A Justificação pela Fé e a Doutrina do Pecado Original

Por Pr. Jean R. Zurcher, Ph.D., é presidente da Comissão de Pesquisa Bíblica da Divisão Euro-Africana da IASD. Como professor e administrador, ensinou em Collonges (França) Tananarive (Madagascar) e em South Lancaster  (Massachusetts). Foi autor das Lições da Escola Sabatina do 2º e do 4º Trimestre de 1980. Foi secretário da Divisão Euro-Africana em Berna, Suíça. Hoje, aposentado, vive em Gland, Suíça, com sua esposa, Anna Clara.

A posição de que Cristo tomou a decaída natureza humana têm tido apenas uns poucos defensores através da história do Cristianismo, e aqueles que a ensinavam foram freqüentemente considerados hereges. Isso precisa ser prontamente reconhecido. Mas a verdade não depende do número de seus seguidores. Muitas verdades bíblicas essenciais têm sido distorcidas através dos séculos, em razão de idéias preconcebidas ou conceitos errôneos, resultando num ensino completamente estranho às Escrituras.

O problema da natureza e destino da humanidade é o primeiro exemplo.1 Ao aceitarem a idéia platônica da imortalidade da alma, os pais da Igreja perpetuaram erros graves  com respeito à morte, ressurreição e vida eterna. Do mesmo modo, por desconsideração às informações do Novo Testamento sobre o assunto da natureza humana de Cristo, foram formuladas teorias arbitrárias que resultaram em doutrinas defeituosas.

A Evidência Neotestamentária

Para resolver o problema, é preciso iniciar com uma cuidadosa análise das informações. Um problema bem entendido está meio resolvido. Os dados escriturísticos claramente definidos sobre os quais a Cristologia se apóia, podem ser sintetizados como um paradoxo: Cristo participou da "semelhança de carne pecaminosa", sem compartilhar de nenhum pecado da humanidade.

Essa afirmação dupla está colocada no coração do prólogo do evangelho de João. Por um lado, o apóstolo declara: "O Verbo Se fez carne", e por outro afirma que o Verbo "habitou entre nós"... cheio de graça e verdade" (João 1:14). O paradoxo surge do fato de que, conquanto se tenha tornado humano em estado de decaimento, Cristo, não obstante, viveu entre nós sem pecado, em perfeita obediência à lei de Deus.

João torna essa verdade a pedra de toque de sua Cristologia: "Nisto conheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa a Jesus não é de Deus; mas é o espírito do anticristo..." (I João 4:2 e3)

A palavra carne, em João, tem geralmente conotação pejorativa. Seres humanos nascem de acordo com "a vontade da carne" (João 1:13), e julgam "segundo a carne" (João 8:15). E João conclui: "Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não vem do Pai, mas sim do mundo." O próprio Jesus sempre opôs sistematicamente "carne" e "Espírito". "O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito." (João 3:6) "O Espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita." (João 6:63)

Paulo também enfatiza em suas epístolas a oposição entre a carne e o Espírito na pessoa de Cristo. Na introdução  de sua epístola aos Romanos, ele define a dupla natureza de Cristo nestes termos: "... nasceu da semente de Davi segundo a carne; e que com poder foi declarado Filho de Deus, segundo o espírito de santidade (Rom. 1:3 e 4). Então, apelando à grandeza do "mistério da piedade", Paulo declara uma vez mais os fundamentos da Cristologia: "Aquele que Se manifestou em carne, foi justificado em espírito..." (I Tim. 3:16) 

Não satisfeito em afirmar que Cristo é, ao mesmo tempo, carne e Espírito – isto é, verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus – Paulo diz que Deus enviou "... Seu próprio Filho em semelhança da carne do pecado", assim "na carne condenou o pecado" (Rom. 8:3). Qualquer que seja o significado dado à palavra "semelhança", isso não significa que a carne de Cristo seria diferente daquela da humanidade em Seu nascimento. Jesus, todavia, não era como Adão antes da queda, pois Deus não criou Adão "em semelhança da carne pecaminosa".

Em sua epístola aos Filipenses, Paulo destaca o paradoxo existente entre a realidade da condição humana e a perfeição da obediência de Jesus até o fim de Sua vida. De um lado, o apóstolo acentua a plena e total participação de Cristo na natureza humana: "Ele tomou "a forma de servo" (literalmente escravo); Ele Se tornou "semelhante aos homens" e foi "obediente até à morte, e morte de cruz" (Fil. 2:7 e 8). Em outras palavras, embora "nascido de mulher, nascido sob a lei" como todos os seres humanos, por Sua perfeita obediência à Lei de Deus Cristo não apenas "condenou o pecado na carne" (Rom. 8:3), mas tornou-Se o Redentor daqueles que estão "sob a lei" (Gál. 4:5). Com efeito, escreveu Paulo: "Porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte." (Rom. 8:2)

A epístola aos Hebreus realça esse duplo aspecto da pessoa e obra de Cristo. "Pois, na verdade, não presta auxílio aos anjos, mas sim à descendência de Abraão. Pelo que convinha que em tudo fosse feito semelhante a seus irmãos..." (Heb. 2:16 e 17). Uma vez que os irmãos "são participantes comuns de carne e sangue, também Ele, semelhantemente, participou das mesmas coisas" (verso 14). Portanto, Ele "em tudo foi tentado, mas sem pecado" (Heb. 4:15). Essa foi a condição necessária para o cumprimento de Sua missão de servir como "um sumo sacerdote misericordioso e fiel nas coisas concernentes a Deus, a fim de fazer propiciação pelos pecados do povo. Porque naquilo que Ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer aos que são tentados" (Heb. 2:17 e 18)

Esses são os dados bíblicos fundamentais da Cristologia. Ninguém tem o direito de debilitar ou alterar  essas informações com argumentos faltos de idoneidade bíblica.

