Conheça Dom Cláudio Hummes: "O Arcebispo do Diálogo"

JOSÉ MARIA MAYRINK

SÃO PAULO - O arcebispo Dom Cláudio Hummes, 65 anos, que há 19 meses assumiu a Arquidiocese de São Paulo, em substituição ao cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, adotou um novo estilo pastoral, mas não mudou a linha de seu antecessor na defesa dos direitos humanos. "Defender esses direitos é fundamental para a Igreja, porque ela considera que a dignidade e a liberdade do homem são valores invioláveis", afirma esse gaúcho de Montenegro que, quando era bispo de Santo André (SP), apoiou a luta dos metalúrgicos do ABC contra a ditadura nos anos 70 e 80. 

Dom Cláudio apresenta um perfil mais moderado, 20 anos depois, mas garante que não mudou. "A solidariedade para com os pobres e para com os trabalhadores faz parte de minha vida", diz o arcebispo, com a advertência de que, se os tempos agora são outros, as pessoas têm de rever e rediscutir algumas posições. Entusiasta do padre Marcelo Rossi e de movimentos leigos como o dos carismáticos, Dom Cláudio afirma que continuará incentivando também as Comunidades Eclesiais de Base (Cebs), pois há espaço na pastoral para todas as correntes. O importante, observa ele, é manter o equilíbrio entre o espiritual e o social. 

Especialista em questões da família, o futuro cardeal de São Paulo - título que deverá receber em breve do papa - defende a posição tradicional da Igreja na condenação do aborto, do uso de anticoncepcionais e da prática do homossexualismo. Ele adverte, porém, que é preciso dialogar com a sociedade, "pois não se pode enfrentar essas questões na base do moralismo, mas em nome da defesa da vida e da dignidade humana".

ARQUIDIOCESE

- Não diria que estou dominando toda essa realidade, mas há um balanço positivo. Temos conseguido encaminhar uma série de assuntos importantes na Igreja. Estamos fazendo, por exemplo, uma reforma na administração. A questão da evangelização também foi dinamizada, foi até renovada sob muitos aspectos, para um anúncio mais explícito nas nossas pregações. Essa é uma das coisas em que mais insisto. Outra área que sofreu bastante reformulação foi o seminário, a seleção dos seminaristas e a sua formação. Queremos multiplicar ou ao menos duplicar o número de seminaristas. Temos uma média de cinco ou seis novos padres por ano para essa grande arquidiocese, que se compõe de seis regiões. Dispomos de apenas 330 padres diocesanos e de outro tanto de padres religiosos.

BISPOS REGIONAIS

- Os bispos continuam à frente das regiões. Quando cheguei, eu disse que essa questão de regiões episcopais era um assunto aberto, que eu queria discutir mais e abordar de outra forma. Eu não ainda não tenho um projeto fechado sobre isso. Nem faria sozinho esse projeto. Estamos tentando outras alternativas. Algumas dessas regiões estão funcionando há quase 25 anos. É tempo de rever um pouco tudo isso. Quero manter as regiões episcopais como descentralização. O que se deve evitar é a pulverização, algo que acaba dividindo a arquidiocese e dificultando a unidade.

EVANGÉLICOS

- Eu citei uma agência evangélica americana que calculou em apenas 19,5 milhões o número de protestantes, evangélicos ou crentes, quando alguns já falavam em 30 milhões. Essa projeção que faziam, de que daqui a 14 anos, em 2014, metade da população brasileira seria evangélica me parece exagerada. Mas é uma responsabilidade, um desafio para nós, da Igreja Católica, em relação a nossos católicos. Sabemos que a grande maioria dos católicos não participa da vida da Igreja. Foram batizados, alguns fizeram a primeira comunhão e depois começaram a viver cada vez mais afastados. A Igreja tem a responsabilidade de evangelizar todos aqueles que batiza.

PARTICIPAÇÃO DOS CATÓLICOS

- São a grande maioria, pois certamente não vai além de 20% o número de católicos que de fato participam da Igreja. Alguns mais, outros menos. Desses 20%, os que participam mesmo devem ser de 5% a 10%. Isso sempre foi um pouco assim. Antigamente, a situação era diferente, porque a sociedade não era pluralista, mas uma sociedade muito homogênea, dentro de uma cultura católica muito homogênea. Transmitia-se por família muita coisa dessa cultura católica, dessa fé, dessa prática. A própria família levava seus membros a participar da Igreja. Hoje isso não existe mais.

CEBs

- Tem lugar para as duas vertentes. Isso é uma riqueza para a Igreja. A grande maioria das pessoas, dos padres e dos bispos, já entende assim. Um ou outro tenta contrapor essas duas correntes - uma que seria mais engajada no social, com os pobres, e outra que seria mais espiritual e mais voltada para o anúncio de Jesus Cristo. Eu insisto que todos esses agrupamentos de leigos e todas as pastorais sociais devem ter o seu lugar na Igreja. Cada um deles traz uma vocação própria e um trabalho próprio do qual a Igreja precisa. A vocação do leigo não é única e homogênea. Ela se diversifica em muitas vocações diferenciadas. São formas legítimas de viver o cristianismo.

BATINA

- Isso foi dito num congresso de marketing católico. Eu queria chamar a atenção para a visibilidade da Igreja nos grandes meios de comunicação. Em tudo aquilo que torna a Igreja visível nessa sociedade pluralista e anônima, na qual é necessário, por causa desse pluralismo, cada um se identificar melhor. A Igreja, que é o grande sacramento, deve ser visível e perceptível para a humanidade. Não podemos esconder a Igreja. Isso vale para tudo aquilo que antigamente tornava a Igreja visível: os sinos, os templos, a cruz, as procissões, as vestes litúrgicas. A Igreja se torna visível também com grandes eventos, como os que esses movimentos eclesiais de leigos conseguem realizar.

MARCELO ROSSI

- Os eventos são muito importantes. A própria missa deveria ser um evento, que é onde Deus se manifesta mais. Eventos que se celebram num domingo depois são processados no dia-a-dia, durante a semana. A Igreja vive desse conjunto - dos eventos e do processo do dia-a-dia. Os eventos têm de ter o tamanho da cidade. Não basta fazer pequenos eventos. A meu ver, isso é muito positivo. Quando alguém fala que isso é um show-missa, eu digo que ninguém está fazendo show. Nem os padres nem o povo que está lá. As pessoas estão lá para rezar, para celebrar, para cantar a Deus. Olhando-se de fora, pode até parecer algo semelhante ao que faz um cantor com seu público. Mas ninguém está fazendo show. Há uma experiência de Deus, ali, naquela hora.

ALIENAÇÃO

- A solidariedade com os pobres vai entrando aos poucos. Eu percebo isso nos movimentos, cada vez mais. Estamos muito preocupados com isso.

Fonte: O Arcebispo do Diálogo
Jornal do Brasil - Brasil - 26/12/1999

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