Tese Doutoral do SALT Atribui Sobrevivência do Cristianismo à Sabedoria dos Administradores
Quando lia o título do livro que estamos nos propondo analisar a partir deste artigo introdutório, enxergava nele uma proposta corajosa de investigação e uma análise nada ufanista da história do cristianismo. Afinal, trata-se de uma das teses doutorais transformadas em livro pela Imprensa Universitária Adventista, do Centro Universitário Instituto Adventista de Ensino Campus 2, em Engenheiro Coelho, SP. Foi com essa expectativa em mente que encomendei o livro Crises na Igreja Apostólica e na Igreja Adventista do Sétimo Dia - Análise Comparativa e Implicações Missiológicas, Volume 1 da Série Teses Doutorais, (2ª Edição, do ano de 2002) da autoria do agora doutor em teologia Luiz Nunes. Se bem me lembro, conheci o pastor Luiz Nunes como evangelista na região Nordeste, no período em que comecei o curso teológico no ENA, em Belém de Maria, PE, e depois, creio que vimos em eventos denominacionais, nos quais estive presente como redator da Casa Publicadora Brasileira. Junto com seu livro, encomendei também um exemplar da tese doutoral do pastor Paulo Cilas, que investigou a história das Séries de Estudos Bíblicos utilizadas no Brasil pela Igreja Adventista do Sétimo Dia, desde o início do século passado. A decepção começou com a demora para a entrega dos livros, pois fiz o depósito bancário do valor referente aos livros e despesas postais em 17 de junho de 2003 e só fui recebê-los em 18 de julho, depois de muitos interurbanos e e-mails, em que cheguei a questionar se a aparente recusa em atender meu pedido teria algum componente de retaliação, por causa de minha atuação como editor do Adventistas.Com. Em relação ao trabalho do pastor Paulo Cilas, frustrei-me relativamente, pois esperava uma documentação mais completa acerca do conteúdo das séries de estudos bíblicos já adotadas pela IASD. Como o registro mais minucioso do conteúdo das séries de estudos não era o propósito de sua tese doutoral, nem estava previsto como tarefa complementar, tive de me contentar com a mera comprovação de que a doutrina da trindade só passou a constar entre os temas preparatórios para o batismo, na IASD do Brasil, a partir do fim da década de 60 e início dos anos 70, segundo um dos apêndices do livro. Tão logo seja possível, pretendo publicar aqui um texto que tratará mais especificamente dessa constatação feita através da tese do pastor Paulo Silas. Por hora, gostaria de comentar minha decepção quanto ao teor do livro do pastor Luiz Nunes.
História mal contada Em lugar de investigar e analisar a história do Cristianismo como uma sucessão de vitórias surpreendentes em momentos de crise, obtidas graças à ação todo-poderosa do Espírito de Deus, cujo Filho garantiu que as portas do inferno não prevaleceriam contra Sua igreja, Luiz Nunes reconta a história cristã como uma série de crises que exigiram a sábia e sempre eficiente intervenção da Administração, como autoridade que governa sobre a Igreja, mediante poder delegado, segundo ele, por Cristo. Nos parágrafos iniciais de sua tese, Luiz Nunes já reduz os eventos que constituem a história tanto do cristianismo primitivo quanto da IASD a uma mera seqüência de crises administrativas. Assim, formula desde o início um pseudo-problema que exigirá como solução, no decorrer dos períodos analisados, a ação providencial e salvadora da Administração:
Nas páginas seguintes, a legitimação da Administração, através de sua divinização, torna-se cada vez mais evidente. À página 23 da tese, por exemplo, encontramos a informação de que a autoridade supostamente conferida por Cristo à liderança da igreja era tão inquestionável que suas orientações e decisões eram acatadas como "a Palavra de Deus", tornando-se "normativa para todo os seus membros". É dito ainda, nessa mesma página, que "o futuro evangelístico da Igreja" e "até sua própria existência" estariam em risco se "a autoridade maior da liderança eclesiástica" não houvesse encontrado uma solução:
Note que a tese, que garantiu o título de doutor em teologia ao pastor Luiz Nunes, entende até o êxito missionário da igreja cristã primitiva como resultado positivo das ações da Administração. Nada é dito sobre a condução maravilhosa dos acontecimentos por Aquele que é o Soberano do Universo e até os eventos sobrenaturais do Pentecostes se perdem no tempo, como parte de um fato isolado, ocorrido trinta anos atrás. A evangelização do mundo de então é vista como uma realização da própria igreja (mais especificamente da liderança), sem qualquer participação divina. Para Luiz Nunes, Deus e Seu Filho apenas estabeleceram as metas a serem alcançadas pela Administração! Não estou exagerando. Leia a citação abaixo e perceba quem é o único sujeito da ação na frase: "A Igreja Apostólica ... havia atingido o objetivo proposto por Deus..."
