Divórcio e Novo Casamento: Uma Visão Equilibrada

Alô, Robson:

Vou fazer alguns comentários sobre um assunto sobre o qual normalmente evito debater, não só por ser um assunto árido, penoso, mas também por ver muito farisaismo, pretensa defesa de princípios, legalismo, extremismos para ambos os lados da questão. De um lado, uma certa tolerância doentia de situações escandalosas, do outro muito desamor e intolerância. Em muitos casos é muito mais uma compreensão distorcida e pouco equilibrada da questão dos princípios.

Refiro-me ao assunto do divórcio e do novo matrimônio. Infelizmente esse é o clima que eu sinto nessas discussões no seu site, não por sua culpa, claro, mas pelo elevado índice de animosidade que as pessoas manifestam quando discutem assuntos como esse.

Tenho amigos vivendo uniões sólidas, abençoadas, e eles são gratos a Deus, e por isso sempre dão gloria, porque não é virtude deles, da qual possam se orgulhar, mas obtenção e aceitação do favor divino, algo que devem sempre agradecer. Mas também tenho diletos amigos que passaram e ainda passam pelo vale das tristezas e lamentações de um casamento desfeito, separação, distanciamento de filhos, novas uniões e relacionamentos. E todos são pessoas sinceras, cristãos em busca do lar eterno, lutando com suas deficiências, dependendo da graça, da mesma forma que eu, você, o irmão Caputo, o irmão Alexandre, o irmão Miguel Orrico, ou qualquer outro de nossos queridos em Jesus.

Conheço também pessoas que, à sombra do amor e perdão divinos, vivem uma vida leviana em seus casamentos, usando esses conceitos para justificar suas posturas descuidadas. E conheço também os que mantêm uniões absolutamente desgastadas e desonrosas, por força de não quererem "quebrar" princípios bíblicos. Mas lembrem-se, não estou julgando-os e nem acusando-os, pois também a estes a misericórdia de Deus é capaz de alcançar.

Infelizmente em nosso meio, os pecados e erros humanos têm sido considerados mais importantes que o próprio homem, por quem Cristo morreu. Brandindo princípios do Manual da Igreja, textos da Sra. White e a Bíblia (nessa ordem), acusam, ofendem, machucam e afastam as pessoas de Deus, ao invés de buscá-las e entender suas lutas.

Jesus nunca aprovou a transgressão, mas também jamais expôs as ovelhas transgressoras e seus erros, simplesmente amou-as verdadeiramente, perdoando-as, por conhecer os seus corações, suas angústias e lutas não vencidas. E imagino o quanto sofria por ver a miséria humana.

Uma das coisas que mais me impressiona nas pessoas acusadoras e "defensoras" agressivas dos princípios, é que elas esquecem que elas próprias e seus mais diletos amigos e familiares, estão também sujeitas, amanhã ou depois, a passar pelo mesmo vale de tristezas. E o que normalmente acontece é que, quando isso ocorre, seu pensamento muda ou, pelo menos, abranda-se enormemente, tornam-se mais tolerantes, e evitam expor os problemas de seus queridos, ao contrário do que fazem normalmente com terceiros. Isso é, no mínimo, para dizer suavemente, espírito de corpo (não confundir com espírito de porco), ou melhor em francês, Esprit de Corps. Algo que os nossos políticos e algumas classes profissionais manifestam no dia a dia.

Se procurarmos ver a maneira como a Divindade agiu com Davi, Salomão, Manassés, Raab, Maria Magdalena, a mulher Samaritana, a mulher pecadora, e tantos outros personagens, aprenderemos a diferença do amor que busca, que alcança, que recupera, que protege e que salva. Tão diferente de muitos de nós.

E não venha ninguém dizer que com isto estou aqui estimulando a leviandade e a destruição de lares e matrimônios. Nem me darei ao trabalho de responder tal coisa, porque lendo o meu texto, só dirá isso quem não tiver um mínimo de compreensão de nossa língua escrita. A aceitação de Deus manifestada aos personagens bíblicos citados acima, não nos dá o direito de sair errando "consciente e planejadamente", mas dá sim, aos angustiados, aflitos, deprimidos, esquecidos, desamados, rejeitados, feridos, unidos em novos matrimônios decentes e estáveis, a certeza de que Deus os ama, os quer sempre, e os perdoa, pois conhece os motivos e segredos do coração. E o pecado que cometeram não é maior que aquele contra o Espírito Santo, e por isso, estão na área de alcance desse amor maravilhoso.

