Não Toqueis nos Meus Ungidos!

 

Sempre fui leitor assíduo das nossas revistas. A que mais gosto é a Ministério. Leio, além das publicadas pela CASA, a Diálogo, (para universitários), e gosto também da Parousia e da Revista Teológica, revistas direcionadas mais aos estudantes de teologia, onde costuma haver um pouco de liberdade intelectual.

Em Maio de 2000, sofri muito ao ler a Revista Adventista. Dolorosamente, como se traído ou  roubado, fui lendo o artigo “Sinagoga de Satanás”. É a dor do namorado que descobre que sua amada o trocou por outro, é a tristeza do pai que descobre que o filho roubou sua carteira para comprar drogas, do cliente que é informado que seu advogado passou para o outro lado por dinheiro.

Após aquele artigo, interrompi meu hábito de décadas, de ler avidamente tudo que a nossa igreja publica. Pela primeira vez, vi que um pastor e teólogo pode usar seu conhecimento para ferir e humilhar. Li depois, já com o coração preparado, um artigo do pastor Amin Rodor sobre o remanescente e os dissidentes, mas aí, não foi preciso sofrer de novo, pude notar que a maior força de seu raciocínio estava no bigode (aparece sua foto no artigo).

 

Direitos de ovelha

Há aproximadamente um ano, veio outro artigo do gênero, “Não Toqueis nos Meus ungidos”. Como na época eu atravessava um período conturbado, propus não me impor mais um sofrimento gratuito, e, desculpe-me pastor Joel Sarli, propositadamente não li o seu artigo. Agora, quase um ano depois, em uma tarde de Sábado pude lê-lo com atenção e sem preconceitos.

Lembro que no mês seguinte, o pastor Lessa tentou, em editorial, consertar a má repercussão do artigo, e conseguiu de forma magistral piorar mais as coisas. Li o editorial sem ter lido o artigo, mas achei interessante a idéia de que ambos os lados têm direitos e deveres. Relação curiosa esta, entre pastores e ovelhas.

Fiquei imaginando a cena, o pastor vai buscar a ovelha perdida. Ao encontrá-la, à beira do precipício, suja e ferida, ela geme. O pastor retira do bolso do paletó um livrinho e lê para a ovelha: “Você tem o direito de ficar calada, tudo que disser poderá ser usado contra você na comissão da igreja” (Ovelhas perdidas são as que pecam, as boazinhas estão seguras no aprisco, certo?)

 

Pastorlatria

O artigo do pastor Joel Sarli é comovente. Lembro que houve réplica aqui no “adventistas.com”, mas como não havia lido o artigo, também não li os comentários ao mesmo. Atitude intelectualmente reprovável,  talvez vocês não consigam entender isto, mas quando a gente se sente traído passa a evitar até pensar no assunto para não sofrer e sofrer de novo.

O pastor Joel começa citando o verso “Não toqueis nos Meus ungidos, nem maltrateis os Meus profetas” I Crôn. 16:22. Depois, diz que vivemos em um tempo em que há pouco respeito, e que pais, professores, políticos e militares sofrem com isso. Esta sua afirmação é muito importante!

A seguir, conta o diálogo entre dois homens. Já de início, nos indica por quem deveremos torcer dali por diante. Um é “bondoso, circunspecto, fiel e gentil cavalheiro”, o outro, “insatisfeito e belicoso”. Embora eu não saiba o que é circunspecto, no mais ele só pode ser gente boa. O outro, um encrenqueiro  do qual já começo a sentir raiva.

E a história segue, bonita, comovente, até um desfecho onde o nosso herói circunspecto diz preferir que sua língua se pregue no céu da boca e que a sua mão direita seque a participar de esquemas para prejudicar pastor. Ponto para ele. Concordo plenamente, menos com  essa história de mão secar,  língua colar, assim como dar lepra nos anticristinhos da internet – por que vocês teólogos não inventam castigos que não dêem trabalho aos médicos? Soltar uma língua pregada no céu da boca deve dar um trabalhão.

Mas compartilho com o pastor Sarli a idéia de que não devemos participar de nenhum esquema para derrubar pastor. Vou repetir, pois como às vezes uso um pouco de ironia no que escrevo, posso não estar sendo bem interpretado. Eu, após ler o artigo com atenção, concordo com o pastor Sarli. É, concordo, acho que ele está certo, não estou brincando.

