Aproxima-se uma Religião Mundial

A expectativa é fruto da análise de observadores não-adventistas, conforme você pode ver nesta matéria de uma revista "esotérica":

O Cristianismo Repensado

Por motivos variados e poderosos, como a mudança da visão que o ser humano tem de si mesmo, a religiosidade vem sofrendo importantes transformações. Nesse sentido, o cristianismo se prepara para uma nova fase da sua história.

Por Carlos Cardoso Aveline

Ilustrações: Christiane S. Messias

A única coisa certa na vida, em qualquer tempo, é a mudança. À medida que passa o tempo, a saúde do papa João Paulo II fica mais frágil e os debates sobre o futuro do cristianismo se espalham. Ninguém sabe o que virá. Nas últimas décadas, o conhecimento humano se expandiu radicalmente e a religiosidade experimentou transformações revolucionárias. As surpresas dos próximos 20 anos podem ser ainda maiores que as do passado recente. A religiosidade em geral e o cristianismo em particular vêm mudando por motivos diversos e irresistivelmente poderosos.

De um lado, a consciência dos cidadãos se liberta de todos os dogmas anteriores. A própria visão que o ser humano tem de si alterou-se radicalmente. Descobertas científicas recentes sobre o cérebro têm identificado, com clareza cada vez maior, as áreas cerebrais que fazem o contato místico entre o homem e a totalidade do universo. Está sendo mapeado o modo de funcionamento dos circuitos cerebrais que ativam os sentimentos e a percepção religiosos. Assim, até a ciência convencional sabe, hoje, que o ser humano está perfeitamente equipado para ter contato direto com o mundo divino. A dependência cega de instituições religiosas, com suas práticas autoritárias e esquemas ritualísticos, torna-se desnecessária para quem busca Deus.

Outra transformação significativa é a multiplicação das novas igrejas evangélicas. São instituições pequenas, ágeis, que atendem necessidades específicas do seu público e lhe oferecem uma religiosidade de curto prazo, voltada para os seus interesses imediatos. Com a mensagem básica “Jesus te Ama”, os grupos evangélicos se alastram pelo planeta aumentando a auto-estima e a vontade de vencer de pobres e desesperados em diferentes situações e classes sociais. Algumas dessas igrejas têm evoluído, e é interessante registrar que há algum tempo a Igreja Universal do Reino de Deus vem incorporando a ética na política e a justiça social entre suas bandeiras e preocupações.

João Primo
Ilustrações: Christiane S. Messias
Novos movimentos evangélicos: apoio moral e psicológico a pessoas de camadas sociais menos favorecidas.

Com um esquema referencial simples e fácil de captar por pessoas de baixa escolaridade, o fenômeno religioso das igrejas evangélicas ainda é olhado com desprezo por muitos. Mas essa atitude pode ser conseqüência de uma combinação de preconceito com preguiça mental. Os novos movimentos evangélicos são um fenômeno social profundo. Entre as suas conseqüências positivas estão o combate eficaz de problemas como a criminalidade, o uso de drogas e o analfabetismo. As novas igrejas eliminam o desespero e o sofrimento psicológico das pessoas em camadas sociais que, de outra forma, ficariam abandonadas e sem perspectiva.

Por outro lado, o cristianismo de hoje investe nos meios de comunicação social. Redes de televisão e rádios são usadas em grande escala. Há cerca de 400 rádios religiosas no Brasil, metade das quais católicas. A Igreja católica tem rede própria de TV. A Igreja Universal do Reino de Deus tem conseguido fazer crescer a audiência da sua Rede Record. Outros grupos religiosos têm diversos esquemas de acesso à TV e, em alguns casos, formam redes de estações de rádio.

O caráter fortemente devocional, combinado à flexibilidade e à criatividade dos novos movimentos cristãos, é uma caraterística dos tempos atuais. Há uma decadência acentuada dos grandes esquemas institucionais na sociedade contemporânea. O fenômeno atinge não só as igrejas, mas todas as grandes estruturas de poder no Brasil e no resto do mundo. A força criativa e a vida interior se transferem das grandes estruturas de porte imperial e majestoso para as pequenas estruturas aparentemente despretensiosas, mas dotadas de poder de iniciativa e disposição de agir.