Afirmo e reafirmo aqui a posição de Deus em relação ao casamento e ao divórcio. O casamento monógamo é e sempre será instituição divina. E o divorcio é sim, algo que Deus rejeita e detesta. A Biblia está cheia dessas declarações.

No entanto, infelizmente, muitos, levados por suas deficiências, pelo afastamento de Deus, pelos erros, fraquezas, e por que não dizer, também am muitos casos, leviandade e devassidão, afastam-se de Deus, e conseqüentemente erram nesse particular, como em muitos outros (lembrem-se que não existe gradação de pecados, isso é uma espúria doutrina católica). E apesar de todos os reclamos e orientações divinos, descasam-se, desencontram-se, sofrem, choram, tentam novas uniões, algumas das quais também acabam mais adiante, enquanto outras permanecem e geram filhos, que também são criaturas de Deus e predestinadas à salvação.

E o que fazer com essas pessoas? Puxa, alguém iluminado sugeriu que é simples, basta que abandonem seus erros e sua situação de "adultério". Que declaração infeliz! Esquecemo-nos que estamos falando de problemas na vida de um ser humano, um militante filho de Deus, não na vida de uma planta ou um animal.

Como "sair de um erro", se isso significa abandonar uma família atual, algumas já com anos de estabelecimento, com filhos, netos, relacionamentos de todo tipo, e voltar para uma família anterior, soluções que são humanamente inviáveis? Ouçam aqueles que não sabem, Deus jamais pediu isso, Jesus não pediu isso à mulher samaritana que estava no sexto relacionamento, e a Sra. White jamais recomendou isso em seus escritos e orientações.

Isso significa ter uma visão bisonha e absolutamente simplista, não só da questão dos princípios, mas da própria vida e da humanidade. Só sugere isso quem jamais passou por tal problema e só se baseia em teorias pobremente entendidas. Jesus não aprovou o divórcio, mas também não disse o que fazer com quem se divorciasse e casasse novamente. Ele, provavelmente, não fez isso porque deixou para que exercêssemos nossa compreensão das mazelas humanas, nosso amor, nosso julgamento orientado pelo seu Espírito.

Se fosse fácil dar soluções eclesiásticas, não precisaríamos ter pastores no rebanho, para buscar a ovelha machucada, e "pensar as suas feridas". Que expressão bíblica profunda! Seria muito melhor ter num computador eficientemente programado, de um lado os princípios frios, do outro os nomes dos membros com a descrição de suas falhas. O programa checaria uma coisa contra a outra e faria um trabalho rápido e automático de eliminação sumária dos faltosos. Detalhe: não sobraria ninguém para contabilizar o saldo.

Aqueles que tanto usam as orientações do Manual da Igreja e da Sra. White, acima da própria Bíblia, deveriam saber que, nesse assunto, ela foi extremamente ponderada, conscienciosa, preocupava-se com o ser humano, e sem rebaixar os princípios, entendeu muitos desses casos, preferindo, segundo ela, "errar pela misericórdia do que pela justiça". Vejam.

Abaixo estão alguns aspectos comentados no livrinho CASAMENTO, DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO NOS ESCRITOS DE ELLEN WHITE, uma compilação publicada em 1989 pelo Centro de Pesquisas Ellen G. White, depositários dos escritos da Sra. White (White State), e que são um sumário dos conceitos da Sra. White sobre o assunto:

* Nesse livrinho é analisada a atitude de Ellen G. White em relação ao caso do professor G., obreiro e secretário da Associação Geral, após a dissolução, sem adultério, de seu casamento de 12 anos (problemas de personalidade). Vejam uma de suas muitas declarações sobre esse caso:

"Então, o que podemos fazer com G.? Deixá-lo onde está, presa do remorso e ser inútil o resto de sua vida? Não consigo ver o que pode ser. Oh, quem me dera ter sabedoria do alto! Oh, se tivéssemos o conselho dAquele que lê o coração como um livro aberto!" Carta 13, 1982.

Ellen White não apenas o amparou mas levou-o para ajudá-la na obra em Sidney, Austrália, pagando-lhe os salários do próprio bolso. E fez isso por sabê-lo genuinamente arrependido. Sabem o que é isso: aplicação do Espírito da Lei, que é o amor. Procurem esse livrinho e o leiam de forma desapaixonada, racional, equilibrada, com oração.

* A regra mais rígida era muito mais uma posição pessoal de Uriah Smith, na época redator da Review and Herald, do que uma posição oficial da igreja.