O Conceito Bíblico de Pecado

Um dos principais problemas da Cristologia envolve mal-entendidos sobre a natureza do pecado. De forma a resolver o problema da natureza humana de Cristo, precisamos determinar primeiramente o conceito bíblico de pecado. Através dos séculos  ele foi entendido de várias maneiras, mas raramente em harmonia com o ensino das Escrituras.

Os católicos e muitos protestantes ensinam a doutrina do pecado original. Há muitos modos de entender essa doutrina, mas o conceito básico é que somos pecadores por nascimento, culpados simplesmente porque pertencemos à família humana como descendentes de Adão. Desse ponto de vista, se Jesus houvesse nascido com a mesma natureza pecaminosa como todos os outros homens, Ele seria um pecador, culpado por nascimento. Conseqüentemente, não poderia ser nosso Salvador.

Tendo adotado essa premissa, em harmonia com os teólogos evangélicos, os promotores da nova Cristologia adventista puderam apenas concluir que "Cristo tomou a natureza de Adão antes da queda". A fim de ser o Salvador do mundo, Cristo tinha de possuir uma natureza sem pecado, a qual não teria se houvesse nascido com a natureza de Adão após a queda. 

Em razão de não haver base bíblica para a doutrina do pecado original, o adventismo tradicional a condenou ou simplesmente a ignorou. Ellen White, em todos os seus escritos, nunca a mencionou. Uma vez apenas ela usou a expressão "o pecado original" em relação ao pecado cometido por Adão no princípio. "Cada pecado cometido", escreveu ela, "reaviva o eco do pecado original." 2 Hoje, alguns teólogos de outras confissões, do mesmo modo, consideram a doutrina do pecado original como estranha ao ensino bíblico.3

A fim de compreender o ensino bíblico sobre a questão do pecado, não é suficiente saber que o "pecado é ilegalidade" ou "transgressão da lei" (I João 3:4), e que todos os homens são pecadores "porque todos pecaram" (Rom. 5:12). Os redatores das Escrituras, e Paulo em particular, estabelecem certas distinções sem as quais a natureza humana de Cristo permaneceria incompreensível. Primeiramente, é importante não confundir pecado como um princípio de ação, e pecados como ação.

1. Pecado Como um Poder e Pecados Como Ações

A Bíblia estabelece importante distinção entre pecado, no singular, como o poder da tentação, e pecados, no plural, como atos transgressores da lei. Paulo, em especial, faz a diferença entre o que ele chama de "lei do pecado", que o mantém "prisioneiro" (Rom. 7:23), e "as obras da carne", as quais ele classifica (Gál. 5:19-21; Tito 3:3).

Em sua análise do homem "vendido sob pecado", Paulo especifica que o princípio do pecado vive nele, isto é, em sua carne. Esse princípio atua em seus membros, "guerreando contra a lei ..." Assim, "mesmo querendo eu fazer o bem, o mal está comigo". "Com efeito, o querer está em mim, mas o efetuá-lo não". Conseqüentemente, "não sou mais eu que faço isto, mas o pecado que habita em mim". (Rom. 7:14-23)

Paulo define o princípio que torna a humanidade "prisioneira da lei do pecado", usando várias expressões. Primeiro o chama  de "inclinação da carne" (phronema tes sarkos), opondo-se à "inclinação do Espírito" (phronema tou pneumatos) (Rom. 8:6). A palavra phronema inclui as afeições, a vontade, bem como a razão de alguém que vive de acordo com sua natureza pecaminosa ou de acordo com o Espírito (Rom. 8:4 e 7). Paulo utiliza a expressão "a cobiça da carne" (ephithumian sarkos) (Gál. 5:16 e 17) traduzida freqüentemente pela palavra carne (Rom. 1:24;6:12; 7:7). Finalmente, a expressão "poder do pecado"(dunamis tes hamartia) (I Cor. 15:56) traduz bem o aspecto dinâmico do princípio que opera no homem e o torna escravo do pecado.  

Através dessas expressões Paulo não quer referir-se ações do pecado, mas simplesmente às tendências  da carne que impelem ao pecado. Essas são apenas inclinações, não pecados ainda. Mas tais tendências naturais para a desobediência, herdadas de Adão, inevitavelmente se tornam pecados quando cedemos aos seus apelos.

Em sua análise do processo de tentação, Tiago estabelece precisamente a diferença que existe entre "cobiça" (epithumia  - ephitumia) e o ato pecaminoso. De acordo com ele, "cada um, porém, é tentado quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência; então a concupiscência, havendo concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, sendo consumado, gera a morte." (Tiago 1:14 e 15). Em outras palavras "a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida" (I João 2:16), são as origens de todas as tentações, como as de Cristo no deserto, tornando-se pecado somente com o consentimento do tentado.