Bom, usando o recurso de busca do “adventistas.com”, encontrei vários artigos que saíram na época respondendo ao pastor Joel Sarli. Aprendi então que o verso de Crônicas em seu contexto não favorece esta pastorlatria que fica implícita no artigo. Outro analisou bem a história e viu que há vários pontos que a tornam impossível ser verdadeira. Bom, isso eu também já desconfiava, pois nunca vi um circunspecto andando na rua.

 

Lula, o crítico

Houvesse lido, na época, teria também tentado mostrar o que há de maléfico no artigo. Teria feito comparações. Por exemplo, suponhamos um país onde os negros estivessem lutando por direitos e não discriminação. O pastor Sarli contaria então uma comovente história de uma menininha linda e gentil, branca como a neve, que seria raptada por um negro mau, sujo e barbudo, que faria coisas horríveis...

Ou, em um lugar onde as mulheres estivessem lutando por seus direitos, ele contaria uma comovente história de uma mãe que resolveu estudar e trabalhar fora,  apesar dos protestos de seu marido circunspecto que não sabia lavar louça, e depois, seu casamento acabou, seus filhos foram atropelados por um trem, e ela se tornou uma alcoólatra feia e com a barriga inchada.

Durante o período da escravidão no Brasil, dezenas de religiosos contavam histórias e políticos usavam argumentos provando que era melhor para os escravos continuarem como escravos. Hoje, Rui Barbosa é admirado, mas naquele tempo, os gentis e circunspectos cavalheiros o consideravam um estorvo à ordem natural das coisas. Isso para não falar do Lula. Sim, o Lula, aquele barbudo que só sabe criticar, que só sabe fazer greve e reclamar, adventistas gentis e circunspectos não votam em rebeldes, nos ensinaram várias e várias vezes. Hoje, estão comemorando porque ele recebeu o livro “O Desejado” e um CD da cantora Márcia Lessa (R.A. Fev/2003, pág. 34).  É... nada como um dia após o outro...

Mas como não critiquei o artigo do pastor Joel naquela época, perdi o momento histórico. Seria mais atual escrever sobre a frase do diretor do programa de pós-graduação do SALT – Unasp, Campus2, doutor José Carlos Ramos, que na página 4 da Revista Adventista deste mês (Fevereiro 2003) diz que os que questionam o assunto da Trindade nem mesmo entendem os assuntos que questionam, fazendo assim um gracioso elogio à inteligência do Robson Ramos e Ennis Meier.

Chamar os que sustentam pontos de vistas doutrinários diferentes dos nossos de ignorantes também não é sinal de inteligência... Mas ainda estou no assunto de um ano atrás. “Não toqueis nos Meus ungidos”.

 

Saddan Hussein

Concordo com o pastor Joel. Devemos respeitar e honrar os ungidos. Mesmo que o verso usado ensine que é para respeitar todos os membros, creio que devemos  respeitar e aceitar a liderança do Pastor em nossa igreja, tratá-lo com amor, respeitar sua família. Sempre fiz isso e continuo fazendo. Sempre colaboro com os Pastores da minha igreja, tanto financeiramente como com a participação pessoal. Colaboro também com pastores de outros distritos. É o que creio.

E como disse bem dito o pastor Joel Sarli, hoje há muita falta de respeito. Pais, professores, governantes, militares, pastores, todos estão sendo desrespeitados.

Eu sempre respeitei meu pai. Sempre respeitei meus professores, respeito os governantes, os militares e os Pastores. Assim, não só concordo em teoria, mas também na prática, com o pastor Joel Sarli. Procurarei buscar em comum acordo com ele uma explicação, e talvez um remédio, para esta situação de desrespeito em que vivemos.

Porque há esta situação de desrespeito generalizado? Podemos meditar, pastor Sarli, e observar que há situações diferentes. Primeiro, observe que tal situação só existe nos países democráticos. Nos países muçulmanos, ninguém que esteja vivo desrespeita a autoridade, nem as mulheres desrespeitam seus maridos, nem filhos desrespeitam seus pais, e ninguém que desrespeite os aiatolás fica vivo muito tempo. Saddan Hussein fez há pouco um plebiscito para saber se o povo gostava dele, teve 100% dos votos a favor. Dizem que nem Jesus Cristo agradou a todos, mas Saddan conseguiu, usando os mesmos métodos que são usados nas quadrienais por aqui.

