Fim da Separação Igreja-Estado nos EUA

MANCHETE DO NEW YORK TIMES (20/07/2001)
Câmara dos EUA aprova recursos federais para religiões

Elizabeth Becker

Washington ­ A Câmara aprovou na quinta-feira a legislação que ampliará o financiamento federal a obras sociais de organizações religiosas, após a liderança republicana ter rechaçado a oposição de democratas e republicanos rebeldes devido a questões de direitos civis.

A "iniciativa com base na fé" é uma pedra angular da filosofia do conservadorismo compassivo do presidente Bush, uma abordagem que ele disse refletir seu compromisso político e pessoal com o poder da fé como solução dos males da sociedade.

De Londres, o presidente divulgou uma nota elogiando o Congresso por dar este primeiro passo para o estabelecimento de seu programa.

"Um das grandes metas do meu governo é mobilizar os exércitos da compaixão da América e restaurar um espírito de caridade, cidadania e comunidade", ele escreveu.

Mas a medida, que foi aprovada por 233 votos contra 198, é uma versão bem reduzida do plano original apresentado por Bush. Ela fornece um valor muito menor para dedução de impostos para encorajar doações de caridade, e elimina o "fundo da compaixão", que levantaria dinheiro para obras de caridade. Mas mesmo com as mudanças, as perspectivas do projeto no Senado controlado pelos democratas ainda são incertas.

Os opositores da medida reclamam que o corte de impostos do presidente fez com que sobrasse pouco dinheiro para ser gasto em obras de caridade. Mas eles concentraram sua resistência no que consideram uma ameaça aos direitos das minorais e na separação da Igreja do Estado.

O projeto de lei enfrentou problemas inesperados quando, na quarta-feira, os republicanos moderados se juntaram aos democratas na oposição às partes da legislação que permitem aos grupos religiosos, que receberem recursos federais, manterem seu direito de contratar apenas pessoas da mesma fé e ignorar leis de direitos civis estaduais e locais, que protegem gays e lésbicas de discriminação no momento da contratação.

Juntos, os dois grupos conseguiram adiar a votação até quinta-feira.

Mas sem alterar o texto do projeto de lei, o deputado J.C. Watts Jr., republicano de Oklahoma e co-patrocinador da iniciativa, foi capaz de reconquistar a maioria dos votos dos republicanos rebeldes, prometendo que "abordaria suas preocupações" quando a medida for apreciada pelo Senado.

"Nada nesta medida altera leis de direitos civis", disse Watts durante um debate no plenário da Câmara sobre direitos constitucionais básicos. "Nós devemos trabalhar com os grupos religiosos, e não contra eles".

Mas o deputado Melvin Watt, democrata da Carolina do Norte, discordou e advertiu o republicano.

"Este não é um debate sobre o governo contra Deus", disse Watt. "Eu estou estarrecido por estar debatendo se permitiremos que religiões discriminem visando oferecer serviços sociais. Se a cláusula ofensiva deste projeto de lei for retirada, então teremos apoio quase unânime para o projeto".

O projeto de lei provocou um debate altamente delicado sobre direitos civis e discriminação na Câmara, no qual legisladores negros fizeram valer seus direitos legítimos como líderes de direitos civis. Mas não se sabe o que acontecerá no Senado, onde o líder da maioria, Tom Daschle, disse em uma coletiva de imprensa que dificilmente permitirá que o projeto de lei seja apreciado tão cedo.

"Eu não posso imaginar que aprovaremos qualquer projeto de lei que aceite um retrocesso no nível de tolerância, que seria inaceitável na sociedade de hoje", disse Daschle.

Legisladores republicanos tentaram desviar o debate para a situação difícil de pequenas igrejas e grupos religiosos, que caracterizaram como necessitando de melhores condições para disputarem os recursos federais que grupos seculares atualmente recebem para custear suas obras de caridade.