Ellen White confirma esse ponto de vista quando escreve: "Há pensamentos e sentimentos sugeridos e despertados por Satanás, que afetam mesmo o melhor dos homens; mas se esses não são nutridos, se eles são repelidos como odiosos, a alma não é contaminada com a culpa, e ninguém é poluído por sua influência."4  Qualquer que possa ser a intensidade da tentação, ela nunca é, em si mesma, um pecado. "Nenhum homem pode ser forçado a transgredir. Seu próprio consentimento deve ser primeiramente obtido; a alma tem de querer praticar o ato pecaminoso antes que a paixão domine a razão ou a iniqüidade triunfe sobre a consciência. Tentação, embora forte, nunca é desculpa para pecar."5

Ellen White escreveu: "O Filho de Deus, em Sua humanidade, lutou contra as mesmas impetuosas e aparentemente esmagadoras tentações que assaltam o homem – tentação à indulgência com o apetite, à presunçosa  ousadia de aventurar-se onde Deus não O conduzira, e à adoração do deus deste mundo, sacrificando assim uma feliz eternidade pelos fascinantes prazeres desta vida."6  "Ele sabe por experiência quais são as fraquezas da humanidade, quais são nossas necessidades, e onde jaz a força de nossas tentações; pois Ele foi "tentado em todos os pontos, como nós, mas sem pecado'."7

A diferença entre Jesus e os seres humanos não está no plano da carne ou da tentação, uma vez que Ele "foi tentado em todos os pontos, como nós". A diferença está no fato de Jesus nunca ter cedido às seduções da carne, enquanto todos nós, sem exceção, sucumbimos a elas e ficamos sob o poder do pecado (Rom. 3:9). Mesmo quando alguém sente o desejo de fazer o bem, não tem em si mesmo o poder para resistir à força do pecado que habita nele (Rom. 7:18). Só Cristo, pelo poder do Espírito de Deus que nEle habitava, foi capaz de resistir "até o sangue, combatendo contra o pecado" (Heb. 12:4). Ellen White confirma: "Embora Ele sofresse toda a força da paixão da humanidade, nunca cedeu à tentação de praticar um simples ato que não fosse puro, elevado e enobre-cedor."8

Para compreender como Jesus pôde viver sem pecar "em semelhança da carne pecaminosa", outra importante distinção deveria ser feita: a diferença entre as conseqüências do pecado de Adão, transmitidas a todos os seus descendentes, de acordo com a "grande lei da hereditariedade"9, e a culpa, que não é transmissível de pai para filho.

2. Somente Aqueles Que Pecam São Culpados

Consoante a doutrina do pecado original, não apenas são culposos os desejos da carne, mas também todos os seres humanos  em virtude do nascimento, por causa do pecado de Adão. Isso explica a prática do batismo infantil para livrar da maldição do pecado. Essa crença e prática são totalmente estranhas às Escrituras. Nem mesmo Rom. 5:12, o locus classicus (posição clássica) da doutrina do pecado original, afirma que todos os seres humanos são nascidos pecadores. Além disso, Paulo acrescenta que antes de Moisés, a humanidade não pecara "à semelhança da transgressão de Adão" (verso 14).

A Escritura ensina que a culpa não é transmissível por hereditariedade. Apenas aquele que peca é culpado. "Não se farão morrer os pais pelos filhos, nem os filhos pelos pais; cada qual morrerá pelo seu próprio pecado." (Deut. 24:16; II Reis 14:6). O profeta Ezequiel repete essa mesma lei nestes termos: "A alma que pecar, essa morrerá; o filho não levará a iniqüidade do pai, nem o pai levará a iniqüidade do filho. A justiça do justo ficará sobre ele, e a impiedade do ímpio cairá sobre ele." (Eze. 18:20)

Cada um, portanto, é culpado de suas próprias faltas. Conseqüentemente, mesmo que eu seja "pecador desde o tempo em que minha mãe me concebeu" e  "pecador desde o nascimento", de acordo com as palavras do salmista (Sal. 51:5), não de forma que não sou de maneira alguma culpado do pecado de meus ancestrais. Paulo escreve que antes de seu nascimento, os filhos de Isaque e Rebeca não haviam "praticado bem ou mal" (Rom. 9:11). Certamente eles levavam em si mesmos, por hereditariedade, as conseqüências do pecado de Adão, que inevitavelmente os tornaria pecadores e responsáveis por suas próprias transgressões da lei de Deus, mas não eram culpados  quer por natureza quer por hereditariedade. Assim ocorre com todos os que são "nascidos de mulher, nascidos sob a lei"(Gál. 4:4), e aconteceu com o próprio Jesus.

Sobre esse ponto, Ellen White escreve; "É inevitável que os filhos sofram as conseqüências dos maus feitos de seus pais, mas eles não são punidos pela culpa de seus pais, exceto se participarem de seus pecados. Se os filhos andarem nos pecados dos pais, esse será o caso. Por herança e exemplo os filhos tornam-se participantes do pecado de seus pais. Tendências ao erro, apetites pervertidos e corrupção moral, bem como enfermidades físicas e degeneração, são transmitidos como legado de pai para filho, até a terceira e quarta geração."10

O que a posteridade de Adão e Eva herdou foi a tendência para pecar e as conseqüência do pecado: morte. Por suas transgressões o veneno da serpente foi inoculado em a natureza humana como um vírus mortal. Mas em Cristo, Deus proveu a vacina salvadora.

"Em Semelhança da Carne Pecaminosa"

 À luz do que temos dito sobre a natureza do pecado, deveria ser compreendido que era possível para Jesus viver sem pecar, livre de toda corrupção, em pensamento e atos, "em semelhança da carne pecaminosa".

Já houve muita discussão sobre o significado da palavra "semelhança" (homoiomati). Naturalmente, ela enfatiza semelhança, similitude, identidade, mas não diferença. Nas três passagens onde a expressão é usada, sempre indica identidade de uma natureza que tem a ver com parecença ou semelhança da carne (Rom. 8:3), com o homem (Fil. 2:7), ou com a tentação (Heb. 2:17). Para estar em posição de poder ajudar os "descendentes de Abraão"... Ele devia ser semelhante a Seus irmãos" (Heb. 2:16 e 17).