Mas não vivemos nos países muçulmanos. Podemos examinar então as democracias. Não há a mesma situação em todos os países. O conceito que os Japoneses têm de seus políticos é muito, muito mesmo diferente do que nós temos dos nossos. Lá, um político foi pego desviando dinheiro público. O que ele fez? Suicidou-se, pois sabia a sociedade nunca mais o aceitaria. Já no Brasil... imagine se Jáder Barbalho fosse assistir a um culto na igreja do Marco, em Belém. Com certeza seria presenteado com um CD da cantora Márcia Lessa!

A polícia inglesa, também é vista pela população de forma bem diferente que a nossa PM. Porque será? Como vivo no Brasil, não é conveniente prolongar muito esse raciocínio.

Pessoas honestas, que cumprem o que prometem, que vivem de forma digna, em geral são respeitadas. Nos Estados Unidos, todos respeitam a constituição. Que não fica sendo mudada a cada governo. Já no Brasil, cada governo que entra, é aquela novela que é preciso fazer a reforma tributária, a reforma da previdência, senão o país quebra.... e é preciso buscar os votos dos deputados, que só votam se sentirem que foram beneficiados... diga-me, caro pastor, qual o conceito que o povo têm da classe política? Assim, vimos o Collor ser derrubado, depois vimos os que o derrubaram serem pegos com a boca na botija, depois os que derrubaram estes estavam fraudando o painel do senado... e querem que a gente os respeite! Mas a um Eduardo Suplicy ou Aécio Neves as pessoas respeitam. 

 

Casseta e Planeta

Sei que pastores não perdem seu tempo vendo televisão, por isso, vou contar um quadro da época em que o senador ACM estava sendo acusado de  fraudar o painel do senado, no caso da exclusão de Luiz Estêvão, este acusado de colaborar com o juiz Nicolau... tudo gente boa. Foi no “Casseta e Planeta”. Um humorista, fazendo o papel de ACM, propõe a outro, que representava o senador Arruda, do PSDB:

         ACM – Senador, esta noite, vamos roubar umas galinhas e depois fraudar o painel do Senado!

         Arruda – Mas senador, não pega bem para nós, homens sérios e respeitados, sair à noite para roubar galinhas!

         ACM – Está bem. Então, vamos só fraudar o painel do senado...

Nenhum articulista sério da imprensa conseguiu comentar de forma mais profunda este episódio. Caráter não se mede por quantidade, mas por qualidade. Respeito não se adquire pela força ou com cargos, mas com o exemplo e a coerência.

E agora, meu caro pastor Joel Sarli, falemos dos pastores. Falemos destes servos de Deus, que trabalham com amor e dedicação completa em prol das ovelhas. Eles não o fazem por dinheiro, nem por maior auxílio quilometragem ou moradia, mas porque amam a Jesus e querem compartilhar este amor com os que mais necessitam. Há pastores desonestos? Há. Há pastores mentirosos? Há. Aqui no Espírito Santo, onde vivo, temos um presidente que mente sorrindo, e mesmo sabendo que todos sabem que está mentindo, acha graça, pois sabe que nada lhe acontecerá. Há pastores que adulteram? Há. Também há os que roubam, e os que ajudam a matar milhares de membros, como aconteceu na África.

Mas estes não são a maioria, nem representam o ministério. A maioria dos pastores distritais, são pastores de verdade, são homens consagrados e dedicados. E é a estes, pastor Sarli, que precisamos respeitar e honrar. Mas eles estão sendo desrespeitados.

 

Por quê?

Para não ficar em denúncias vagas e de difícil comprovação, peço licença para falar de fatos que presenciei – e registrei.

Primeiro, o caso do pastor Alcy Tarcísio Almeida, o criador das rádios Novo Tempo na Divisão Sul Americana.

Este Pastor, ungido, com várias realizações de grande importância para a igreja, muito querido pelos membros leigos, foi alvo de calúnias contra sua honra e sua família. A administração da igreja, formada por inimigos políticos, aproveitou para julgá-lo e tentar humilhá-lo com uma disciplina. Quando a comissão se reuniu, descobriram que não havia provas, só denúncias sem fundamento. Mas para que eles não se sentissem humilhados, por fazer um esquema para derrubar pastor à toa, resolveram punir o Pastor Alcy assim mesmo. E saíram espalhando boatos pelas igrejas. O Pastor Alcy, que já havia batizado a tantas almas, ao ver seu ministério, sua esposa e suas filhas desonradas, escreveu uma carta para os membros dizendo que as acusações que  faziam não eram verdadeiras.

