O medo, a fé e a imaginação alimentam a crença de que o fim
do mundo está próximo
A Bíblia e o Apocalipse
O maior livro do verão trata do fim do mundo. Ele é também é um sinal de
nossos tempos agitados
Nancy Gibbs
Time
O que mais lhe interessa quando você assiste ao noticiário? Sinais de que as
taxas de juros poderão aumentar, o que talvez signifique que seja hora de buscar
um refinanciamento. Sinais do aquecimento global, o que talvez signifique que
seja hora de esquecer aquele novo utilitário esporte. Sinais de novas atividades
terroristas, o que talvez signifique que seja melhor pensar duas vezes antes de
pegar aquele vôo para Chicago.
Ou sinais de que o mundo pode estar chegando ao fim, e que a última batalha
entre o bem e o mal está prestes a ocorrer? Para os cristãos evangélicos
interessados nas profecias, as manchetes sempre vêm com asteriscos que apontam
para as notas de rodapé das Escrituras. É desta forma que Todd Strandberg lê seu
jornal. De dia, ele conserta aviões na Base Offutt da Força Aérea em Bellevue,
Nebraska. Mas nas suas horas de descanso, ele é o webmaster do site raptureready.com
e inventor do Índice do Arrebatamento, que ele chama de um "índice Dow Jones da
atividade do final dos tempos". Ao invés de ações, ele rastreia as profecias:
terremotos, inundações, pragas, criminalidade, falsos profetas e medições
econômicas como o desemprego, que geram instabilidade e perturbação social, que
por sua vez abrem o caminho para o Anticristo. Em outras palavras, o quão perto
estamos do fim do mundo. O índice atingiu sua maior alta em 24 de setembro, ao
chegar aos 182 pontos, enquanto seu servidor quase entrou em colapso devido ao
peso do acesso de 8 milhões de visitantes: qualquer leitura acima de 145, disse
Strandberg, significa "aperte os cintos".
Não é o fim do mundo, nossas mães sempre nos disseram. Isto sempre ajudou a
colocar o leite derramado em perspectiva, mas também servia como uma introdução
para um ponto de referência básico humano. Aparentemente nós nascemos com um
instinto de que o fim está lá em algum lugar. Nós temos um impulso cultural para
imaginá-lo -e mantê-lo acuado. Assim como todas as culturas têm suas histórias
para a criação, elas também têm suas visões do final, da Bíblia às histórias
milenares dos maias. Geralmente as fábulas habitam em nosso inconsciente, ou
não, já que damos continuidade às nossas vidas, condicionados a achar que por
pior que as coisas estejam, não é você já sabe o quê. Mas há momentos na
história humana em que instinto, fé, mito e os eventos atuais se somam para
criar uma tempestade perfeita de preocupação. As visões do fim despontam na
mente das pessoas de muitas formas, do entretenimento à fascinação
supersticiosa, passando pela crença mais fervorosa. Este parece ser um destes
momentos.
A experiência do outono passado -os ataques terroristas, as mortes por antraz-
não apenas aprofundou o interesse entre os cristãos fluentes na linguagem do
Armageddon e do Apocalipse. O interesse se estendeu até um público que nunca
tinha prestado muita atenção às previsões apocalípticas do profeta Nostradamus,
ou tinha se preocupado com a batalha épica que marca o final dos tempos, ou
neste caso, lido o livro do Apocalipse da Bíblia. Desde 11 de setembro, pessoas
dos cantos mais indiferentes do cristandade começaram a fazer perguntas sobre o
que a Bíblia tem a dizer sobre como o mundo acabará, e os pregadores têm
respondido às perguntas com sermões que não imaginariam que estariam fazendo há
um ano. E até mesmo entre os americanos mais seculares, há alguns que viram uma
profecia na fumaça das torres em chamas -apesar de estar mais ligada à leitura
que fizeram na praia do que com seus estudos da Bíblia.
Isto porque entre os livros de ficção mais vendidos dos últimos tempos -ao lado
de Tom Clancy e Stephen King- está uma série sobre o Final dos Tempos, escrita
por Tim F. LaHaye e Jerry B. Jenkins, baseados no livro do Apocalipse. Tal parte
da Bíblia sempre manteve seus mistérios, mas para milhões de pessoas o código
foi revelado em 1995, quando LaHaye e Jenkins publicaram "Deixados para Trás:
Uma Ficção dos Últimos Dias" (Left Behind: A Novel of the Earth's Last Days).