Imagine o impacto dessa primeira tese doutoral do SALT sobre o ego dos vaidosos administradores da Igreja Adventista do Sétimo Dia, no Brasil. Embora contrarie completamente o registro e os ensinos bíblicos, a nota máxima e com louvor deve ter sido garantida antes mesmo de sua avaliação pela banca. Para que tivesse real valor uma tese dessa natureza teria de ser avaliada por teólogos descompromissados com a Administração, que tivessem carta branca para discordar do orientador, o Ph.D. Alberto Ronald Timm, de cuja capacidade intelectual e sinceridade espiritual começo a desconfiar. Não é possível que o pastor, professor, diretor do Centro de Pesquisas EGW, Dr. Alberto R. Timm, orientador da tese do pastor Luiz Nunes, tenha lido e deixado passar frases como estas:
Note: segundo a última frase do parágrafo acima, não foram os ensinamentos de Cristo, em que se fundamentava a mensagem apostólica, nem o maravilhoso poder prometido e concedido por Ele, que impulsionaram a Igreja para o cumprimento da missão, mas, sim, a mensagem dos apóstolos e a decisão do concílio.
Lógica da serpente Acompanhe a sinuosa lógica do esforço argumentativo acerca da autoridade supostamente delegada por Cristo à Administração da igreja, desenvolvido nos três parágrafos citados abaixo. Que enrolação verborrágica para tentar legitimar uma cópia maquiada do poder papal para a Igreja Adventista! 9:6). Essa autoridade é expressa no mundo religioso pela auto-revelação divina, fruto da ação do Espírito Santo no profeta (2Pe 1:21). Portanto, "revelação é a chave da autoridade religiosa," e à Igreja ela é delegada. A autoridade absoluta está em Jesus Cristo (Mt 28:18); a definição autoritativa da verdade está nas Escrituras (Jo 17:17) e a fonte dela é o Espírito Santo (2Pe 1:19-21). Ela foi transmitida aos apóstolos ao serem escolhidos por Cristo (Lc 6:13-16). Estes por sua vez constituíram os presbíteros e diáconos, formando, ao lado dos profetas, pastores e mestres, a autoridade da Igreja tanto universal como local, que têm na revelação a única autoridade infalível, o tribunal onde todas as questões teológicas devem ser resolvidas (At 6:1-7; Tt 1:5; 2Pe 1:12-21). O governo eclesiástico será eficiente se ele, juntamente com a comunidade a que serve, acatar o seu próprio sistema de autoridade pré-estabelecido. Pág. 41. Desculpe a insistência, mas leia de novo o parágrafo acima e perceba que Luiz Nunes primeiro afirma que "a autoridade absoluta está em Jesus Cristo" para, mais adiante, acrescentar que "ela foi transmitida aos apóstolos" e seus sucessores. Ela, quem? A autoridade absoluta! E quando afirma que a fonte da autoridade é o Espírito Santo, o que pretende dizer nas entrelinhas é que a imposição de mãos dos apóstolos sobre os presbíteros e diáconos, repetida sucessivas vezes nas ordenações havidas desde então, teria outorgado a essa classe de pessoas um poder e autoridade especiais sobre a igreja de Deus. Esse trecho da tese é, portanto, a cópia adventista da doutrina católica da sucessão apostólica, que justificaria a existência entre nós de um clero privilegiado, composto pelos administradores e pastores. Veja agora como o pastor Luiz Nunes, orientado pelo doutor Alberto R. Timm, depois de tentar fundamentar o régio poder na IASD, em seguida, procura justificar a existência de um organograma hierárquico no corpo espiritual dAquele que deveria ser a única cabeça da Igreja: lizarem por atividades similares (At 6;3). Criando a função do