atacado de várias
maneiras, algumas óbvias, outras profundamente sutis. E pode ser atacado
indiretamente, ferindo o fundamento sobre o qual ele repousa. Este é
encontrado, em última instância, na lei. Se adotarmos uma teologia que
inferioriza a lei de Deus - que diz, por exemplo, que é impossível
observar seus preceitos - então teremos atacado os componentes da lei, um
dos quais é o sábado. É nos dito que perto do fim do tempo alguns
adventistas serão obrigados a defender o motivo de sua observância do sábado
perante tribunais. É difícil para o escritor, como advogado que é,
imaginar que uma corte leve a sério um adventista que pleiteia o direito
de adorar no sábado, mas que admite simultaneamente não ser capaz de
guardar a lei na qual o sábado esta baseado.
Em segundo lugar, sabemos com certeza que um dos principais ataques
será contra o Espírito de Profecia. "O derradeiro engano de Satanás
será anular o testemunho do Espírito de Deus". (Mensagens
Escolhidas, vol 1, p 48) Este é um fato que lhes dá inestimáveis
informações adiantadas sobre as táticas de um inimigo que lhes deseja
roubar a vida eterna. Não obstante este é um paradoxo familiar, repetido
tantas vezes quantas a história revela mensageiros de Deus. É
relativamente fácil ler os escritos de um profeta distante dois mil anos
no passado, cuja linguagem é o idioma de seus próprios dias, e cujas
descrições do pecado podem não ser tão penosamente aplicáveis a você;
é algo muito diferente aceitar com benevolência as palavras de alguém
que fala a seu tempo hoje. Mas poucas coisas poderiam ser mais importantes
do que a aceitação dessa mensagem.
Se a história nos ensina alguma coisa, o ômega provavelmente
envolverá algum tipo de confusão sobre o papel das obras e a santificação.
Sabemos que isto esteve quase sempre envolvido em apostasias passadas,
quer por ataque teológico direto, quer pelo comportamento dos que advogam
uma mudança. Canright atacou abertamente a lei. Os que reclamavam possuir
carne santa a atacavam de maneira disfarçada, afirmando crer enquanto
condescendiam com todos os tipos de más ações praticadas em nome da
santidade. A era Kellogg viu notória imoralidade entre alguns crentes. Em
qualquer ocasião em que os adventistas direta ou indiretamente ficassem
confusos quanto a suas responsabilidades na questão de comportamento,
sempre se seguia grande dano. É por isso essencial que entendamos o que
alguns descreveram como um paradoxo no adventismo: O dever de despender
esforço humano para que fosse possível usufruir de um evangelho que,
afirmam muitos protestantes, é um dom gratuito de Deus que não deve
requerer tal consumo de forças humanas.
É uma questão aparentemente complexa, que é notavelmente fácil
de responder se entendermos dois princípios de lei chamados condição
precedente e condição subseqüente. Condição precedente é aquela
imposta sobre uma pessoa antes que ele os ela receba a propriedade. Para
receber o direito de posse, o indivíduo precisa fazer algum ato específico,
após o qual a propriedade passa a pertencer a esta pessoa. Num sentido
religioso, esta é uma contrafação do verdadeiro evangelho - e é a
forma de religião mais comum conhecida ao homem. Todo paganismo tem raízes
profundas nesse conceito: levado ao extremo, demanda sacrifícios humanos
para deixar as pessoas no favor da divindade. No cristianismo, a única
condição precedente é fé - uma fé tão completa que leva à entrega
da vontade toda a um Deus amorável.
Condição subseqüente é um tipo de regra aparentemente
semelhante, mas operacionalmente muito diferente. Aqui a propriedade é
transferida diretamente, sem a exigência de qualquer ato prévio. Mas é,
também, transferida sob condições - condições que funcionam após a
transferência. Um homem pode transferir terras a seu vizinho, por
exemplo, sob a condição de que nunca sejam usadas para a venda de
bebidas alcoólicas; se o vizinho alguma vez quebrar esta condição, a
terra reverte ao outorgante original. E esse é um exemplo admirável, na
lei humana, do mecanismo operativo do plano da salvação. O dom é livre;
em nenhum sentido pode-se dizer que o novo possuidor o
"mereceu"; contudo por seu abuso das condições sob as quais
este foi concedido, ele pode se desqualificar para o local e assim
incapacitar-se a continuar como proprietário.
O conceito do viver justo está indelevelmente impresso na
estrutura do adventismo. Os adventistas afinal de contas, reclamam ter a
última mensagem de advertência para o mundo,
uma mensagem que é dada com muito mais poder pelo comportamento do
que por meras palavras. "Vós sois a luz do mundo", disse
Cristo. "Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que
vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus".