Pessoas que não leram o livro ou suas seqüências geralmente nunca nem mesmo
ouviram falar sobre eles, mas o sucesso deles é uma nova evidência de que o
interesse pelo Final dos Tempos não é um fenômeno marginal. Apenas metade dos
leitores de "Deixados para Trás" são evangélicos, o que sugere que há um público
maior interessado no assunto.
Uma pesquisa Time/CNN revelou que mais de um terço dos americanos agora está
prestando mais atenção em como as notícias podem estar relacionadas ao fim do
mundo, e que já conversaram sobre o que a Bíblia tem a dizer sobre o assunto.
59% disseram acreditar que os eventos narrados no Apocalipse se concretizarão, e
cerca de um quarto acha que a Bíblia previu o ataque de 11 de setembro.
Parte do interesse é alimentado pela fé, parte pelo medo, parte pela imaginação,
mas todos os três são atendidos pela série "Deixados para Trás". Os livros
oferecem aos leitores uma descrição intensa, violenta e altamente detalhada do
que acontecerá para aqueles que forem deixados para trás na Terra para combater
o Anticristo depois que Jesus realiza o arrebatamento, ou a condução dos fiéis
ao céu. No início do Livro 1, em um 747 saído de Chicago para Heathrow, as
comissárias de bordo repentinamente encontram metade dos assentos vazios, exceto
pelas roupas, anéis de casamento e obturações dentárias dos crentes que foram
levados repentinamente para o céu. Em terra, carros estão batidos, maridos
acordam e encontram apenas uma camisola ao seu lado na cama, e todas as crianças
com menos de 12 anos também desapareceram. Os nove livros seguintes narram as
tribulações sofridas por aqueles deixados para trás e a luta deles para serem
salvos.
A série já vendeu cerca de 32 milhões de exemplares -50 milhões se você contar
as versões em quadrinhos e as versões para crianças- e as vendas saltaram 60%
depois de 11 de setembro. O Livro 9, publicado em outubro, foi o romance mais
vendido de 2001. Os pastores evangélicos promovem os livros como leitura
devocional; alguns padres os lêem para saber o que suas congregações estão
pensando, assim como políticos, estudiosos e pessoas cujo trabalho é saber quais
são os temores e esperanças na mente das pessoas em tempos de grandes
incertezas.
Agora, o 10º. Livro, "The Remnant" (os remanescentes), está chegando às
livrarias, com uma tiragem de tirar o fôlego de 2,75 milhões de exemplares de
capa dura, e seu impacto poderá ser sentido muito além dos clubes do livro e das
aulas de estudos da Bíblia. Para alguns leitores evangélicos, os livros
"Deixados para Trás" são mais do que uma orientação espiritual: eles são uma
agenda política. Quando eles lêem nos jornais sobre as crescentes ameaças à
Israel, eles não se preocupam apenas por sua aliada democrática na guerra contra
o terror; eles também se preocupam com o povo escolhido de Deus e com o destino
da terra na qual os eventos devem se desdobrar de uma forma específica para que
Jesus volte. Tal combinação ajuda a explicar o motivo de alguns líderes cristão
não apenas terem se solidarizado com os judeus como nunca fizeram antes, mas
também pressionarem a Casa Branca de Bush como se sua salvação dependesse disto.
Walter Russell Mead estava sentado em seu escritório no Conselho de Relações
Exteriores em Manhattan em uma tarde agradável de junho, trabalhando em um livro
que nasceu em setembro passado. Ele publicou uma aclamada história da política
externa americana no ano passado e estava trabalhando em um estudo sobre a
formação de uma classe média global. Mas ele colocou isso de lado. Empilhados ao
redor dele estão o Alcorão, a Bíblia, livros de tecnologia e os livros da série
"Deixados para Trás". Quando Mead prevê que nosso século será lembrado como a
Era do Apocalipse, não é a intenção dele sugerir que o mundo vá terminar em
breve em um holocausto chamejante. "A palavra apocalipse", ele observa, "vem da
palavra grega que significa literalmente 'levantar o véu'. Em uma era
apocalíptica, as pessoas sentem que o véu da realidade normal, secular, está
sendo levantado, nos permitindo ver os bastidores, ver onde Deus e o diabo, o
bem e o mal, estão lutando para controlar o futuro". A ponto de mais pessoas nos
Estados Unidos e ao redor do mundo acreditarem que a história está acelerando,
que as profecias antigas estão sendo cumpridas em tempo real, "isto muda a forma
como as pessoas se sentem em relação às circunstâncias, e a forma como agem. Os
tons de cinza estão começando a desaparecer na visão de mundo das pessoas, que
estão começando a ver as coisas em termos mais pretos e brancos".