A liberdade e a multiplicidade de idéias e propostas passam a ser a regra. O budismo tibetano, o zen-budismo, a ioga, o taoísmo, a prática da meditação e o ecumenismo se espalham. Práticas medicinais preventivas e hábitos alimentares saudáveis fazem parte da nova religiosidade. O cristianismo, nesse contexto, reaprende a lição da modéstia, passa a conviver mais harmonicamente com outras formas de sentimento religioso e se prepara para uma nova fase da sua história. Nela, ele se apoiará no sentimento comunitário e na solidariedade incondicional, e não mais na prática do autoritarismo.

Diálogo ecumênico
Sipa-Press
Budismo: propagação que reflete uma nova fase da religiosidade.

O papa tem buscado estimular o diálogo ecumênico e inter-religioso. Em maio passado ele visitou a Grécia e pediu desculpas aos cristãos ortodoxos pelos erros cometidos pelo Vaticano durante os últimos mil anos. Em março de 2000, ele havia visitado o Oriente Médio e feito uma autocrítica pelos erros do Vaticano ao perseguir os judeus por séculos e ao apoiar Hitler e o anti-semitismo durante a Segunda Guerra Mundial. Tem buscado também o diálogo com os anglicanos. Esses são tímidos passos preparatórios. Mas há poderosos adversários da transformação dentro do Vaticano. Em setembro de 2000, o cardeal Joseph Ratzinger, da Congregação da Doutrina da Fé (versão atual da antiga Inquisição), publicou um documento em que o Vaticano afirma que as outras igrejas cristãs, como todas as outras religiões, não têm acesso legítimo ao mundo divino. De acordo com essa tese, haveria uma espécie de monopólio divino, e ele pertenceria à burocracia dos cardeais de Roma. A declaração, desatualizada, típica da Idade Média, mereceu uma reação muito negativa por parte das igrejas cristãs. Nos anos 80, Joseph Ratzinger foi o responsável pelos processos de perseguição ao teólogo brasileiro Leonardo Boff.

No final de maio passado, um consistório convocado por João Paulo II reuniu em Roma 155 cardeais de todo o mundo. Foi uma espécie de pré-conclave, onde se avaliaram as possibilidades de escolha do futuro papa e as prioridades católicas. Ficou claro que a força dos setores progressistas da Igreja não pode ser ignorada e que avanços no sentido da democratização serão provavelmente inevitáveis dentro de pouco tempo.

Grzegorz/Sipa-Press
Ratzinger: adversário das transformações.

A América Latina, a África e a Ásia são as novas trincheiras do catolicismo no mundo. Na Europa, o cristianismo passou a ser uma religião amplamente nominal. As igrejas ficam vazias. Em alguns lugares, a igreja cristã só serve para fazer o batismo e o enterro das pessoas. A situação é inteiramente diferente em outras partes do mundo.

Na Índia, o cristianismo se expande especialmente nas classes mais pobres, formadas pelas castas inferiores. Sua mensagem de que todos os homens são iguais perante Deus leva ventos democráticos e renovadores, que ajudam a derrubar os milenares preconceitos indianos de casta. Os párias e pobres percebem que também têm a possibilidade de conversar com Deus e possuem os mesmos direitos que os outros seres humanos. Esse fato mostra um dos contrastes da Índia: ao lado da sua grande tradição de sabedoria, o hinduísmo ortodoxo tem alimentado, também, antigos preconceitos religiosos e injustiças sociais que ainda mantêm o país na miséria.

Na África, novas igrejas cristãs se multiplicam com uma velocidade surpreendente e, mesmo funcionando de maneira precária, substituem aos poucos as velhas estruturas tribais, levando possibilidades culturais mais amplas àquele continente acossado pela miséria, pela violência e pelo atraso. A contradição entre a decadência do catolicismo no Primeiro Mundo e a sua expansão no mundo pobre já faz com que a burocracia teológica do Vaticano volte, lentamente, seus olhos para os países pobres e expanda o seu colégio de cardeais para incluir nele mais alguns representantes dos diversos continentes. Ao mesmo tempo, torna-se impossível ignorar as questões sociais, a luta pela ética na política e pela democratização de todas as estruturas sociais, inclusive das próprias igrejas.

