O Presépio
Os presépios são montados desde o tempo dos primeiros cristãos. A incorporação de cenas do cotidiano de cada localidade do mundo por onde a fé cristã se espalhou foi a forma de significar a aceitação do cristianismo e também registrar para a História a evolução dessas culturas. Por Líliam Primi
Nascidos da devoção cristã, os presépios são montados desde o tempo dos primeiros cristãos. A representação plástica da época de Jesus tinha uma função educativa - servia para contar uma história ou registrar um acontecimento para os iletrados. Que eram maioria na sociedade. Essa função está preservada até hoje. Quem monta um presépio, mesmo sem saber, recria o nascimento de Jesus e traz para a sala de estar o espírito de renovação e benevolência contido na simbologia do Natal. A incorporação de cenas do cotidiano de cada localidade do mundo por onde a fé cristã se espalhou foi a forma de dizer que aquela família, comunidade ou cultura o aceitou e se compromete a seguir seus ensinamentos. E também registrou para a História a evolução dessas culturas. O primeiro presépio de que se tem notícia é uma cena esculpida no século 4 (325 d.C.), um baixo-relevo que enfeita um sarcófago (não se sabe a origem e nem a quem pertenceu), atualmente parte do acervo do Museu das Termas, em Roma, na Itália. Nesta cena, Maria e José não estão presentes. Há apenas um pastor, uma árvore, a cabana e o menino Jesus envolto em faixas no coxo que lhe serviu de berço. Inclinados sobre ele, as cabeças de um burro e um boi. Segundo frei Pedro Pinheiro, que há 13 anos organiza uma exposição internacional de presépios no claustro do mosteiro da Ordem do Largo São Francisco, no centro de São Paulo, esta obra é apenas uma representação simbólica. Nela, o boi é o povo de Israel e o burro, os gentios carregados do pecado da idolatria; os dois, no entanto, rendem homenagem e reconhecem a origem divina do bebê.
Esta simbologia se perdeu no tempo, mas os animais continuam sendo personagens essenciais em qualquer presépio. Alguns instrumentos litúrgicos e afrescos desta mesma época mostram uma cena mais completa, com a Virgem Maria, a adoração dos Reis Magos e o menino. A primeira réplica da gruta no Ocidente é do século 7 e foi feita em Roma. Nenhuma destas obras, porém, são o presépio que conhecemos hoje. Embora os cristãos festejem o nascimento de Jesus desde o século 3, o culto à Natividade só surgiu no século seguinte com Santa Helena, mãe do Imperador Constantino de Roma. As pequenas esculturas representando os personagens envolvidos no nascimento de Jesus começaram a surgir como instrumentos desse culto. E a força que envolve esta arte foi gerada por São Francisco de Assis, que muitos apontam como o "inventor" do presépio. São Francisco viveu obcecado por compreender e imitar "com perfeição, atenção, esforço, dedicação e fervor os passos de Nosso Senhor Jesus Cristo no seguimento de sua doutrina", conforme explica Tomás de Celano em "Vida I", primeira biografia de São Francisco de Assis (veja boxe 2). A representação teatral realizada por São Francisco em 1223, numa gruta perdida na mata ao redor do povoado de Greccio, no Vale da Umbria na Itália, três anos antes de morrer, inaugurou o que hoje conhecemos como "presépio vivo" e definiu o conceito que norteia os presépios atuais - sejam eles encenados ou representados por esculturas.
"O objetivo desta representação era permitir que as pessoas mais simples entendessem a encarnação descrita nas escrituras, absolutamente incompreensível para os que não eram estudiosos. Não havia menino Jesus. São Francisco queria que as pessoas trouxessem Jesus no coração", diz frei Pedro. Segundo o frei, há relatos contando que, apesar de não haver crianças presente, nesta noite todos ouviram o choro de um bebê no auge da encenação. Foi talvez a primeira "vivência" de que se tem notícia na história - técnica atualmente muito usada nos consultórios psicológicos.
O sucesso foi tão grande que tornou a pequena Greccio conhecida no mundo como a "Belém italiana" e disseminou o presépio por toda Europa. Cerca de 300 anos depois, este costume tinha extrapolado os limites dos ambientes sagrados, e começava a aparecer nas casas, especialmente nas dos nobres. O primeiro registro acerca de um presépio em casa particular está no inventário do Castelo de Piccolomini em Celano, supostamente elaborado em 1567. Segundo o documento, a duquesa de Amalfi, Constanza Piccolomini, possuía dois baús com 116 figuras de presépios que representavam muito mais que o nascimento e a adoração dos Reis Magos. As cortes européias foram os grandes mecenas desta arte até o final do século 18 e uma das mais extraordinárias expressões desta fase são os presépios Napolitanos, repletos de figuras minúsculas e impressionantemente reais, que recriam em detalhes o cotidiano e os personagens da cidade.