Nos extremos religiosos dentro do Islã, isto significa que veremos mais
homens-bomba suicidas: se o juízo final de Deus está próximo, o martírio tem um
apelo especial. Quanto mais promoverem sua causa como uma luta contra o Grande
Satã, mais eles reforçarão a crença em alguns setores americanos de que a guerra
contra o terror não poderá ser vencida com um tratado ou com diálogo, mas apenas
com a vitória ou a derrota total. Os extremistas de ambos os lados vêem os
eventos contemporâneos como uma validação de seus textos sagrados; cada um usa o
outro para definir sua visão do plano divino.
Em tal época de incerteza, é um instinto humano natural procurar por algum bom
propósito nas sombras até mesmo dos eventos mais assustadores -e para alguns
leitores, isto é fornecido pela teologia dos livros "Deixados para Trás". Alguns
tropeçam na série por acidente, e são fisgados. Deborah Vargas, 46 anos, de São
Francisco, comprou seu primeiro livro da série "Deixados para Trás" na Target em
janeiro, enquanto procurava por uma boa leitura. Ela obteve mais do que
esperava, especialmente depois de 11 de setembro. "É quase como se fosse uma
mensagem saída da própria Bíblia", disse ela. "Algo dentro de mim começou a
mudar, e eu comecei a me questionar. O que eu estava esperando? Um sinal?" De lá
para cá, ela disse, a vida dela foi transformada, e ela agora freqüenta
regularmente as salas de bate-papo de "Deixados para Trás". "Eu quero conversar
sobre ele o tempo todo".
Converse com as pessoas que já tinham a tendência de ler as profecias nas
manchetes e você notará a empolgação delas, até mesmo uma ansiedade em saber o
que acontecerá a seguir. "Nós sentimos que estamos muito próximos de algo
apocalíptico, mas que algo positivo resultará disto", disse Doron Schneider, um
evangélico baseado em Jerusalém. "É como uma mulher em trabalho de parto. A
mulher sente a dor chegar ao máximo quando a criança está nascendo -e então ela
não sente mais dor, apenas a alegria do evento feliz". Até mesmo o horror de 11
de setembro foi vivenciado de forma diferente pelas pessoas que vêem a mão de
Deus em tudo. Strandberg admite que ficou "alegre" com o fato dos ataques
poderem ser um sinal de que o Final dos Tempos está próximo. "Muitos
comentaristas de profecias têm o que considero uma falsa tristeza em relação a
certos eventos", disse ele. "Nos seus corações eles sabem que isto significa que
estão mais próximos de seu desejo supremo".
Pessoas que desconhecem as profecias nem sempre encontram muito conforto nestas
coisas. Quando Dave Cheadle, um pastor leigo de Denver de um ministério no
centro da cidade, enviou uma carta pela Internet após 11/09 sugerindo que o
Apocalipse era uma leitura relevante para a compreensão do que estava
acontecendo, ele recebeu uma resposta imensa -e assustada: "As pessoas se
perguntavam se estavam preparadas para morrer. Pessoas sãs, de boa formação
cultural, foram até o porão que serve de abrigo para tempestades para verificar
se tinham água e alimentos desidratados suficientes". Algumas tiveram
dificuldade em conciliar a imagem de um Deus piedoso com os alertas assustadores
que estavam lendo. "Eles estão pedindo que acreditemos em um Deus que não pode
esperar para tirar a tripulação cristã dos aviões, permitindo que caiam?"
pergunta Paul Maier, um professor de História Antiga da Universidade do Oeste de
Michigan e autor de livros de ficção cristã, que considera os livros "Deixados
para Trás" como deidades que ele não reconhece. "Não dá para acreditar em um
Deus que faria tal coisa".