Entretanto, é importante entender que Paulo não está dizendo que Cristo Se "assemelhava" ao  homem carnal, nem que Sua carne Se parecia com aquela do homem pecaminoso, corrompido por uma vida de pecado e escravo das más propensões. O apóstolo limitou a semelhança à carne na qual habitava "a lei do pecado", e onde "a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida" (I João 2:16) dominavam.

De acordo com Tiago 1:15, a concupiscência é a mãe do pecado, e não pecado em si mesma, assim como o pecado é pai da morte e não a própria morte. As concupiscências são tentações às quais todos os seres humanos estão sujeitos, e que o próprio Jesus teve de enfrentar, uma vez que Ele foi "tentado em todos os pontos, como nós" (Heb. 4:15). Mas, diferentemente do que acontece conosco, Cristo nunca permitiu que as más tendências, embora hereditárias e potencialmente pecaminosas, se tornassem pecado.  Ele sempre soube "rejeitar o mal e escolher o bem" (Isa. 7:15), desde o dia de Seu nascimento até a morte na cruz.

Ellen White e os defensores da Cristologia tradicional fazem distinção entre  "tendências hereditárias" e "tendências cultivadas para o mal"11 Agora, se Jesus herdou tendências para o mal, por outro lado, Ele nunca as "cultivou". Eis porque ela pôde escrever que Cristo conhecia "por experiência... o poder de nossas tentações"12, bem como "a poder da paixão da humanidade13, mas sem nunca ceder à sua força de atração.

A melhor explanação referente às diferenças entre tendências herdadas e cultivadas, é encontrada na carta de Ellen White a Baker. Essa explicação é muito significativa, porque a carta é o principal documento sobre o qual os propugnadores da nova Cristologia se fiam para afirmar que Cristo tomou a impecável natureza de Adão antes da queda.   

"Não O apresentem diante do povo como um homem com 'propensões para pecar'. Ele é o segundo Adão. O primeiro Adão foi criado  puro e sem pecado, sem mancha de pecado sobre si; ele era a imagem de Deus. Poderia cair e caiu pela transgressão. Por causa do pecado, sua posteridade nasceu com inerentes propensões para a desobediência. Mas Jesus Cristo era o Unigênito Filho de Deus. Ele tomou sobre Si a natureza humana, e foi tentado em todos os pontos como ser humano. Ele poderia ter pecado; poderia ter caído, mas nem por um momento havia nEle uma má propensão."14

Comparando  "inerentes propensões para a desobediência", herdadas por toda a posteridade de Adão, com "más propensões", que Jesus não possuía, os teólogos da nova Cristologia, bem como aqueles da Cristologia alternativa, interpretaram mal a carta de Ellen White a Baker, em contradição com seus próprios ensinos noutras partes.

Escrevendo a Baker, ela disse: "Ao tratar da humanidade de Cristo, você precisa estar atento a cada asserção, com receio de que suas palavras sejam interpretadas como significando  mais do que  querem dizer, e assim percam ou ofusquem as claras percepções sobre Sua humanidade combinada com a divindade."15    E acrescentou: "Percebo que há perigo em abordar assuntos que tratem da humanidade do Filho do infinito Deus."16

Daí essas advertências: "Sejam cuidadosos, extremamente cuidadosos ao tratarem da natureza humana de Cristo. Não O apresentem ao povo como um homem com propensões para o pecado."17  "Nunca, de modo algum, deixem a mais leve impressão sobre mentes humanas, de que uma mancha de pecado ou inclinação para a corrupção habitava em Cristo, ou que Ele, de alguma forma, cedeu a ela... Que cada ser humano se abstenha de fazer Cristo totalmente humano, como um de nós, pois isso não pode ser."18

Porém, se Ellen G. White insiste, por um lado, sobre a perfeição imaculada de Cristo, ela também declara que Sua natureza impecável foi adquirida "sob as mais probantes circunstâncias"19, "para que pudesse compreender a força de todas as tentações com as quais o homem é atacado". 20  Mas "em nenhuma ocasião  houve qualquer resposta às suas [Satanás] múltiplas tentações. Nem por uma única vez Cristo entrou no terreno de Satanás, para conceder-lhe qualquer vantagem. Satanás nada encontrou nEle para encorajar seus avanços." "'Está escrito', era sua arma de resistência, e é essa a espada do Espírito Santo que todo ser humano deve usar."21

Certamente, nunca compreenderemos plenamente como Cristo pôde ser "tentado em todos os pontos, como nós, mas sem pecado". Ellen White afirma: "A encarnação de Cristo foi e será para sempre um mistério."22  Paulo declarou  que "grande é o mistério da piedade: Aquele que Se manifestou em carne, foi justificado em espírito, visto dos anjos, pregado entre os gentios, crido no mundo, e recebido acima na glória" (I Tim. 3:16).

Dado que a nova Cristologia reivindica estar apoiada em algumas declarações de Ellen White – particularmente aquelas feitas na carta a Baker – é pertinente demonstrar que essa carta está em perfeito acordo com o ensino dos pioneiros, e em harmonia com a doutrina dos apóstolos.

Razões Para a Encarnação

Sem dúvida, a encarnação do Filho de Deus sempre estará envolta em certo mistério para a compreensão humana. Todavia, o mistério diz mais respeito ao como da encarnação do que ao porquê. Nenhuma passagem bíblica explica como "o Verbo Se fez carne", ou como as naturezas divina e humana foram combinadas na pessoa de Cristo. Por outro lado, Jesus e os apóstolos manifestaram-se claramente sobre o porquê de Sua vinda. Vale dizer, a solução para o problema da encarnação deveria primeiro ser buscada à luz do que Deus revelou.