Teologia da libertação

Zlotnik/Sipa-Press
Pobreza na Índia: situação alimentada pelo hinduísmo ortodoxo.

As idéias da teologia da libertação, reprimidas durante o papado de João Paulo II, podem voltar. Não é impossível que o próximo papa seja um latino-americano. Há pressões pela possibilidade de mulheres assumirem funções mais importantes na Igreja (como já ocorre nas igrejas protestantes e evangélicas). “Por que não há mulheres no colégio de cardeais?”, pergunta-se. Além disso, pede-se a supressão do celibato obrigatório, e aumenta a força da reivindicação pelo controle democrático da escolha de bispos. Velhas tradições medievais do catolicismo tornam-se cada dia mais frágeis. Ao mesmo tempo, o diálogo inter-religioso ganha espaço. O ecumenismo cristão se amplia, e o fundamentalismo e a intolerância esgotam suas forças.

Um dos pensadores que têm captado com clareza os novos tempos é o teólogo brasileiro Leonardo Boff. Processado e “condenado” pelo Vaticano por suas idéias progressistas, Boff escreve livros sobre a nova era e discute neles o surgimento da nova espiritualidade, sem dogmas, ecumênica, inter-religiosa, socialmente engajada. Boff integra a visão das diferentes religiões com a ação dos movimentos sociais, a luta por justiça em todos os níveis, o sonho da ética na política e o esforço pela construção de uma utopia realista. Discutindo a marca deixada pelo cristianismo na história brasileira, ele escreveu:

Zlotnik/Sipa-Press
Leonardo Boff: espaço para a espiritualidade ecumênica e socialmente engajada.

“Fundamentalmente, o cristianismo colonial e imperial educou as classes senhoriais sem questionar-lhes o projeto de dominação, antes abençoando-o, e domesticou as classes populares para se ajustarem ao lugar que lhes cabia na marginalidade do sistema dominante. Por isso, a função do cristianismo dominante foi extremamente ambígua, mas sempre útil ao sistema desigual e injusto. Raramente foi profético. No caso da escravidão, foi francamente legitimador de uma ordem injusta. Só a partir dos anos 50 do século 20 setores importantes (bispos, padres, religiosos e religiosas junto com leigos comprometidos com mudanças na sociedade e na Igreja) começaram uma mudança do seu lugar rumo ao povo, aos pobres e aos oprimidos.”

Para Boff, “emerge um cristianismo novo, profético, libertador e comprometido com as mudanças necessárias”. O teólogo aponta para novos caminhos ao afirmar: “O futuro religioso do Brasil não será, provavelmente, o seu passado católico. Será, possivelmente, a criação de uma nova espiritualidade ecumênica, que conviverá com as diferenças (a tradição evangélica em expansão, o pentecostalismo, o kardecismo e outras religiões orientais), mas na unidade da mesma percepção do divino e do sagrado que impregna o cosmo, a história humana e a vida de cada pessoa. É importante lembrar que o cristianismo atual é fruto de um imenso sincretismo, negado pelas mentes oficialistas, que são avessas à verdade histórica (...)” (Depois de 500 Anos: Que Brasil Queremos?, de Leonardo Boff, Editora Vozes, Rio.)

 

Novo pensamento religioso

Sipa-Press
Madre Teresa de Calcutá trabalhando pelas pessoas mais necessitadas: o rosto do novo cristianismo.

Outro pensador cristão que renova a mentalidade religiosa do mundo atual é o padre católico indiano Anthony de Mello. Num dos seus livros publicados no Brasil, ele conta essa pequena história, quase fantástica, em que critica o fundamentalismo religioso:

“Certo dia foi feita uma proposta, nas Nações Unidas, no sentido de que se corrigissem todos os livros sagrados de todas as religiões. Tudo o que neles tivesse algum sabor de intolerância, crueldade ou fanatismo deveria ser eliminado. O mesmo se faria com toda e qualquer parte que atentasse contra a dignidade e o bem-estar do homem. Imaginem o burburinho quando se veio a saber que a proposta viera do próprio Jesus Cristo! Os repórteres correram à sua residência, ávidos de maior esclarecimento. A sua explicação foi simples e curta: ‘As Escrituras, como o sábado, foram feitas para o homem’, disse ele, ‘não o homem para as Escrituras!’”. (O Canto do Pássaro, de Antony de Mello, Edições Loyola, 6ª edição, 1995.)