No Brasil, a tradição dos presépios chegou com os missionários jesuítas, encarregados de evangelizar os índios e cuidar para que os europeus que viviam aqui não se entregassem por inteiro aos prazeres mundanos. Há informações de que o padre jesuíta José de Anchieta, no início da colonização brasileira, teria moldado figuras de presépio em argila com a ajuda dos índios para incutir-lhes a tradição e também para honrar Jesus no Natal. Esta informação, no entanto, não é confirmada por padre César Augusto dos Santos, da Associação Pró-canonização do Padre Anchieta. O que se tem certeza, porém, é que os presépios começaram a ser montados no País a partir do século 17 pelos religiosos que aqui aportavam para evangelizar o Novo Mundo, especialmente os franciscanos - que encaravam a tarefa como uma devoção - e jesuítas, inspirados nos costumes da Europa. Com o tempo, as figuras e o cenário foram assumindo características locais e os materiais usados modificados de acordo com o que estava mais à mão. Como na Europa, em volta da Sagrada Família e dos personagens centrais, foram aparecendo novas figuras regionais, numa miscelânea tida como das mais criativas do mundo. Em 500 anos, o Brasil produziu uma estética própria na confecção de presépios, com destaque para o caipira, do interior de São Paulo, para o dos figureiros nordestinos, como o mestre Vitalino, de Caruaru, em Pernambuco, feito basicamente com terracota, além é claro das peças do barroco mineiro, que tem como maior representante o mestre Aleijadinho. O presépio caipira tem como característica principal a mistura de peças, muitas vezes de tamanhos diferentes e incompatíveis e das mais variadas origens. "As famílias reúnem as peças que têm, e vão aumentando todo ano a partir da compra de novas peças ou incorporando as que ganham de presente", conta frei Pedro. Há também peças especialmente confeccionadas, algumas vezes em cartolina. O resultado é um quebra-cabeça cultural muito colorido e rico, com a cara do Brasil. Um tradicional presépio caipira, além da manjedoura, tem 21 figuras: Deus Menino, José e Maria, Anjo Glória (com a faixa de inscrição), Anjo da Guarda, Gaspar, Melchior, Baltazar (os três reis magos), pastor (com a ovelha nos ombros), músicos (pastores tocando pífano, saltério ou sanfona), camponesa (com flores e frutos na cesta), caçador (com o cão ao seu lado), o profeta Simeão (apoiado no bastão), galo do céu, carneirinho de São João, vaca, jumenta, gambá, cabrita e mula. Os exemplos mais expressivos deste modelo de presépio estão em São Luís do Paraitinga (SP), que tem nas tradições populares sua principal atração turística. Em Minas Gerais, além da arte de Aleijadinho, há também o presépio popular, bem parecido com o caipira paulista. Segundo Frei Pedro, no Norte e Nordeste o grande diferencial é a alegria revelada no colorido das peças e na representação de etnias locais. "Os personagens têm feições dos negros, há muitos pescadores e os pés são sempre muito alargados", conta. O material mais usado é a terracota, mas há também peças em madeira. "Na Amazônia, os artesãos usam muito a balota, um látex retirado de uma palmeira que é desprezado pelo mercado." Além dos personagens centrais, nesta região os presépios contam também com a participação de animais típicos da localidade. "Eles colocam golfinhos, por exemplo", diz.
Na região Sul e também nos grande centros, há uma predominância maior das influências tradicionais (européias) e, mais recentemente, vem crescendo o uso de materiais alternativos, principalmente a partir do reaproveitamento do que se considera lixo. Na
edição deste ano da exposição organizada pelo frei, que conta com 31 presépios, há
alguns exemplos, como o de Magali Ceará, de Campinas, no interior de São Paulo, com
peças modeladas em estopa; o de Moacir Ferreira Dutra, de Bom Sucesso (MG), feito em
cestaria de taquara; e do joalheiro espanhol radicado em São Paulo Roberto Crivelé,
feito com restos de metal e solda. Frei Pedro deu sua contribuição também construindo
um presépio com cartelas de ovos, outro com embalagens descartáveis e um terceiro com granilite, uma técnica que usa cabides de arame retorcido como estrutura, recobertos
com pedra moída e aglutinante. "Fiz um outro ainda, que inclui entre os personagens os
orixás do candomblé, para reforçar a idéia de que o espírito que envolve o Natal é o
da união, da celebração do amor e da generosidade." Fontes: |
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