Através dos séculos, os teólogos se perderam em suas respostas ao porquê. Com muita freqüência, explicam o sacrifício de Cristo em relação a Deus antes que ao homem. As teorias da substituição penal têm feito parecer que Deus precisava dos sofrimentos de Cristo, ou do sangue de uma vítima inocente, para perdoar pecados. Mas Deus Se define como sendo, por natureza, "misericordioso, compassivo, tardio em irar-Se... que perdoa a iniqüidade, a transgressão e o pecado." (Êxo. 34:6 e 7)

Isaías 53 mostra até que ponto a compreensão humana acerca do dom de Deus pode estar equivocada: "... nós O reputávamos por aflito, ferido de Deus e oprimido", ao passo que "Ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e esmagado por causa das nossas iniqüidades". (Isa. 53:4 e 5) Obviamente, Jesus não Se ofereceu em sacrifício para apaziguar a ira de um Deus ofendido. Deus não Se vingou em Cristo para satisfazer Sua justiça. Todos os textos que explanam a razão da vinda de Cristo afirmam o contrário, isto é, que Deus enviou Seu Filho unigênito por nossa causa.  Deus sempre é apresentado como o Iniciador do plano da salvação e Jesus como o Mediador entre Deus e os homens. "Aquele que nem mesmo a Seu próprio Filho, antes O entregou  por (hyper) todos nós..." (Rom. 8:32). Jesus confirmou isso através dos símbolos da Ceia do Senhor: "Isto é o Meu corpo , que é dado (hyper) por vós... Este cálice é o novo pacto em Meu sangue, que é derramado por [hyper] vós." (Lucas. 22:19 e 20)

Paulo se esforçou para ajudar-nos a compreender as razões da vinda de Cristo. Mas devemos concordar com Pedro, que em suas epístolas há "pontos difíceis de entender, que os indoutos e inconstantes torcem..." (II Pedro 3:16). A Cristologia de Paulo realmente constitui-se numa das mais difíceis. Todavia, nenhuma passagem é mais reveladora do que aquela na qual ele mostra, por um lado, a miserável situação do homem "vendido sob pecado" (Rom. 7:14-24); e por outro, as razões pelas quais Deus enviou "Seu próprio Filho em semelhança da carne pecaminosa" (Rom. 8:2-4).

A pergunta que faz a si mesmo: "Quem me livrará do corpo desta morte?", ele próprio responde: "Graças a Deus, por Jesus Cristo nosso Senhor." (Rom. 7:24 e 25). Então, Paulo sumariza quatro razões específicas para explicar o porquê da ação salvífica de Deus:

1. "Para Ser Uma Oferta Pelo Pecado"

Essa razão é fundamental e justifica todas as outras. Obvia-mente, se não tivesse havido pecado no início, a encarnação de Cristo não seria necessária. Mas, por causa do pecado e do amor divino pela humanidade, "Deus ... deu o Seu Filho Unigênito , para que todo aquele que nEle crê, não pereça, mas tenha a vida eterna."(João 3:16). Toda a Bíblia é a resposta de Deus ao problema do pecado.

Tão logo o pecado entrou no mundo como resultado da desobediência de Adão e Eva às leis do Criador, Deus revelou Seu plano de salvação. Antes de mostrar a nossos primeiros pais as conseqüências do pecado, Ele lhes prometeu um Salvador nascido da semente da mulher. Conquanto a serpente ferisse Seu calcanhar, Ele pisaria sua cabeça (Gên. 3:15).

Assim, através dos séculos, a promessa de um Salvador foi renovada. Por meio do anjo Gabriel, Deus anunciou a Daniel, o profeta, que o Messias viria num tempo específico para realizar Sua obra redentiva, "para fazer cessar a transgressão, para dar fim aos pecados, para expiar a iniqüidade e trazer a justiça eterna..." (Dan. 9:24)  Quando Jesus Se apresentou a João Batista, às margens do Jordão, esse O proclamou como "o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo".  (João 1:29)

A missão de Cristo, uma vez completada, é explicada por Paulo em termos similares à razão por que Deus "enviou Seu Filho em semelhança da carne pecaminosa", para condenar "o pecado na carne" (Rom. 8:3)

1. Para Condenar "o Pecado na Carne"

Evidentemente, essa condenação do pecado não foi realizada "vicariamente" ou na base de uma mera transação legal da parte de Deus. Por causa do pecado, foi necessário que o Verbo Se tornasse carne (João 1:14), que Cristo "fosse feito semelhante a Seus irmãos" (Heb. 2:17) e que fosse "tentado como nós, mas sem pecado" (Heb. 4:15).

Para condenar 'o pecado na carne",  Paulo especifica que foi "no corpo de Sua carne" (Col. 1:22) que Cristo triunfou sobre o pecado, lutando contra o pecado ao ponto de derramar sangue (Heb. 12:4). Através de "Sua carne" Cristo "abriu um novo e vivo caminho" (Heb. 10:20), que nos levou à reconciliação com Deus. Pedro declarou que Cristo levou "Ele mesmo os nossos pecados em Seu corpo sobre o madeiro, para que, mortos para os pecados, pudéssemos viver para a justiça..."(I Ped. 2:24)

Além disso, para abolir a morte (II Tim. 1:10) bem como todas "as obras do diabo" (I João 3:8), Cristo teve de participar da "carne e do sangue" do homem, "para que pela morte derrotasse aquele que tinha o poder da morte, isto é, o diabo" (Heb. 2:14). Esse foi o pré-requisito para Cristo tornar-Se "um Sumo Sacerdote santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores..." (Heb. 7:26), e estar em posição de livrar "todos aqueles que, com medo da morte, estavam por toda a vida sujeitos à escravidão" (Heb. 2:15). Esta é a segunda razão dada por Paulo para justificar a encarnação de Cristo.