Outros, já crentes, passaram o último inverno sentindo a necessidade de mudar de
tática, mudar de emprego, encontrar um novo meio de transmitir a mensagem
urgente. Rick Scarborough, pastor da Primeira Igreja Batista de Pearland, Texas,
um subúrbio de Houston, abandonou o púlpito neste mês para dedicar toda a sua
energia no incentivo de que os cristãos se envolvam politicamente. "Eu estou
mobilizando os cristãos e os estimulando a votar. Eu estou preparando uma frente
da virtude", disse ele. Enquanto isso, o senador do estado do Wyoming, Carroll
Miller, um legislador popular de Big Horn, anunciava sua aposentadoria da
política para que pudesse dedicar mais tempo para falar em igrejas e clubes de
homens, visando ajudar as pessoas a lidarem com a perspectiva do Segunda Vinda.
"É muito importante que nós, como uma nação cristã, saibamos o que as Escrituras
disseram sobre estes dias", disse ele. "Eu estou dedicando meu esforço pessoal
para meu próprio bem, assim como para o bem da minha família e de meus amigos".
Miller conhece pessoas que prepararam Bíblias com índice para as passagens
relevantes sobre o que acontecerá durante a Tribulação, para que seus amigos e
parentes que ficarem para trás saibam como se preparar para os terremotos,
gafanhotos e escorpiões: quando "o sol se tornar tão negro quanto roupa fúnebre
e a lua se tornar vermelha como sangue". Depois de algum tempo, avistar o
Anticristo ocorre naturalmente: quando o secretário-geral da ONU, Kofi Annan,
diz ao Fórum Econômico Mundial que a globalização é a melhor esperança de
resolver os problemas do mundo, quando o fórum apresenta a idéia de uma "nações
unidas das principais religiões", quando a privacidade é sacrificada em nome da
segurança, as manchetes são listadas nos sites de profecias na Internet como
sinais de que o Anticristo está ocupado realizando seu trabalho. "Ele
provavelmente é um homem de boa aparência", disse Kelly Sellers, que é dono de
uma negócio de pedras decorativas em Minneapolis, Minnesota. "Eu tenho certeza
que ele está na política neste momento e que provavelmente aparece um pouco aos
olhos do público". Sellers já leu todos os livros da série "Deixados para Trás"
e está esperando "ansiosamente" pelo próximo. "Eles me ajudaram a olhar para as
notícias sobre do que está acontecendo em Israel e na Palestina", que ele
acredita "estarem prenunciando o Final dos Tempos, algo que é emocionante para
mim".
Sua cunhada, Jodie, acha que a tecnologia é chave para acelerar o Final dos
Tempos. " 'Quando Cristo voltar, todos os olhos O verão'", ela cita o livro do
Apocalipse. Graças à CNN e à Internet, "nós estamos chegando ao ponto onde todos
os olhos realmente poderão assistir a tal evento". Os livros foram o suficiente
para persuadir Sandra Keathley, uma funcionária da Boeing, em Wichita, Kansas, a
não comprar o Windows XP da Microsoft, porque ela ouviu rumores de que ele
possui um método de rastreamento de e-mails. (Na verdade, o programa tinha um
bug na mensagens instantâneas, que posteriormente foi consertado.) Se o
Anticristo vier, ela temia, "e você quiser contatar outro cristão, ele poderão
vê-lo, rastreá-lo".
O público crescente para literatura apocalíptica atinge até mesmo os
protestantes, que dedicaram pouco tempo ao fogo e enxofre. "Passavam-se anos sem
que alguém me perguntasse sobre o Final dos Tempos", disse Thomas Tewell,
ministro da Igreja Presbiteriana da Quinta Avenida em Manhattan -um local pouco
apto ao fervor apocalíptico. "Mas desde 11 de setembro, advogados e corretores
da Bolsa de Nova York, cínicos, durões, que nunca se sensibilizam por nada,
começaram a perguntar: 'O mundo vai acabar?', 'Todos os eventos previstos na
Bíblia ocorrerão?' Eles desejam fazer as pazes com Deus. Eu nunca vi nada
parecido em meus 30 anos de ministério".
