Padre Marcelo: "Eu Não Faço Milagres"

JOSÉ MARIA MAYRINK

SÃO PAULO - De volta de Roma, onde fez um relato sobre o seu sucesso para especialistas em comunicação da Secretaria de Estado do Vaticano, padre Marcelo Rossi está iniciando uma maratona de fim de ano, sem alterar nada no alegre e ruidoso estilo de suas show-missas - expressão que ele detesta - com o objetivo de reconquistar para a Igreja os católicos afastados da prática da religião. O popstar que costuma levar cerca de 30 mil pessoas ao Santuário do Terço Bizantino, no bairro de Santo Amaro, em São Paulo, em cada uma de suas cinco celebrações semanais, atribui essa façanha a um surto espiritual num mundo marcado pela violência e pelo ódio. "Padre Marcelo não faz milagres, eu sou apenas uma setinha que aponta para a vela iluminada pela luz de Jesus Cristo", adverte, em entrevista ao JORNAL DO BRASIL, esse padre que, aos 32 anos de idade e cinco de sacerdócio, está constantemente sob o foco da televisão e fala diariamente para milhões de ouvintes num programa retransmitido por mais de 100 emissoras de rádio. Seus dois CDs venderam, juntos, quase cinco milhões de cópias, um sucesso comparável ao dos maiores compositores do país. Mas, apesar de ser um pregador capaz de reunir 600 mil fiéis numa praça, como ocorreu na missa de 2 de novembro, Dia de Finados, ele é alvo de críticas até no episcopado. "Eu amo a Igreja Católica, Apostólica, Romana e trabalho em comunhão com o meu bispo e com o papa", afirma padre Marcelo, em resposta àqueles que receiam que, ofuscado pelo sucesso, ele acabe se rebelando contra a hierarquia. Convidado a falar de sua experiência no Vaticano ao padre Giovanni D’Ercole, apresentador de um programa religioso na Radio Televisão Italiana (Rai), padre Marcelo viajou com Dom Fernando Figueiredo, seu superior imediato. Em Roma, eles conversaram também com o cardeal brasileiro Dom Lucas Moreira Neves, prefeito da Congregação dos Bispos.

Como o senhor está comemorando o Natal e o Réveillon na virada do ano 2000?

- Com a minha família. Nós temos um Natal especial e também um ano 2000 especial. São João Crisóstomo diz que nós somos uma vela. Bem sugestivo para o Natal. A vela só tem sentido iluminada Vela apagada é enfeite. O que eu quero neste Natal e neste ano 2000 é levar as pessoas a entender que nós não somos a luz. A luz é o Cristo. Mas, na luz que é Cristo, a vela acesa, nós devemos iluminar. Uma vela acende outra vela. Que o Natal, que é luz de Cristo, possa nos iluminar, nos acender.

- No dia 31, o senhor vai participar de uma festa na Avenida Paulista. Que significado tem o milênio para os cristãos?

- A virada de milênio e de século será no ano 2001. O ano 2000 será uma preparação especial, que o papa chama de Ano Jubilar, para entrarmos no milênio com mais amor. No dia 31, vou pedir muito isso, com o meu bispo, Dom Fernando Figueiredo, que estará presente, porque onde está o bispo está a Igreja. Em tudo que faço eu quero estar em comunhão total com a Igreja, pois é um trabalho de igreja. Quero levar as pessoas a orar e a refletir que nós somos uma vela que deve iluminar. É preciso evitar um mundo de tanta violência, tanto ódio, e levar as pessoas a compreender a importância do amor.

- Como é seu trabalho pastoral fora do rádio e da televisão?

- Eu perdi quatro quilos este ano. Não tem sido fácil e, por isso, eu disse a Dom Fernando que em janeiro eu preciso de um retiro, de sumir uns 14 dias. Eu acordo às 4h30 da manhã, para ter a minha força. Se não é a oração, ninguém agüenta esse ministério. Além da cobertura dos meios de comunicação, eu tenho programas de rádio, ao vivo, das 9h às 10h da manhã. Neles, eu atendo as pessoas, converso ao telefone, falo com milhões de pessoas, porque o programa está em rede. São 100 emissoras no Brasil. No trabalho pastoral, tenho a minha paróquia, atendimento em hospital, confissões. Tudo que eu já fazia antes continuo fazendo. Só que tenho de me desdobrar. Se a gente faz com amor, Deus opera maravilhas. No Santuário do Terço Bizantino, faço um trabalho de evangelização, para trazer as pessoas de volta à Igreja. Eu faço tudo isso com amor, não reclamo. Mas preciso de férias.

- A grande exposição que o senhor tem na televisão ajuda ou incomoda?