2. Para Livrar  os Seres Humanos "da Lei do Pecado e da Morte"

Tendo condenado o pecado na carne, Cristo podia agora agir para livrar o homem da escravidão do pecado. "Porque naquilo  que Ele mesmo, sendo tentado [mas sem pecado] sofreu, pode socorrer aos que são tentados" (Heb. 2;18;4:15). Livrar o homem do pecado constitui, portanto, o primeiro objetivo da encarnação de Cristo.

A fim de nos ajudar, os escritores sacros usaram a linguagem de uma sociedade praticante do escravismo, onde era necessário pagar resgate para libertar um escravo. O próprio Jesus usou essas palavras para ilustrar a razão de Sua missão.  Ele afirmou: "Todo aquele que comete pecado é escravo do pecado."  E acrescentou para o benefício de Seu público: "Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres." (João 8:34 e 36) Pois "o Filho do homem veio... para dar a Sua vida em resgate de muitos".  (Marcos 10:45; Mateus 20:28)

Paulo, semelhantemente, usa essas expressões. Ele escreveu aos gálatas: "Mas vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou Seu Filho, nascido de mulher, nascido debaixo da lei, para resgatar [literalmente, comprar]  os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a adoção de filhos."  (Gál. 4:4 e 5).  Em sua carta a Timóteo, ele lembra que Cristo "... Se deu a Si mesmo em resgate por todos".  (I Tim. 2:6) Então, em Tito, ele escreve que Jesus "... Se deu a Si mesmo por nós, para nos remir [literalmente, nos libertar] de toda iniqüidade, e purificar para Si um povo todo Seu, zeloso de boas obras" (Tito 2:14). Em suma, Jesus não somente veio para tirar nossos pecados (I João 3:5), mas também para libertar-nos deles (Apoc. 1:5; I João 1:7-9).

3. "Para Que a Justiça da Lei se Cumprisse em Nós"

Esse é o principal objetivo pelo qual Deus enviou Seu Filho "em semelhança da carne pecaminosa". A conjunção "para que" (ina), que introduz a última declaração de Paulo, assinala o propósito da ação de Cristo em nosso favor. Note que não é sobre a justificação  (dikaiosune) que se está tratando aqui, mas dos justos (dikaioma) reclamos da lei.

Em nossa situação como seres humanos, prisioneiros da lei do pecado, somos incapazes de obedecer aos mandamentos de Deus. Mesmo quando desejamos fazê-lo, falta-nos poder. Ademais, por si mesma, a lei é impotente para livrar-nos do poder do pecado.  "... Se a justiça vem mediante a lei, logo Cristo morreu em vão." (Gál. 2:21) Entretanto, isso não significa que a lei foi abolida e que não mais devemos observá-la.  Pelo contrário, Paulo afirma que "a observância dos mandamentos de Deus" é que conta. (I Cor. 7:19) Jesus foi enviado para nos capacitar a viver de acordo com a vontade de Deus, expressa em Sua Lei, como nos ensinou por Seu exemplo.

Por Sua participação no sangue e carne da humanidade, e em razão de Sua vitória sobre o "pecado na carne", Jesus tornou-Se para nós um princípio vital, uma licença para a transformação, capaz de fortalecer cada pecador na "obediência que provém da fé" (Rom. 1:5; 16:26). Pois se, através da solidariedade humana, "pela desobediência de um só homem muitos foram constituídos pecadores", Paulo nos dá a certeza de que "pela obediência de um, muitos serão constituídos justos". (Rom. 5:19)

Em harmonia com o novo concerto prometido, do qual Cristo é o Mediador, a lei não está mais simplesmente escrita em tábuas de pedra. "Este é o pacto que farei com eles depois daqueles dias, diz o Senhor. Porei as Minhas leis em seus corações, e as escreverei em seu entendimento." (Heb. 10:16) Desse modo, a justiça da lei pode ser realizada em nós, para que, depois disso, não mais andemos segundo a carne, mas segundo o Espírito, seguindo o exemplo de Cristo.

Vitória Através "do Espírito de Vida em Cristo Jesus"

Na mesma passagem da epístola aos Romanos, Paulo não explica meramente  o porquê da missão de Cristo. Ele também nos revela o segredo de Sua vitória sobre o pecado, e como o impossível se torna possível para aqueles que estão em Cristo. Por duas vezes o apóstolo faz referência ao Espírito: primeiro, ao dizer que em Cristo estava "o Espírito de vida" , e então, ao mostrar como, pelo Espírito de Cristo, somos capacitados a "andar como Jesus andou" (I João 2:6)

1. Cristo, "Justificado no Espírito"

Uma das revelações essenciais da Cristologia reside no fato de que o próprio Cristo, durante Sua manifestação na carne, teve de ser "justificado no Espírito" (I Tim. 3:16). Em razão de Sua vitória sobre o pecado e a morte, Jesus "... com poder foi declarado Filho de Deus." (Rom. 1:4). Embora Jesus tenha nascido "da semente de Davi segundo a carne" (Rom. 1:3), Mateus especifica que Ele foi concebido pelo Espírito Santo (Mat. 1:18 e 20). De acordo com o salmista, Ele foi posto sob o cuidado de Deus desde Seu nascimento (Sal. 22:10).