Algum tempo depois, noite alta, com as corujas piando nos telhados, eles se reuniram novamente, e contrariando a Bíblia, o Espírito de Profecia, o Manual da Igreja e a Constituição Brasileira, eles excluíram o Pastor Alcy. Sem ele saber. O motivo da exclusão? Ora, ele escreveu uma carta dizendo ser inocente.  E isto foi considerado “desacato à autoridade” (se a mesa votou, é verdade e ponto final), assim raciocinaram e assim escreveram na carta onde ele foi informado que estava sendo enviado ao diabo que o carregue.

Na época, o presidente da União, o formado em teologia José Orlando Correia estava em pleno adultério. O Pastor Arôvel Moura, secretário (ainda no cargo) da União, questionou que não era correto excluir daquela forma naquela reunião, assim como outros obreiros questionaram. Mas o formado em teologia Correia lembrou que quem mandava ali era ele. E, com um grupo de jurados escolhido previamente, votaram a exclusão do Pastor Alcy por haver escrito uma carta, o que era desrespeito à autoridade.

Um grupo de leigos indignados fretou um ônibus e veio do interior para conversar com o presidente, o formado-em-teologia Correia, mas este disse que “não ia receber ninguém porque não os havia convidado”. Um advogado o interpelou na escada, mas o Correia o empurrou – o advogado quase caiu – e saiu bufando. Meninos, eu vi. E gravei.

Um dos leigos, inconformado, disse em meio aos cento e tantos que lá estavam presentes: “mas também, com o presidente bunda-mole que temos, não se poderia esperar coisa melhor”. Como este leigo é um dos homens mais ricos do estado, e poderoso na política de sua cidade, ninguém da IASD se manifestou até agora para puni-lo por desacato à autoridade por se referir de forma desrespeitosa às nádegas presidenciais.

E o caso foi encerrado. Para calar os descontentes, inventaram mais mentiras, que nós também registramos. Para manter estas mentiras, inventaram outras. E assim vivemos aqui, caro pastor Joel. Há um número considerável de membros magoados com a forma como a administração tratou o ungido pastor Alcy.  Não se conformam com a maldade, a perfídia, a desonestidade com que seu Pastor foi tratado. 

 

Bem feito!

Outro caso, do qual posso falar com bastante segurança, foi o da esposa do diretor do EDESSA, o que no período de 1999 e 2000 conseguiu sucatear o colégio. Esta senhora, ao saber que um Pastor aposentado, e diretor de colégio por mais de trinta anos,  havia pedido à União que interviesse no colégio para evitar que este fechasse, assim falou frente a vários professores: “Bem feito, que o câncer o está carcomendo por dentro, ele merece sofrer”.

A União aceitou o conselho do Pastor aposentado e tirou o diretor desastrado. Mas ninguém, até hoje, corrigiu esta senhora, que estava toda sorridente em Guarapari com a reeleição do formado em teologia Maurício Pinto.

E assim funciona, pastor Joel Sarli. A própria administração não respeita os seus ungidos. E se vocês dão o exemplo, o que querem da plebe?

Pastores que não são subservientes ao ditador de plantão são colocados contra a parede. Ou arranjam um chamado ou estão na rua. São casos e mais casos, e os membros leigos ficam sabendo. Pastores são humilhados, são pressionados, são desrespeitados o tempo todo por administradores que não temem a Deus. Assim como outros obreiros que vivem em estado de permanente tensão devido à instabilidade política na obra. E os leigos ficam sabendo. São leigos, mas não são burros.

Certa vez, pastor Joel, um Pastor de verdade disse uma frase que explica plenamente o que está acontecendo. Disse Ele: “Tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei vós também a eles”. Portanto, meu caro pastor Sarli, vocês estão colhendo o que plantaram. Se vocês mesmos não se dão ao respeito, se vocês mesmos se criticam, se destroem, se caluniam, o que esperam dos de baixo?

Disse o Millôr Fernandes, quando escrevia na revista Veja: “Quando os de cima perdem a vergonha, os de baixo perdem o respeito”. -- Tales Fonseca

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