Nunca houve uma experiência religiosa comum nos Estados Unidos, e isto continua
valendo agora: alguns ministros informam que atualmente, quando anunciam que
pregarão a respeito do Apocalipse, a freqüência aumenta em pelo menos 20%. Mas
em outras partes a freqüência à igreja voltou para ao mesmo patamar de antes de
11 de setembro, e tais pastores vêem pouco sinal de apreensão existencial. O
pastor Ted Haggard, que abriu uma igreja em seu porão em Colorado Springs,
Colorado, e que atualmente conta com 9 mil fiéis, atribui o aumento no interesse
pelo Final dos Tempos ao império de mídia cristão: "Devido à teologia de nossa
igreja, eu não acho que estejamos perto da Segunda Vinda", disse ele. "Mas
muitos setores importantes da mídia cristã acreditam no cumprimento das
profecias, e as pessoas respondem a isto. As pessoas adoram a melancolia e a
ruína. As pessoas adoram o juízo iminente. Em primeiro lugar, elas anseiam em
ver Jesus, e em segundo, elas aguardam pela justiça que Jesus trará à Terra na
Segunda Vinda".
Na biblioteca dos seminários é difícil encontrar livros de estudiosos sobre a
teologia apocalíptica, pois os acadêmicos tendem a tratar esta tradição como de
interesse da sociologia. Eles vêem o interesse pelo Final dos Tempos como algo
que cresce e diminui em ciclos de cataclismas e calma. As massas se convenceram
de que o final estava próximo quando Roma foi saqueada em 410, quando a Peste
Negra dizimou um terço da população da Europa do século 14, quando tremores
tectônicos do terremoto de Lisboa de 1755 fizeram os sinos das igrejas soarem em
locais tão distantes quanto a Inglaterra, e certamente depois de 1945, quando
pela primeira vez os seres humanos empregaram um poder capaz de provocar sua
destruição total; não um ato de Deus, mas um ato do homem.
Os Estados Unidos, um país nascido com um senso de que providência divina estava
prestando atenção desde o início, sempre tiveram uma queda por profecias. Com
sua profunda história religiosa mas sem uma igreja estabelecida, este país
sempre abraçou freelancers e empreendedores religiosos. Tanto os visionários
quanto os charlatões têm acesso ao altar. Foram necessários os eventos chocantes
da metade do século passado para tirar o pensamento apocalíptico dos redutos
fundamentalistas e popularizá-lo. A ascensão de Hitler, um homem perverso que
queria matar os judeus, parecia uma história bíblica; sua destruição, e a
subseqüente volta dos judeus para Israel depois de 2 mil anos, assim como a
tomada da Cidade Velha de Jerusalém pelos israelenses em 1967, foram
considerados tanto por judeus quanto por cristãos como evidência da obra de
Deus. Israel controlava novamente o Monte do Templo, um local tão sagrado para o
Islã quanto para a cristianismo e para o judaísmo, a ponto da simples visita do
primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, ao local ter sido suficiente para
detonar o atual levante palestino. O Monte do Templo é o local da Mesquita de Al
Aqsa, um dos locais mais sagrados para o Islã, mas que também é o local onde
cristãos e judeus acreditam que um novo templo deve ser reconstruído para que o
Messias possa vir. Certa vez um evangélico australiano tentou incendiar a
mesquita para abrir o caminho, e até hoje ase excepcionalmente rígida, por temor
de que aqueles que interpretam as Escrituras literalmente possam não apenas se
limitar a acreditar nas promessas dos profetas, mas também possam querer dar uma
mão.
Mas foi necessário algo mais, um empreendedor teológico preeminente, para
envolver o grande público americano na tradição apocalíptica. "A Agonia do
Grande Planeta Terra" (The Late Great Planet Earth) de Hal Lindsey, publicado em
1970, se tornou o livro de não-ficção best seller de sua década; a Time chamou
Lindsey de "o Jeremias de nossa geração" por seu argumento detalhado de que o
fim estava se aproximando. "Este foi o primeiro livro que li sobre os últimos
dias, e ele mudou minha vida", disse George Morrison, pastor da Capela da Fé
Bíblica em Arvada, Colorado, onde o número médio de fiéis nas manhãs de domingo
é de 4 mil. "Repentinamente, eu tomei ciência de que havia uma ordem nesta
coisa". A explicação de Lindsey para os alertas da Bíblia vieram no mesmo
instante em que tinha início uma reação ao liberalismo dos anos 60, um eco da
reação no século 18 ao Iluminismo. Lindsey capturou o momento que deu início a
uma década de ressurgimento evan gélico, quando pela primeira vez em gerações os
fiéis se organizaram para deixar sua marca neste mundo, e não no próximo.
