por Carlos Fernamdes
Bem que o
presidente Fernando Henrique Cardoso tentou remediar, mas ao declarar ter
formação cartesiana com "elementos do vodu e do candomblé", mesmo que em tom de
brincadeira, sua imagem perante a comunidade evangélica brasileira ficou
arranhada, justamente no momento em que seu índice de aceitação popular circula
ínfimos 12%. A declaração, feita no encerramento da Cimeira _ encontro de chefes
de Estado realizado no Rio, em junho _, teve ampla divulgação em todo o país e
acendeu a ira santa de gente como o governador do Rio de Janeiro, Anthony
Garotinho, crente de carteirinha, e que não escondeu seu descontentamento com a
fala de FHC.
"Fiquei muito triste quando ouvi o
presidente dizer que era ateu e gostava de vodu e candomblé. Como é que o país
pode ir para a frente?", indagou Garotinho, diante de uma platéia de 15 mil
pessoas, durante um evento evangélico no estado do Rio, no mês passado. No dia
seguinte ao pito, Fernando Henrique apressou-se em minimizar a própria fala. "O
que fiz foi uma referência do ponto de vista cultural, no sentido de que, como
brasileiro, sempre tive certa flexibilidade. Não falava de religião." O
presidente garantiu que tudo não passou de uma "má interpretação" de Garotinho.
Na verdade, esta não foi a primeira
vez que FHC causou constrangimento com sua incontinência verbal. Certa vez,
afirmou que, para governar o Brasil, era preciso "uma pitada de candomblé" - sem
falar de tiradas célebres, como chamar aposentados de vagabundos e afirmar que a
vida de rico é muito chata (ver quadro). O presidente da República até hoje é
obrigado a desmentir uma declaração a ele atribuída ainda na disputa pela
prefeitura de São Paulo, em 1985, quando teria dito que não acreditava em Deus.
A afirmação foi apontada como um dos motivos de sua derrota naquele pleito, tido
como ganho a apenas uma semana da votação.
EFEITO COLATERAL
É longa a lista de frases de
efeito do presidente Fernando Henrique Cardoso que soaram mal aos ouvidos
de muita gente. Veja algumas: |
|
"Pessoas que se aposentam com menos de 50 anos são
vagabundas, que se locupletam de um país de pobres e miseráveis" (Defesa
desastrada da reforma da previdência que criou mal-estar no governo e
várias tentativas por parte de FHC de remendar a frase. Maio de 1998)
"Não dá para transformar
todo mundo em rico. Nem sei se vale a pena porque vida de rico é muito
chata" (afirmação feita de palanque aos moradores da favela Parque Royal,
na Ilha do Governador, que havia sido urbanizada pela prefeitura do Rio de
Janeiro. Agosto de 1998)
"Além do português, as pessoas vão querer dominar duas
linguagens: uma da Internet - a informática - e outra, a do inglês. É a
demanda das populações mais carentes" (trecho do discurso de encerramento
da Cimeira, em que, segundo analistas, FHC quis descrever um Brasil de
sonho. Junho de 1999) |
Derrapagem - Em entrevista exclusiva concedida a
VINDE em setembro de 1998, FHC garantiu que nunca foi ateu e disse que "religião
é coisa que se guarda no coração; o que vale é a prática". Mas a verdade é que a
ascensão política fez o intelectual ceder espaço para o eclético. E é aí,
justamente, que ele costuma derrapar nas palavras. "Essa frase só serviu para
mostrar que o presidente está completamente perdido, sem referenciais", avalia o
bispo metodista Adriel de Souza Maia, presidente da Associação Evangélica
Brasileira (AEVB). Na sua opinião, além de revelar insegurança, a frase não
ajudou em nada o presidente. "O fato repercutiu muito mal, e pode ser analisado
como um desrespeito ao povo evangélico."
Adriel entende que, para fazer bom trabalho, um
governo não deve, necessariamente, ser conduzido por um crente. "O fundamental é
que o governante tenha visão humana e trabalhe com dignidade", pondera. O bispo
alerta, no entanto, para o perigo de agradar um segmento em detrimento de outro.