diaconato, os apóstolos dando uma grande passo na organização da Igreja, ainda mantiveram o lugar da autoridade da Igreja na solução de seus litígios. -- Pág. 45 da Tese. A argumentação acima pode até fazer algum sentido, mas destoa completamente das recomendações do Filho de Deus a aqueles que escolheu como núcleo inicial de Sua igreja: Mateus 20:25-28. (Veja também Marcos 10:42-45.) Vós, porém, não sereis chamados mestres, porque um só é vosso Mestre, e vós todos sois irmãos. A ninguém sobre a terra chameis vosso pai; porque só um é vosso Pai, aquele que está nos céus. Nem sereis chamados guias, porque um só é vosso Guia, o Cristo. Mas o maior dentre vós será vosso servo. Quem a si mesmo se exaltar será humilhado; e quem a si mesmo se humilhar será exaltado. -- Mateus 23:8-12. Suscitaram também entre si uma discussão sobre qual deles parecia ser o maior. Mas Jesus lhes disse: Os reis dos povos dominam sobre eles, e os que exercem autoridade são chamados benfeitores. Mas vós não sois assim; pelo contrário, o maior entre vós seja como o menor; e aquele que dirige seja como o que serve. Pois qual é maior: quem está à mesa ou quem serve? Porventura, não é quem está à mesa? Pois, no meio de vós, eu sou como quem serve. -- Lucas 22:24-27. Depois de lhes ter lavado os pés, tomou as vestes e, voltando à mesa, perguntou-lhes: Compreendeis o que vos fiz? Vós me chamais o Mestre e o Senhor e dizeis bem; porque eu o sou. Ora, se eu, sendo o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também. Em verdade, em verdade vos digo que o servo não é maior do que seu senhor, nem o enviado, maior do que aquele que o enviou. Ora, se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as praticardes. -- João 13:12-17. Foi assim que Deus disse! Em lugar da autoridade hierárquica, com níveis de ascensão, Jesus propôs a fraternidade no serviço, com níveis sempre descendentes. Quem quiser ser o maior, deve se abaixar e lavar os pés do outro! Poderíamos falar de pirâmide invertida ou "amargonagro" (organograma ao contrário), mas não há ilustração melhor do que esta de João, capítulo 13, cujo significado se perdeu ao longo dos rituais das cerimônias de lavapés e santa ceia, repetidos mecanicamente a cada três meses nas igrejas.
Serviço de aperfeiçoamento e identificação Apesar de tudo, Luiz Nunes e seu orientador insistem em contrariar a Bíblia, superestimando a importância da Administração e atribuindo a ela a sobrevivência do Cristianismo.
Portanto, todas as crises são uma ameaça à unidade e à realização da missão evangélica. A Igreja Cristã Primitiva, contudo, soube administrar suas crises tão eficientemente que manteve a unidade do corpo de Cristo, por isso Paulo pôde declarar em 65 AD: "Não vos deixando afastar da esperança do evangelho que ouvistes e que foi pregado a toda criatura debaixo do céu, e do qual eu, Paulo, me tomei ministro" (Cl 1:23). Págs. 53-54 da tese. Citam ao apóstolo Paulo, mas se esquecem das explicações inspiradas que fez acerca do verdadeiro papel a ser desempenhado pelos apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres, cujos dons são uma concessão do Filho de Deus "com vistas ao aperfeiçoamento dos santos" e "a edificação do corpo de Cristo". Co-operação ou co-laboração é o que a Igreja espera daqueles a quem Cristo nomeou como servos, não como líderes ou administradores. Para Paulo, apenas Cristo é a cabeça e único modelo a ser seguido:
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