A eleição de Ronald Reagan trouxe o "sionismo cristão" para dentro da Casa
Branca: Lindsey serviu como consultor para questões do Oriente Médio para o
Pentágono e para o governo israelense. O secretário do Interior, James Watt, um
pentecostal, ao discutir questões ambientais, observou: "Eu não sei quantas
gerações futuras podemos contar até a volta do Senhor". O secretário de Defesa,
Caspar Weinberger, afirmou: "Eu li o livro do Apocalipse e, sim, eu acredito que
o mundo vai acabar -por um ato de Deus, eu espero- mas todo dia eu acho que o
tempo está se esgotando". Não foi por acaso que Reagan fez seu discurso do
"império do mal" em um encontro da Associação Nacional dos Evangélicos.
Nunca pareceu fazer diferença o fato das previsões de Lindsey terem ultrapassado
seu "prazo de validade": durante a Guerra do Golfo, as vendas de seu livro
saltaram 83%, à medida que as pessoas temiam que Saddam Hussein estava
reconstruindo a Babilônia e arrastando o mundo para sua última batalha.
Atualmente Lindsey vê seus alertas serem vingados quase que diariamente. "Os
terroristas muçulmanos vão atacar novamente os Estados Unidos, e nos atacar tão
duramente a ponto de deixarmos de ser uma das maiores potências do mundo", disse
ele. "Isto não está longe". Ele disse que quando ele escreveu seu livro best
seller, muitas pessoas não levaram sua profecia a sério. "Eu fui chamado de
falso profeta por dizer nos anos 1970 que haveria um Estados Unidos da Europa,
mas há um agora. As pessoas têm assistido este cenário se formando, e é por isso
que tantas pessoas acreditam atualmente que estamos em meio aos últimos dias".
Na verdade, quanto mais os evangélicos se envolvem na política, mais eles se
envolvem com o mundo do aqui e agora, e o interesse na teologia do Final dos
Tempos cada vez mais migra para o reino do entretenimento. E muitosargumentam
que isto é um bom sinal. Nem todos os evangélicos abraçam a teologia do Final
dos Tempos, e alguns até mesmo a consideram uma distração perigosa. Jesus disse
que quando se trata da hora do Juízo Final, "ninguém sabe, nem mesmo os anjos no
céu, mas apenas Meu Pai". Sob esta luz, se os cristãos são convocados a
depositar sua fé em Cristo, isto mina a confiança na leitura dos sinais,
independente dos sinais que vêem, os motivando a se concentrarem não no que não
é possível saber, mas sim no que deve ser feito: curar os doentes, ajudar os
pobres, divulgar o Evangelho.
É uma coisa se tornar politicamente ativo para empregar o Evangelho para
melhorar a vida das pessoas, outra tentar promover um cenário religioso
específico. Os Intercessors for America (intercessores pela América), um
ministério de oração de 30 anos, ajuda a manter as pessoas com ligações
políticas conectadas por meio de alertas por e-mail e correntes de oração por
telefone. O alerta de oração de 11 de junho implorava: "Senhor, promova líderes
de governo em Israel, nos Estados Unidos (e em todo o mundo) que não busquem
'dividir a terra', e que reconheçam o significado único de Jerusalém nos
propósitos de Deus para o final dos tempos". Uma recusa em considerar a retirada
de Israel de qualquer território ocupado tenderia a complicar o processo de paz:
virtualmente todas as propostas envolvem uma troca de terra pela paz. Mas ao
mesmo tempo, "se esta onda de terrorismo continuar sem que surja em breve um
tratado de paz significativo", previu John Hagee, pastor da Igreja da Pedra
Angular em San Antonio, Texas, que conta com 17 mil fiéis, "as faíscas
produzirão uma terceira guerra mundial. E isto será a chegada do Final dos
Tempos. Isto será o fim do mundo como o conhecemos".