Então, em Seu batismo, Jesus "viu o Espírito de Deus  descendo como pomba e vindo sobre Ele" (Mateus 3:16). O Espírito também O conduziu ao deserto "para ser tentado pelo diabo" (Mat. 4:1). Porque Deus não concedeu a Jesus "o Espírito por medida", Paulo escreveu que "nEle habita corporalmente toda a plenitude da Divindade" (Col. 2:9). Realmente, "Deus estava em Cristo reconciliando Consigo mesmo o mundo". (II Cor. 5:19)

Toda a vida de Cristo neste mundo, assim como toda a Sua obra em favor da salvação do homem, porta o selo do "Espírito de vida" que nEle estava. "Deus O ungiu com o Espírito Santo e com poder, o qual andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com Ele." (Atos 10:38) Sem o Espírito, Jesus nunca teria sido capaz de realizar as obras que efetuou. "O Filho, de Si mesmo, nada pode fazer..." (João 5:19, 30). Além disso, sem o Espírito de Deus, Ele nunca teria sido capaz de derrotar o poder do pecado em Sua própria carne. Mas pelo Espírito, Ele Se santificou (João 17:19), para tornar-Se "tal Sumo Sacerdote, santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores, e feito mais sublime que os céus" (Heb. 7:26).

Para ajudar-nos a compreender como Deus deseja beneficiar-nos com a vitória de Cristo, Paulo aplica a tipologia dos dois Adões. Ele apresenta Jesus como o novo Adão, destinado a substituir o Adão transgressor. Enquanto que "o primeiro Adão tornou-se alma vivente; o último Adão, espírito vivificante" (I Cor. 15:45); em outras palavras, um espírito que cria vida. Daí, de acordo com o princípio da solidariedade humana, pela desobediência do primeiro Adão, "entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens..." (Rom. 5:12). Mas, por Sua obediência, o segundo Adão trouxe a "todos os homens ... justificação e vida". (Rom. 5:18). "E, assim como trouxemos a imagem do terreno, traremos também a imagem do celestial." (I Cor. 15:49). Há uma condição, todavia: o Espírito de vida que estava em Cristo deve, igualmente, habitar em nós. Pois, "se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dEle". (Rom. 8:9).

2. Transformado Pelo "Espírito de Cristo"

O mesmo Espírito que permitiu a Jesus obter a vitória sobre o pecado, deveria, semelhantemente, atuar em nós com poder para tornar-nos filhos de Deus. Jesus foi o primeiro a explicar isso a Nicodemos: "Em verdade, em verdade te digo que se alguém não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus... Necessário vos é nascer de novo."  Como a ação do vento, "assim é todo aquele que é nascido do Espírito". (João 3:5-8)

Jesus falou a Seus discípulos sobre "o Espírito que haviam de receber o que nEle cressem". Mas João explica: "... o Espírito ainda não fora dado, porque Jesus ainda não tinha sido glorificado." (João 7:39)  Eis por que, após ter anunciado Sua partida, Jesus reassegurou-lhes: "Todavia, digo-vos a verdade, convém-vos que Eu vá; pois se Eu não for, o Consolador não virá a vós; mas, se Eu for, vo-Lo enviarei. E quando Ele vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo." (João 16:7 e 8) E mais: "Quando vier, porém, Aquele, o Espírito da verdade, Ele vos guiará a toda a verdade." (João 16:13)

Imediatamente após Sua ressurreição, Jesus renovou a promessa: "... Mas vós sereis batizados no Espírito Santo dentro de poucos dias." (Atos 1:5) E repetiu: "Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e ser-Me-eis testemunhas , tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da Terra." (Atos 1:8) Aquilo que Jesus prometeu aos doze e se cumpriu no Pentecostes, semelhantemente promete a todos os que respondem aos apelos do Espírito. Pois "toda a autoridade no Céu e na Terra" foi dada a Ele (Mat. 28:18) Cristo está trabalhando para atrair todos os seres humanos a Si mesmo (João 12: 32), para lhes tornar clara a verdade e capacitá-los a viver pelo Espírito, como Ele mesmo fez quando esteve na Terra.

Desde o Pentecostes, Deus concede Seu Espírito a todo aquele que pede (Lucas 11:13). E o Espírito habita - e também Cristo através de Seu Espírito,  naqueles que O recebem. Assim como Jesus venceu "o pecado na carne" pelo Espírito Santo, igualmente Ele  habilita Seus filhos a vencerem pelo poder do Espírito. De fato, II Pedro 1:4 declara que eles se tornam "participantes da natureza divina, havendo escapado da corrupção, que pela concupiscência há no mundo".

Por Seu ministério, Jesus tem aberto o caminho para o Espírito e proporcionado novo nascimento à geração de seres humanos regenerados pelo Espírito. E a todos os que são nascidos do Espírito, Deus não somente dá o poder para dizer "não" a "impiedade e às paixões mundanas" mas também para viver "no presente mundo sóbria, e justa, e piamente, aguardando a bem-aventurada esperança e o aparecimento da glória de nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus".  (Tito 2:12 e 13)

Ellen White sumariou perfeitamente o que os adventistas crêem com respeito ao papel do Espírito na vida do crente. "É o Espírito que torna efetivo o que foi realizado pelo Redentor do mundo. É pelo Espírito que o coração é purificado. Através dEle o crente se torna participante da natureza divina. Cristo concedeu Seu Espírito como um divino poder para vencer todas as tendências herdadas e cultivadas para o mal, e para imprimir Seu próprio caráter na igreja."23 "Cristo morreu no Calvário para que o homem pudesse ter o poder de vencer suas tendências naturais para o pecado."24