"Os adeptos do candomblé certamente gostaram, mas a declaração ofendeu muitos
crentes." O curioso, para Adriel, é que Fernando Henrique tenha demonstrado
afinidade com o terreno religioso. "Não é próprio da sua formação."
Seja motivada por interesses políticos ou não, a mudança ideológica
de Fernando Henrique já se fez notar em suas duas campanhas vitoriosas à
presidência, quando fez questão de cortejar os evangélicos, principalmente nas
últimas eleições. De olho nos votos dos crentes, ele recebeu diversos pastores e
marcou presença em vários cultos e eventos evangélicos, como o 2º Encontro
Mundial das Assembléias de Deus, realizado em setembro de 1997, a um ano de sua
reeleição. Em seu discurso, o presidente citou Deus diversas vezes, ao contrário
do que normalmente faz em suas aparições públicas.
Indecisão - Até o fechamento
desta edição, José Wellington Bezerra, presidente da denominação - a maior do
país - ,não foi localizado por VINDE para comentar as declarações do presidente.
Mas o pastor Vandir Steuernagel, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no
Brasil e dirigente da Visão Mundial, deixa clara sua posição. "A declaração do
presidente atesta publicamente, especialmente aos cristãos, que ele não é um
cristão." Segundo o pastor, ao declarar-se um cartesiano que integra elementos
do candoblé, ele deixou claro que tem dificuldade de tomar decisões claras e
incisivas.
"A fé cristã pauta-se por outra lógica, na qual Deus
é Deus e as pessoas aprendem a dizer `sim' e `não'", continua Steuernagel. Ele
entende que Fernando Henrique, do ponto de vista cristão, é motivo de
intercessão, amor e missão. E deixa um recado: "Em qualquer convite a ele
estendido para participar de eventos cristãos não se deve esperar outra coisa,
nem induzi-lo a uma declaração diferente. Esta atitude seria hipócrita em ambas
as direções."
GLOSSÁRIO
IDEOLÓGICO Entenda o que
significam os elementos combinados pelo presidente Fernando Henrique em
sua frase. |
Cartesianismo
- Doutrina elaborada pelo pensador francês René Descartes
(1596-1650) que influenciaria profundamente a filosofia e as ciências
exatas nos anos seguintes. É de Descartes a célebre frase "penso, logo
existo", que encerra o fundamento que criou para distinguir o verdadeiro
do falso, a chamada dúvida metódica. Só é verdadeiro o que se apresenta
com clareza e distinção. Nem por isso o método cartesiano exclui, por
exemplo, a idéia de Deus. Para Descartes, Deus tem atributos tão fora de
nossa experiência cotidiana, como a eternidade, que só poderiam ter sido
inculcados no intelecto humano pelo próprio Senhor.
Candomblé -
Manifestação religiosa originada na África, introduzida no Brasil
pelos nativos trazidos de lá como escravos. Na Bahia, a proibição à
prática de sua religião induziu muitos africanos a simular rezas e cultos
aos santos católicos para encobrir a fé nos orixás, entidades imateriais
identificadas com elementos da natureza. Com o tempo, a identidade dos
santos fundiu-se à dos orixás para os adeptos do candomblé. A dança, o
toque de tambores e os sacrifícios de animais são marcas dos cultos,
durante os quais os orixás usam o corpo de adeptos para se manifestar.
Vodu - Religião
afro-americana que se desenvolveu no Haiti e tornou-se atrativo turístico
naquele país. O vodu é caracterizado pelo sincretismo, e resulta de
mistura entre o catolicismo dos colonizadores franceses e as crenças dos
africanos levados para aquele país como escravos. Os adeptos do vodu
acreditam em um deus acima dos demais. Aos deuses menores (os loas),
recorre-se com mais freqüência. Há os loas protetores e os capazes de atos
prejudiciais aos adeptos. Podem apresentar traços característicos de
santos católicos ou de divindades africanas. Nos cultos, caracterizados
por dança e música vigorosas, oferendas de alimentos e sacrifícios de
animais, os loas manifestam-se por possessão. A palavra vodu é derivada de
vodun, vocábulo do dialeto fon (uma das etnias africanas levadas para o
Haiti) para espírito ou deus. |
|