Para muitos fiéis, isto parece menos uma ameaça e mais o cumprimento de uma
promessa. "Se mantivermos nossos olhos em Israel, nós saberemos sobre a volta de
Cristo", disse Oleeta Herrmann, 77 anos, de Xenia, Ohio. "Tudo o que está
acontecendo -guerras, rumores de guerra- no Oriente Médio está acontecendo
segundo as Escrituras". Herrmann é membro da End-Time Handmaidens and Servants
(criadas e servos do Final dos Tempos), um grupo global de missionários que
prega o Evangelho com ênfase nos ensinamentos do Final dos Tempos. 11 de
setembro é a prova de que a crença dela na Segunda Vinda de Cristo está "mais
perto do que nunca", disse Herrmann.
E aí se encontra o paradoxo central desta onda de interesse pelo Final dos
Tempos. Se você acredita que o fim está próximo, a reação deve ser de temor ou
esperança? "Apesar da popularidade da série "Deixados para Trás", muitas pessoas
ainda consideram o Final dos Tempos como algo negativo", escreveu Kyle Watson em
seu site na Internet de notícias de profecias, AtlantaChristianWeekly.com. Ele
acha que os fiéis devem ficar empolgados com o fim do mundo. "Tente ver as
profecias e os atuais eventos como estarmos mais perto de ficar com Cristo no
céu".
Tal impulso de esperança em um final feliz é um que Cal Thomas, um colunista
conservador, vê até mesmo nas perguntas dos discípulos para Jesus. Ele cita
passagens da Bíblia na qual os apóstolos pressionam Jesus em busca de pistas
sobre como se desdobrará o futuro. "É uma comida caseira intelectual, todo este
fenômeno 'Deixados para Trás', porque diz para as pessoas, de forma popular, que
tudo vai sair bem no final", disse ele. "Ele assegura às pessoas, em meio ao
colapso cultural geral e em um momento de crescente perigo, que Deus redimirá o
tempo". Os evangélicos que de alguma forma se sentiram deixados para trás em
termos seculares, por uma cultura vulgar e o temor da decadência moral geral,
apreciam os argumentos de que até mesmo os eventos mais trágicos são evidência
do plano maior de Deus. Na verdade, não é preciso ser religioso para também
torcer por isto.
- Com reportagem de Amanda Bower em Nova York, Rita Healy em Denver, Marc
Hequet em St. Paul, Tom Morton em Casper, Adam Pitluk em San Antonio, Matt Rees
em Jerusalém, Jeffrey Ressner em Los Angeles, Melissa Sattley em Austin e Daniel
Terdiman em São Francisco
Glossário dos termos
Alguns termos normalmente associados às profecias cristãs do fim do mundo,
como foram interpretadas do Apocalipse do Novo Testamento:
O Anticristo: Uma figura maligna que atormentará o mundo e eventualmente
será derrotado por Cristo na batalha do Armageddon.
O Apocalipse: Da palavra grega que significa "revelação" ou "levantar do
véu"; usada para descrever as idéias evangélicas-cristãs do fim cataclísmico do
mundo e o início do reino de Cristo na Terra.
Armageddon: A batalha final entre Cristo e o Anticristo. A vitória de
Cristo sobre as forças do mal em seu reino de 1.000 anos.
O Final dos Tempos: O período durante o qual ocorrerá o Apocalipse; o fim
do mundo como o conhecemos.
O Juízo Final: Quando Cristo, como soberano da Terra, ressuscitará os
mortos e concederá aos virtuosos a vida eterna e ao maus a danação eterna.
O Milênio: O reinado de paz e justiça de 1.000 anos de Cristo na Terra.
Arrebatamento: O ato de Cristo de levar para o céu todos os verdadeiros
crentes.
A Tribulação: Um período de sete anos de desastres que terminará com a
vitória de Cristo sobre o mal no Armageddon.
36% dos americanos acreditam que a Bíblia é a palavra de Deus e que deve ser
entendida literalmente.
59% acreditam que as profecias do livro do Apocalipse se concretizarão.
35% dizem que estão prestando mais atenção às notícias e em como elas se
relacionam ao fim do mundo desde os ataques terroristas de 11 de setembro.
36% dos pesquisados que apóiam Israel dizem que o fazem porque acreditam nas
profecias bíblicas de que os judeus devem controlar Israel antes da volta de
Cristo.
17% dos americanos acreditam que o fim do mundo ocorrerá durante seu tempo de
vida.
Tradução: George El Khouri Andolfato
Fonte:
http://www.uol.com.br/time/ult640u171.shl
Retornar |