* Segundo ela, conselhos a casos, situações e indivíduos específicos não deveriam ser generalizados. As circunstâncias e situações variam. A igreja e seus líderes no passado trataram de casos específicos em cada situação.

* Algumas vezes, quando solicitavam à Sra. White conselhos em casos difíceis, ela dava sugestões; porém em outros exemplos, quando não tinha luz em relação ao problema, entregava o caso "aos irmãos" para ser considerado de acordo com os princípios bíblicos amorosamente aplicados.

* Algumas das formulações e declarações de Ellen White concernentes ao divórcio e novo casamento tendem a ser rígidas, definidas e absolutas. Porém, em certos exemplos ao lidar com casos e circunstâncias particulares, ela revela grande paciência, clemência e compreensão em sua aplicação (a forma da lei do Evangelho).

* Não há nenhum caso conhecido em que Ellen White tenha aconselhado o rompimento de um segundo casamento de uma "parte considerada culpada".

* Em certos casos de novo casamento sem ocorrência de adultério anterior, Ellen White aconselhou "Deixai-os em paz", ou então "Deixai-os com Deus e com suas consciências".

* Nos casos relatados pela Bíblia como, por exemplo, o pecado de Daví, a mulher samaritana junto ao poço, a mulher apanhada em pecado e o caso do membro incestuoso da igreja de Corinto, a aplicação da lei foi menos rígida, mais compassiva e piedosa do que a letra.

* A Sra. White chegou a escrever em uma de suas cartas sobre este assunto o seguinte: "Se errarmos, que seja pela misericórdia, mais do que do lado da condenação e do procedimento áspero".

Amigos, é muito fácil "legislar" sobre o problema do nosso próximo. É muito fácil encontrar soluções e aplicar disciplina na vida do irmão ao lado. É extremamente fácil brandir textos soltos dos escritos sagrados, sem considerar todo o contexto de amor do evangelho de Jesus.

Mas, para nossa bênção, todos os seres humanos serão julgados por Deus, e não por cada um de nós. Já dizia Davi, "melhor coisa é cair nas mãos do Deus vivo". Nossas limitações são muitas, nossa paixão é exacerbada, nosso julgamento é pífio. Temos a orientação divina para agir com amor. Jesus veio a esse mundo em busca de relacionamentos, viveu entre o povo mais desprezado e vil, preocupou-se com suas mazelas, aproximou-se de quem tinha problemas, e que problemas!

Muitas vezes, na igreja, de qualquer denominação, sentimos que ela é muito mais um museu para santos do que um hospital para doentes, como deveria ser. Desejamos muito mais estar perto e ser amigos de quem tem empregos onde não há problemas com sábado, de quem não estuda em faculdades "mundanas", de quem não tem problemas em seus matrimônios, de quem não padece ou não tem queridos padecendo de doenças "malditas" como a Aids, de quem não luta pessoalmente ou na família contra vícios como bebida, fumo e drogas, enfim, de pessoas sem problemas físicos, sociais, econômicos e espirituais aparentes. Como se isso fosse possível.

Olhemos para dentro de nós mesmos, entendamos que, como disse Davi, "somos pó", vamos despir essa vestimenta cretina de justiça própria, e reconhecer que todo ser humano tem problemas pendentes de solução, tem falhas pessoais, tem ajustes a fazer em sua vida, é carente da graça de Deus.

Leiam todos a Meditação Matinal deste ano de 2001, no dia 20 de maio. Vejam o que é uma posição consciente, realista, que em hipótese alguma compactua com o erro, que reafirma a santidade das instituições divinas, mas que entende que todos sofremos as mazelas do pecado, e que temos que dar soluções a elas, ao invés de, comodamente nos escudarmos em princípios, abandonando o pecador à própria sorte, eliminando-o do nosso meio como um cancro incurável que a todos contamina e prejudica a santidade da igreja.

Como sempre digo: vamos pensar, pensar, pensar não dói, e nos faz crescer. Não nos apeguemos às soluções prontas, óbvias e fáceis. A vida nos apresenta situações muito mais complexas e difíceis do que supõe a nossa pobre religião. Temos a Bíblia, o Espírito de Profecia e as instruções da igreja (nessa ordem) para nos orientar. Temos o exemplo de Cristo e as histórias bíblicas. Temos um Deus de amor e um Cristo Salvador. Amém!

Ass: o mesmo observador atento de sempre.

Retornar

Para entrar em contato conosco, utilize este e-mail: adventistas@adventistas.com