Eu Acredito em
Papai Noel!
Parte
I
Sr.
Editor:
Tudo
bem. Árvores de natal tiveram sua origem em costumes pagãos, o dia de Natal, 25
de Dezembro, também teve sua origem em tradições pagãs. Os evangélicos observam
a incongruência de não guardarmos o domingo e comemorarmos o natal. Seus artigos
foram esclarecedores. E quase acabou com o nosso natal. Ainda bem que sobrou o
Papai Noel. E, antes que apareça alguém argumentando que não fica bem para os
adventistas Papai Noel dentro da igreja, quero fazer aqui uma veemente defesa
em favor deste bom e real velhinho.
Quero
reivindicar, como membro da igreja Adventista, meu sagrado direito de acreditar
em Papai Noel. Papai Noel existe sim, mora no Pólo Norte, vem em um trenó e na
noite de natal, entra pela chaminé das nossas casas e nos traz presentes. Nem
todos o vêem, pois nem todos possuem chaminés em suas casas ou apartamentos,
ora. Mas que ele existe, existe, e tenho fortes argumentos para
comprová-lo.
Provas
da existência de Papai Noel:
Existem milhões de fotos de Papai Noel. Dezenas de músicas a seu respeito.
Livros, filmes, peças de teatro, poesias... enfim, é um personagem
conhecidíssimo em todo o mundo ocidental cristão. Ninguém seria tão famoso se
não existisse. Mas há quem argumente que tudo isso obedece a um único e
simples propósito: aumentar as vendas do comércio de fim de ano. Para estes
críticos, que atacam Papai Noel, não adiantam argumentos científicos. Como
Papai Noel está relacionado à data do nascimento de Cristo, precisamos dos
argumentos inquestionáveis da teologia.
Primeiro, vamos estabelecer onde é o fórum apropriado para discutir este
assunto. Assuntos de religião devem ser discutidos na hora certa e só pelas
pessoas certas. Assim, nós o faremos em um auditório fechado, onde só
participarão pessoas que merecem estar ali. Como convidada de honra, teremos a
Xuxa, que retribuirá as visitas do coral jovem dos filhos de papais ricos de
alguma igreja do Rio. Xuxa, como se sabe, acredita em duendes, e nós devemos
respeitar seu direito de acreditar no que quiser.
A
maior parte do auditório será formada por crianças, sendo que a maioria será
escolhida exatamente por que acreditam em papai noel. As outras serão
escolhidas por suas comunidades, sendo que no critério de escolha, os pais
deverão descartar as que são ‘questionadoras’, há crianças que desde cedo
desenvolvem este este espírito crítico tão maléfico.
Haverá adultos no auditório. O presidente do clube dos diretores lojistas,
alguns comerciantes, banqueiros. E os parentes do presidente do clube de
diretores lojistas, e seus amigos. Como nada é perfeito, entrarão também
alguns destes que só sabem duvidar.
Antes do assunto ser debatido, algumas autoridades papainoelísticas farão
palestras usando toda seu conhecimento bíblico para mostrar que não devemos
duvidar nem criticar. O clima no auditório ficará, pouco a pouco, carregado de
paixão. Ali estão crianças, inocentes, em em sua felicidade infantil, só um
monstro ousaria tirar delas sua crença fundamental em papai noel. Aliás, isso
não seria o mais trágico, mas sim, segundo o presidente do clube do comércio,
a catástrofe seria diminuir as vendas de fim de ano.
Durante o debate, um cientista mostraria – em uma linguagem técnica,
incompreensível para as crianças, que por sinal nesta hora estariam em outro
ambiente cantando com a Xuxa – como existe e se mantém a crença em Papai Noel.
O resumo de sua palestra seria o seguinte:
Primeiro – Os adultos falam e agem como se Papai Noel realmente existisse.
As crianças, por falta de quem lhes diga a verdade, não tem outra opção senão
acreditar.
Segundo – Papai Noel é uma entidade mística com um propósito claramente
definido em nossa sociedade: financeiro. E quando o assunto é dinheiro,
emprego, os adultos não fazem muita questão da verdade. Milhões de pessoas
lucram no final de ano com o Natal.
Terceiro – É educado, é chique, é civilizado, conversar como se Papai Noel
existisse. Não se pode decepcionar (ou ‘escandalizar’) as crianças.
Quarto – Não importa se ele existe ou não, não importa o que é verdade ou
não. O que importa é que temos que manter nosso padrão de vida, nossa rotina,
nossos empregos e nossos ganhos.
Quinto – Quando as crianças crescerem, descobrirão, no devido tempo,
a verdade. Mas aí, já adultos, terão outras crianças para enganar, e o ciclo
se repete.