O novo cristianismo tem também o rosto de Madre Teresa de Calcutá. Trabalhando pelo bem-estar “dos mais pobres entre os pobres”, ela não prestou atenção às diferenças religiosas na Índia. Ao invés de pregar solidariedade com palavras, ela agia de modo solidário. Ao invés de usar a técnica do debate e da propaganda, ela usava o método do silêncio e da oração. Ela seguia o lema da sabedoria esotérica: “Ousar, querer, agir e permanecer em silêncio.” Madre Teresa escreveu:

“Nós precisamos encontrar Deus, e Deus não pode ser encontrado no barulho e na agitação. Não podemos nos colocar diretamente na presença de Deus sem que nos imponhamos silêncio interno e externo. É por isso que devemos nos acostumar com o silêncio da alma, dos olhos e da língua. Não há vida de oração sem silêncio. Tudo começa com a prece que nasce no silêncio dos nossos corações. Os contemplativos e ascetas de todas as épocas e religiões encontraram Deus no silêncio e na solidão do deserto, das florestas e montanhas.” (Tudo Começa Com a Prece, Madre Teresa de Calcutá, Editora Teosófica, Brasília, 1999.)

A boa mística cristã é instrumento de uma sabedoria eterna. No século 16, São João da Cruz escreveu: “Os sinais do recolhimento interior são três: o primeiro, se a alma não gosta das coisas transitórias; o segundo, se gosta da solidão e do silêncio e se é impelida a buscar tudo quanto é mais perfeito; terceiro, se as coisas que costumavam ajudá-la a estorvam, não encontrando a alma outro apoio senão a fé, a esperança e a caridade.” (Obras Completas, São João da Cruz, edição em um volume de 1.149 pp., Ed. Vozes, RJ). O cristianismo aprende agora a conjugar a mística interior com a solidariedade externa, e une o silêncio da alma com a ação do corpo, a purificação do espírito com a transformação social. Ele já percebe a unidade essencial entre mundo interno e mundo externo. Essa nova maneira de enxergar a vida leva à democratização dos processos religiosos e transfere o poder das hierarquias para o cidadão.

Leonardo Boff escreveu em seu famoso livro Igreja, Carisma e Poder:

“Na Igreja, os membros que detêm os meios de produção religiosa, que é simbólica, detêm também o poder e criam e controlam o discurso oficial. Sociologicamente, vigora na Igreja uma inegável divisão e desigualdade: um grupo produz o material simbólico e outro apenas o consome; há o sacerdote ordenado que pode produzir, celebrar e decidir, e o leigo não-ordenado que assiste e se associa. Toda a capacidade de produzir e de participar decisoriamente dos excluídos deixa de ser aproveitada. O grupo detentor dos meios de produção simbólica elabora sua teologia que vem justificar, reforçar e socializar seu poder, atribuindo origem divina à forma histórica do seu excercício. Daí que a maneira centralizada, monárquica, excludente do seu funcionamento, e a concepção doutrinária da revelação e da salvação, são tidas como irretocáveis e irreformáveis, porque desejadas (nesta forma concreta) por Deus.” (Igreja, Carisma e Poder, Leonardo Boff, Ed. Vozes, 3ª edição, RJ, 1982. Ver pp. 75-76.)

O novo cristianismo será aberto e não-sectário. Será mais vivencial do que propagandístico. Ele buscará a energia divina tanto no universal como no particular, e reconhecerá a lei da fraternidade universal em todos os aspectos sociais, ecológicos, econômicos, políticos e espirituais da vida. Ao adotar essa atitude prática, o cristianismo desembocará no oceano eterno da verdade, e ali se encontrará com o que há de melhor nas outras religiões. Esse é, na verdade, um processo histórico que já vem ocorrendo há algum tempo. Quando ele amadurecer e ficar mais claramente perceptível, instrutores como Cristo, Krishna e Buda, entre outros, serão finalmente reconhecidos como personificações diversas de uma mesma sabedoria eterna e divina que é patrimônio de toda a humanidade, desde sempre.

Fonte: http://www.terra.com.br/planetanaweb/

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