A vida dos professos cristãos não está, portanto, limitada ao perdão dos pecados, ou a "uma religião fácil que não exija luta, abnegação e separação dos desatinos do mundo"25. Contrariamente, o Espírito de vida que está em Cristo tem realmente libertado o cristão da escravidão do pecado, de forma que ele possa viver vitoriosamente, segundo o exemplo do Salvador. "A vida que Cristo viveu neste mundo, homens e mulheres podem viver através do Seu poder e sob Sua instrução. Em seu conflito com Satanás, eles po-dem ter toda ajuda que Ele teve. Podem ser mais do que vencedores por Aquele que os amou e a Si mesmo Se deu por eles."26

Conclusão

Para encerrar este capítulo, citamos uma passagem extraída de um manuscrito de Ellen White, sobre o assunto da humilhação de Cristo. Nele, Ellen White explica a natureza humana de Cristo de um modo que não poderia ser mais claro.

Primeiramente ela evoca  o dado fundamental da Cristologia bíblica: "Ele [Cristo] não tomou para Si a natureza dos anjos, mas a humanidade, perfeitamente idêntica à nossa própria natureza, excetuando-se a mancha do pecado."

Então, reconhecendo as dificuldades de alguns em compreender uma verdade totalmente oposta ao credo das principais igrejas, Ellen White prossegue: "Mas  não devemos nos apegar às nossas idéias comuns e terrenas, e em nossos deturpados pensamentos cogitar que o risco de Cristo ceder às tentações de Satanás tenha degradado Sua humanidade, e que Ele possuía as mesmas tendências pecaminosas e corruptas propensões como o homem.

"A natureza divina, combinada com a humana, tornou-O suscetível de ceder às tentações de Satanás. A prova de Cristo foi muito maior do que a de Adão e Eva, pois o Salvador tomou nossa natureza decaída mas não corrompida, a qual não se perverteria a menos que Ele atendesse às palavras de Satanás em lugar das palavras de Deus. Supor que Cristo não pudesse ceder à tentação, coloca-O onde Ele não pode ser um perfeito exemplo para o homem."27

O trecho seguinte mostra claramente que se Jesus viveu uma vida impecável numa natureza humana diferente da nossa, e se Ele não houvesse sido "em tudo semelhante a Seus irmãos" (Heb. 2:17), não poderia "socorrer aos que são tentados"  (Heb. 2:18). Essa é a mesma verdade que João sintetiza no prólogo de seu evangelho, e que é o coração da Cristologia bíblica: "O Verbo", que "estava com Deus no princípio" – "Se fez carne e habitou entre nós cheio de graça e verdade... pois todos nós recebemos  da Sua plenitude,  e graça sobre graça". "A todos quantos O receberam, aos que crêem no Seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus." (João 1:2, 14, 16, 12.)*

* Este texto é o capítulo 16 do livro Tocado Por Nossos Sentimentos, a ser lançado brevemente em português. Esse livro teve apoio denominacional, tendo sido publicado em 1999 pela Review and Herald Publishing Association, Hagerstown, EUA, em inglês, sob o título Touched With Our Feelings. Essa edição, por sua vez, baseou-se no original francês Le Christ Manifesté en Chair (Cristo Manifesto em Carne), publicado primeiramente pela Faculdade Adventista de Teologia de Collonges-sous-Salève, Haute Savoie, França, em 1994. Os interessados em adquirir o livro em por tuguês, podem manifestar seu desejo de compra, enviando e-mail para: farpolito@ar-net.com.br.

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Notas e Referências:

1. Ver Jean R. Zurcher, The Nature and Destiny of Man (New York: Philosophical Library, 1969).

2. Ellen G. White, em Review and Herald, 16 de Abril de 1901.

3. Ver nosso capítulo 7 e Emil Brunner, Dogmatics, vol. 2, pág. 103.

4. Ellen G. White, em Review and Herald, 27 de março de 1888.

5. _______, Testimonies for the Church, vol. 5, pág. 177.

6. _______, Selected Messages, livro 1, pág. 95.

7. _______, The Ministry of Healing, pág. 71.

8. _______,  In Heavenly Places, pág. 155.

9. _______, The Desire of Ages, pág. 49.

10. _______, Patriarchs and Prophets (Mountain View, Calif.: Pacific Press Pub. Assn., 1913), pág. 306 (itálicos supridos).

11. _______, Counsels to Parents, Teachers and Students (Mountain View, Calif.: Pacific Press. Pub. Assn., 1913), pág. 20; Christ's Object Lessons (Washington, D.C.: Review and Herald Pub. Assn., 1941), pág. 330.

12. _______, The Ministry of Healing, pág. 71. Carta  8 de Ellen G. White, 1895, em Seventh-day Adventist Bible Commentary, Ellen G. White Comments, vol. 5, pág. 1129 (itálicos supridos).

13. _______, In Heavenly Places, pág. 155 (itálicos supridos).

14. Carta 8 de Ellen G. White, 1895, em Seventh-day Adventist Bible Commentary, Ellen G. White Comments, vol. 5, págs. 1128, 1129 (itálicos supridos). 

15. Ibidem.

16. Ibidem.

17. Ibidem.

18. Ibidem.

19. Ibidem.

20. Ibidem.

21. Ibidem.

22. Ibidem.

23. E. G. White, The Desire of Ages, pág. 671.

24. _______, Review and Herald, 2 de fevereiro de 1992.

25. _______, The Great Controversy, pág. 472.

26. _______, Testimonies for the Church, vol. 9, pág. 22.

27. Ellen G. White, manuscrito 111, 1890. Extraído do Journal 14, págs. 272-285.

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