A medida permitirá que grupos religiosos recebam verbas federais para uma série de programas que fornecem serviços sociais para jovens com problemas e idosos, e para o fornecimento de abrigo e alimento para os necessitados.

Ela também concederá um corte de impostos de até US$ 13 bilhões (R$ 32,5 bilhões) ao permitir que as pessoas que não as relacionam em seus impostos, deduzam US$ 25 (R$ 62,5) nas contribuições para caridade; permitindo que negócios não corporativos, como restaurantes de família, recebam créditos de impostos pela doação de alimentos; que pessoas com mais de 70 anos possam fazer contribuições de caridade livres de impostos a partir de suas contas individuais de aposentadoria; a elevando para as corporações o teto das doações de caridade dedutíveis de 10% para 15% em 2010.

Ambos os lados convocaram grupos religiosos e de direitos civis para lutarem por suas posições. Bush obteve o endosso dos grupos conservadores cristãos assim como de organizações de direitos civis como a Southern Christian Leadership Conference. A medida também foi apoiada pelo Hábitat para a Humanidade Internacional e pela U.S. Catholic Conference.

Contra a medida estavam o American Civil Liberties Union, a National Association for the Advancement of Colored People e os United Methodists.

Mas poucos ativistas imaginavam que a questão dos direitos dos homossexuais fosse provocar tamanha discordância entre os republicanos.

Mas depois que um documento interno do Exército da Salvação se tornou de conhecimento público na semana passada, o governo Bush disse que negou um pedido da organização de isentar todas as entidades de caridade religiosas que recebem recursos federais das leis locais que proíbem a discriminação contra homossexuais.

O deputado Barney Frank, democrata de Massachusetts, argumentou que tal promessa era desnecessária, já que a "iniciativa com base na fé" permitiria aos grupos religiosos que receberem recursos federais ignorar as leis de 12 estados, e de mais de 100 cidades e condados, que protegem os gays.

Quando questionado no plenário na quinta-feira, Watts admitiu que tais leis locais seriam respeitadas por preempção, mas se comprometeu a "tratar mais claramente da questão" assim que a medida for aprovada pelo Senado.

Tal resposta foi suficiente para persuadir todos os republicanos, com exceção de quatro, a votarem a favor do projeto de lei.

Mas Frank questionou por que esta medida deveria permitir o financiamento federal da discriminação, apesar da existência de cláusulas na lei federal que isentam grupos religiosos de exigências de direitos civis que violem suas crenças. "Nós simplesmente não acreditamos que seja necessário dar às organizações religiosas o direito de discriminar", disse ele.

Alguns grupos religiosos conservadores aplaudiram a recusa republicana de alterar a medida.

"Esta foi uma questão da Igreja contra os ativistas homossexuais, e os homossexuais perderam", disse Andrea Lafferty, diretora executiva da Traditional Values Coalition.

O deputado Tony P. Hall, democrata de Ohio que foi co-patrocinador da medida, argumentou que os pequenos grupos religiosos que mais necessitam de ajuda financeira também precisam manter o caráter de sua fé contratando apenas membros de sua religião, mesmo que estes funcionários estejam executando programas financiados pelo governo.

"Esta é uma medida que atende aos pequenos, a pequena organização com dois ou três funcionários", disse Hall. "Nós democratas precisamos ter muito cuidado para não desprezarmos e desencorajarmos as pessoas neste país de fé".

Quatorze democratas se juntaram a Hall e votaram a favor da medida.

Durante a campanha presidencial, o candidato democrata Al Gore também apoiou a idéia de uma iniciativa baseada na fé. O senador Joseph Lieberman de Connecticut, que concorreu como vice de Gore, co-patrocinou o projeto de lei do presidente no Senado, mas na quinta-feira disse estar considerando a elaboração de sua própria medida visando obter maior apoio bipartidário. -- Tradução: George El Khouri

Fonte: http://www.uol.com.br/times/nytimes/ny2007200101.htm 

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