- Paga-se um alto preço. Se vou a um hospital atender um doente, um paroquiano, de repente vou ter de atender uma ala inteira. Um trabalho que se faria em meia hora acaba durando quatro horas. Isso atrapalha. Mas é impressionante. Algum tempo atrás, as pessoas tinham vergonha de dizer que eram católicas. Hoje não, as pessoas têm alegria de serem católicas. Isso, com todo o respeito a nossos irmãos evangélicos. Recentemente, eu estive em Israel. O guia turístico, que era judeu, conversou muito comigo, entendendo o meu trabalho, interessado em saber o que está acontecendo no Brasil. No final, veio me abraçar. Existe todo um trabalho de restaurar o amor à Igreja.

- O senhor reúne multidões nas missas ou, como se costuma dizer, nos show-missas...

- Eu nunca usei esse termo, fique bem claro. O que aconteceu no dia 2 de novembro, quando a imprensa falou em show-missa, foi um testemunho de fé. Os artistas que estavam participando, como o Roberto Carlos, são amigos, pessoas que já têm testemunho de fé e de vida, todos os que estiveram lá. Começamos com a missa. Por que começamos com a missa e não terminamos com a missa? Porque não estava no planejamento, a transmissão da missa pela TV Globo seria só até as 9h. Nunca esperei que houvesse 600 mil pessoas na celebração.

- O senhor está concorrendo com os evangélicos?

- Pelo amor de Deus, isso aqui não é guerra santa. Não é esse o nosso objetivo. Nunca na minha vida, na Igreja Católica e, tenho certeza, também da parte deles, não estamos preocupados em guerrear. Isso é proselitismo. A Igreja Católica, Apostólica, Romana não faz proselitismo.

- Padre Marcelo é um ídolo. Como o senhor reage ao assédio de seus fãs e de suas fãs?

- Primeiro, eu falo para as pessoas: boba da pessoa que ficar presa em mim. Eu sou apenas uma setinha de Jesus. As pessoas estão entendendo isso. Estivemos agora em Roma, eu e o meu bispo, conversando com o padre Giovanni D’Ercole, da Secretaria de Estado. Conversamos sobre outras coisas, mostrando o dia 2, que foi uma maravilha, um momento forte da Igreja Católica. Falamos sobre o desafio da Igreja, que é construir mais templos. Aqui, em Santo Amaro, nós tínhamos 35 paróquias. Já são 69, um trabalho de diocese, não do padre Marcelo. Nossas igrejas não estão comportando mais gente. Temos de multiplicar as nossas igrejas. Os padres vão ter muito trabalho para construir igrejas para as pessoas que estão voltando.

- O senhor está preparado para continuar seu trabalho, se a TV não se interessar mais por sua imagem?

- Eu sou padre. Estamos agora num período especial de mudança de milênio. Vivemos numa grande cidade e, para movimentar essa cidade, precisamos de eventos, de grandes eventos. Senão, a gente não pára a cidade a fim de dialogar. Vamos ter muito trabalho ainda. Até 2001, muita coisa vai acontecer, coisa que nem imaginamos. Eu sou sacerdote, não sou artista. Minha função é evangelizar. Há ainda muito trabalho pela frente, porque temos de trazer muitos católicos de volta.

- Sua preocupação é atrair católicos que não estão vivendo a religião?

- Vou usar dados. Tivemos a crisma agora. Quase mil pessoas foram crismadas. Só aqui no santuário, 60 pessoas receberam o batismo este ano. E eu fiz a primeira eucaristia de 400 crianças, só na paróquia.

- Padre Marcelo faz milagres?

- São duas perguntas que as pessoas fazem - essa e se padre Marcelo é santo. Eu já quebro no ato, dizendo que sou corintiano. Nunca vi corintiano santo. A Igreja Católica crê que Jesus Cristo opera milagres. Eu sou simplesmente uma seta. Eu ensino as pessoas, na imagem daquela vela de que falei, que nós temos de ser iluminados. Se alguém opera milagres, é Jesus. Padre Marcelo não faz milagres.

- Suas celebrações não levam a conversões, que são uma espécie de milagre?

- Este santuário (do Terço Bizantino, em Santo Amaro) comporta 30 mil pessoas. Se uma vela ilumina, imaginem 30 mil velas acesas. Se a pessoa acende a vela na luz de Cristo, a vida dela se transforma. Esse é o segredo. Acender a luz, porque nós não somos enfeites.

- O senhor tem dados a respeito da perseverança daqueles que redescobrem a fé no seu santuário?

- Vejo o trabalho aqui na diocese. As igrejas estão lotadas. As pessoas estão voltando. Os padres estão tendo muito trabalho para confessar. Só na minha paróquia, na Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, um lugar onde não cabem 600 pessoas sentadas, houve uma cerimônia com 400 crianças recebendo a primeira eucaristia. Aqui no santuário, tivemos quase mil pessoas para a crisma. No Brasil, o número de seminaristas saltou de 3 mil para 8 mil. As noviças, das congregações religiosas, passaram de mil e poucas para 3 mil. Há um surto, um despertar religioso.