(Mat 5:14,16) Não há qualquer base lógica na teologia de Cristo para
embaraços na questão de boas obras, ou para confusão quanto a se a
pessoas é responsável pelos frutos ou pela vida santificada. Em Seu
plano, o viver piedoso parece ser um dos principais meios de pregar a última
mensagem de esperança da Terra.
Não obstante esta questão parece também emergir como um elemento
chave na prova final da igreja de Deus, que os adventistas vieram a
conhecer como sacudidura. "Talvez digam alguns que esperar o favor de
Deus por meio de nossas obras é exaltar os próprios méritos. Certamente
não podemos comprar uma vitória sequer com nossas boas obras; todavia
nos é impossível ser vitoriosos sem elas. ... Em toda crise religiosa,
alguns caem sob a tentação. O peneiramento de Deus sacode fora multidões
como folhas secas". (Testemunhos Seletos, vol 1, p 478) Cedo na
experiência do advento Ellen White já havia advertido que "enquanto
Deus tiver uma igreja, ele terá aqueles que clamarão em alta voz, e não
se deterão, que serão Seus instrumentos para reprovar o egoísmo e o
pecado", e ela viu que "levantar-se-iam indivíduos contra os
claros testemunhos". O resultado seria trágico mas inevitável.
"A sacudidura deverá ocorrer logo para purificar a igreja" -
Ellen White, Spiritual Gifts, vol 2, p 284
Estanhas palavras para uma mulher que iria despender toda uma existência
tentando manter unida uma igreja que para ela significava mais que a própria
vida. Tal tipo de provação parece estranha a uma igreja que tem sido
condicionada a crer na importância da unidade. Foi difícil para Ellen
White; será difícil para nós.
Contudo mesmo o dom da unidade - como os outros dons de Deus aos
homens - pode ser mal usado. Introduzir na igreja erros que irão destruí-la,
e então protege-los atrás do escudo da "unidade" é um
problema ao qual Ellen White teve de se dirigir em 1904. "Devemos nos
unir", declarou ela, "mas não sobre uma plataforma de
erros". (Carta de Ellen White ao Dr. W. H. Riley, 03/21/1904) "Não
devemos receber as palavras dos que vêm com uma mensagem em contradição
com os pontos especiais de nossa fé. Eles reúnem uma porção de
passagens, e amontoam-nas como prova em torno das teorias que afirmam.
Isto tem sido repetidamente feito durante os cinqüenta anos
passados". Mensagens Escolhidas, vol 1 p 161
Para os adventistas que desejavam evitar grande perigo, ela possuía
conselhos alarmantes sobre as teorias que o Dr. Kellogg promovia, os quais
ela própria teve de empregar finalmente no caso desse médico; nem mesmo
discuta com os que, após a igreja tomar uma posição oficial,
persistiram em seguir seu próprio curso. "no tempo da Conferência
Geral em Oakland, fui proibida pelo Senhor de entreter qualquer conversação
com o Dr. Kellogg. Durante esta reunião foi-me apresentada uma cena, que
retratava os anjos maus conversando com este médico. ... Ele parecia
impotente para escapar do laço". (Carta de Ellen White para S.N.
Haskell, 28/11/1903) Em 1907 ela escreveu uma carta para ser lida em
Oakland, Battle Creek, Chicago, e outras igrejas grandes: "Há um espírito
de perversidade em operação na igreja, que está tentando se valer de
todo ensejo para anular a lei de Deus. ... Em nossa obra agora não nos
cabe a responsabilidade de trabalhar por aqueles que, embora possuindo
abundante luz e evidência, ainda continuam do lado dos que optaram pela
incredulidade". (Ellen White, manuscrito 125, 1907) Discutir estes
assuntos com os que se entregaram ao erro era correr o risco de ter as próprias
palavras distorcidas, advertiu ela, e ela bradou contra os que "podem
colher declarações de meus escritos que por acaso os agrada, e que
concordam com seu julgamento humano, e, ao separar estas declarações de
seu contexto e colocá-las ao lado de raciocínios humanos, fazem parecer
com que meus escritos aprovem as próprias coisas que condenam".
Carta de Ellen White a G.C.Tenney, 29/06/1906
E ela fez advertências especiais quanto a ter essas pessoas
envolvidas em escolas adventistas. "Qualquer homem que procura
apresentar teorias que nos desviariam da luz que nos veio sobre a ministração
no santuário celestial, não deve ser aceito como professor". Ellen
White, manuscrito 125, 1907
E assim,
as ordens que estão de pé para a igreja são claras, transmitidas como
um legado dos pioneiros que enfrentaram anteriormente uma crise, e que, a
todo custo para si mesmos, estabeleceram as demarcações, assegurando
nesse processo a preservação, para nossa geração, de uma arca segura
chamada Igreja Adventista do Sétimo Dia.
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