Terminado o debate, o assunto passa para a votação, sendo que o presidente
novamente adverte que é feio votar contra. Fica então votado que Papai Noel
existe (estes resultados a gente já sabe de antemão), e o auditório aplaude de
pé, as crianças choram, todos se abraçam. E como se sabe, se foi votado, é a
vontade de Deus. E se é a vontade de Deus, é verdade.
Fica assim provado, definitivamente, que Papai Noel existe. Desafio qualquer
teólogo ou quem quer que seja a desmontar estas provas.
Parte
II
Meus
pais me ensinaram desde cedo que Papai Noel não existe. Também me ensinaram que
não existe assombração, que no escuro há apenas o escuro e no cemitério há
apenas gente morta, nada para se temer. Me ensinaram que se aparecer alguma
coisa sobrenatural ou assombrosa, pode ser Satanás, mas também não é preciso
temer, pois o Anjo do Senhor está ao nosso lado. Eu cresci assim, em um lar
adventista, nunca acreditei em papai noel, bruxas, nada disso.
Outra
coisa que aprendi é que devemos ser verdadeiros, pois Deus é verdadeiro, e o
Diabo é o pai da mentira, a mentira lhe é própria e peculiar.
E
também aprendi que os pastores e líderes de nossa igreja são verdadeiros e
honestos, e devem ser respeitados porque são pessoas corretas e fazem a vontade
de Deus.
Agora, chega de dizer o que aprendi. Mas precisava dizer em que eu acreditava,
antes de vir aqui a público dizer que quero acreditar em Papai Noel. Pois é o
que quero. EU QUERO ACREDITAR EM PAPAI NOEL!!!
Há
poucos dias, pude ver de perto a liderança da minha igreja mentir. Mentir mesmo,
muito, mentir e tripudiar, mentir e blasfemar. Não apenas vi; gravei. Outros
também foram testemunhas e também gravaram. Mas não aconteceu nada. Por que?
Enquanto os “leigos” estão lá cantando com a Xuxa, podemos ver que há cinco
razões para que a igreja aceite uma liderança mentirosa:
Primeiro: Os líderes falam e agem como se tudo fosse perfeito. “E dizem:
"Vai tudo bem", quando na verdade tudo vai mal.” (Jer. 6:14). A literatura só
publica o que é “positivo”, os líderes só falam em suas vitórias, os
relatórios só mostram crescimento, sempre, em todos os lugares. Os membros
humildes, por falta de informação, crêem que assim é.
Segundo: Uma liderança infalível e inquestionável é absolutamente
necessária para que os irmãos contribuam com seus dízimos. Ninguém gosta de
dar dinheiro para o ladrão. Mas assim que surgem as críticas, já há o antídoto
preparado. De tanto ouvir o líder falar, falar, falar, o povo mesmo já repete
por si a cantiga de papai noel: “minha obrigação é dar. O que eles vão fazer
com o dinheiro é problema deles com Deus”. Mas e as pessoas que estão lá
dentro e que vêem tudo e sabem de tudo? Ah, meu amigo! “Lá fora”, fora da
obra, a situação é difícil... quem vai pagar o estudo dos meninos na faculdade
particular? E assim, o silêncio é ouro, literalmente.
Terceiro: É cultura na igreja adventista que quem critica é do Diabo. Que
ficar calado é sinal de cristianismo. Os “bonzinhos” não criticam. Os
“educados” não escrevem para o “lixão do adventistas.com”. (Ler pode, só não
pode dizer que leu). Os que questionam são vistos com reservas pelos “bons e
justos”. Isto é cultural, está entranhado no organismo da igreja. Já os que
vêem o roubo e a mentira e se calam, são “cristãos”.
Quarto: Não importa o que a liderança faz, ou que destino foi dado aos
300.000,00 que sumiram. Nós temos que cuidar de nossa vida e de nossa
religião. Agora, quando é o zelador da igreja que roubou um centavo ou a filha
do diácono que beijou o namorado, aí ficamos valentes, chamamos o pecado pelo
nome, exigimos o correto... Xuxa e os duendes...
Quinto: Sempre foi assim. “Na obra é assim mesmo”. Não dá para mudar. No
devido tempo, Deus virá consertar o que está errado. No caso do zelador,
entretanto, podemos ir adiantando as coisas para que Ele tenha mais tempo para
os importantes. “Estou na obra há trinta anos. Agora que meus filhos entraram
na faculdade, vou perder tudo só porque o presidente mentiu um pouquinho
demais?”
Em
resumo. Eu quero acreditar em Papai Noel. Ele é bonzinho, não
discrimina as crianças ricas e as pobres, não persegue a família da gente, não
dá emprego para toda a sua família às custas do dinheiro das crianças. E, o
melhor, ele não existe. Já os líderes mentirosos existem, e estão lá,
sorridentes, usando o dinheiro das crianças para viajar para a Disneilândia e
visitar o Papai Noel, o Mickey e o Pateta... -- Tales Fonseca
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