- Falou-se já na possibilidade de o senhor ser chamado para passar uns tempos em Roma, para ficar longe dos holofotes. O senhor obedeceria, se fosse tirado daqui?

- Nada existe. Eu não vivo no se. Vivo o meu presente. Não vivo em hipóteses, vivo a realidade. Quem vive o presente não cai em depressão. Mateus, capítulo 7. Eu estou em total comunhão com meu bispo. A Igreja não vai fazer nada sem falar com o meu bispo. Total comunhão com o Santo Padre, o papa. Nunca passou na cabeça isso ( de ir para Roma). Nem que houvesse uma convocação da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) para que os padres (cantores) fossem ouvidos em Brasília no ano que vem. Isso sequer foi discutido. Com todo o respeito, isso é linguagem de jornal, não existe.

- O senhor tem um engajamento social em sua diocese?

- É um trabalho não paternalista. Temos, por exemplo, um curso com capacidade para 1.500 jovens com ajuda do primeiro CD. Temos já 1.200 alunos fazendo o curso gratuitamente. É um trabalho de paróquia e da Caritas (programa assistencial da Igreja). O ser humano tem de caminhar com a perna direita e com a esquerda - espiritualidade e também a parte social. Recentemente estive na Febem e vou me reunir com o governador Mário Covas para tratar de um trabalho social com crianças marginalizadas. Eu estou fazendo, não preciso ficar falando.

- Quantos CDs o senhor vendeu?

- O primeiro CD vendeu 3,5 milhões. Este que saiu agora eu não sei, a pirataria está muito forte no Brasil. Acho que 1,2 milhão.

- O senhor ganha muito dinheiro. Para onde vai esse dinheiro?

- O dinheiro vai todo para as obras diocesanas. Eu não tenho nada. Nem sei se vou ficar aqui no santuário. Não posso pegar nada desse dinheiro, ele já tem o seu destino. Nem sei se vou estar aqui no ano que vem, pois o santuário é um galpão alugado. Vivo cada dia o meu dia. Não tenho nada, nem um tostão.

- Mesmo quem discorda de seu estilo pastoral reconhece que o senhor redescobriu a fé e a alegria, em contraposição a uma Igreja triste e penitencial. Qual é o papel da música e da dança em sua liturgia?

- É histórico. Santo Agostinho já falava que quem ama canta e que quem canta reza duas vezes. Santo Ambrósio converteu Santo Agostinho por aí, pela sua meditação, pela sua palavra. Temos de ter o equilíbrio. Eu trabalho os dois lados na missa. Uma senhora de idade que vive o catolicismo tradicional gosta da missa. Se eu fizesse uma coisa revolucionária, alguém iria gostar? Alegria na missa, mas com todo o respeito à espiritualidade. Quem critica nunca participou de uma missa. Tudo que fazemos respeita a liturgia.

- O senhor batizou Gugu Liberato nas águas do Rio Jordão, em sua viagem a Israel?

- Aquilo foi só para mostrar como era feito o batismo na época de São João Batista. Foi só uma representação. Mas a revista aproveita e diz que padre Marcelo batiza Gugu. Não tem nada a ver. Foi só para mostrar o que aconteceu (no batismo de Jesus). Mas não deixa de ser uma bênção poder mostrar. Eu estava rezando, sou sacerdote, e eu abençoei, dei uma bênção no Gugu.

- Foi então uma cena feita para a televisão ou é um ritual que os peregrinos costumam cumprir?

- Nós somos católicos. Os evangélicos têm o costume de fazer isso. O que eu quis foi mostrar como era no tempo de Jesus. Foi uma representação, que fizemos também com a Santa Ceia, para mostrar como Jesus ficou, como eram os apóstolos e como era realizada a ceia dois mil anos atrás. Gugu é católico, uma pessoa que pratica a religião. Nem foi uma confirmação do batismo, isso não existe. Foi uma representação, que não deixa de ser uma bênção.

- Algumas pessoas, até padres e bispos, temem que o senhor se rebele e resolva fundar a sua própria igreja.

- Nunca ouvi falar, são especulações. Volto a repetir: sou da Igreja Católica, Apostólica, Romana. O meu trabalho não é padre Marcelo. É um trabalho de igreja, de diocese, com o meu bispo, Dom Antônio Fernando Figueiredo. Se forem especular, podem inventar mil coisas. É ridículo. Eu amo a Igreja Católica, creio nesta Igreja Católica, em comunhão com o papa e com o meu bispo. É o que eu posso dizer de coração.

- O catolicismo tem futuro no Brasil?

- Vamos ter de construir mais igrejas. Está havendo um retorno cada vez maior. Que os evangélicos sejam abençoados, mas a Igreja Católica está crescendo. Foi sobre isso que fomos conversar em Roma, sobre a bênção, a alegria de num dia poder reunir 600 mil pessoas. As pessoas estão voltando à Igreja.

Jornal do Brasil - Brasil - 25/12/1999


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