O Que o Pelé e os Teólogos Adventistas Têm em Comum?

Pelé, rei do futebol, era considerado “do mal” pela igreja adventista. Jogar futebol era proibido, era pecado. E fazia mal à saúde. Torcer por times de futebol era pecado. Citar futebol em sermões era pecado, exceto para condená-lo. Nos anos 60, ficou marcado em minha memória um sermão do pastor Sesóstris César, no qual, após ridicularizar Roberto Carlos (o cantor, “jovem guarda”), imitando-o caminhar com perna mecânica, atacou Pelé. E condenou com veemência a prática deste esporte. Nos colégios só era permitido basquete e vôlei, pois são “com as mãos”. Mas com dois tijolos de um lado e dois de outro e uma bola de meia, lá estavam os moleques a transgredir a “lei de Deus”. Castigo. Expulsões.

“O futebol é um esporte estúpido e grosseiro, que não se deve coadunar com a superioridade dos legítimos sentimentos cristãos. Como exercício físico, não é recomendável por ser violento e por sua inaptibilidade a climas tropicais como o nosso. O futebol já foi condenado até a idade de 17 anos, por determinar, em geral, hipertrofia e dilatação cardíaca. É uma triste manifestação da inferioridade mental dos jovens da atualidade. Quanto mais vadio, quanto mais ignorante, enfim, quanto mais desinteligente for o indivíduo, mais se deixa empolgar pelo futebol...” (Revista Adventista de Dezembro, pág. 28).

Não julguem mal o pastor Sesóstris. É preciso ver o contexto da época. Sua intenção era mostrar que é errado idolatrar pessoas, no que estava certíssimo. E ele sempre foi um cristão muito melhor que vocês, que ficam aí lendo e escrevendo abobrinhas na Internet. Já o artigo pode ser visto ao pé da letra. Esqueci de dizer, é a Revista Adventista de Dezembro/1951. Mas a mensagem permanece atual. Não quanto ao futebol, hoje praticado por pastores e membros, mas quanto à forma de ofender os discordantes. Chamar os outros de ignorantes, coisa tão Josécarlosramos, e dar diagnósticos médicos esdrúxulos, coisa tão Albertotimm.

Lentamente, o futebol foi sendo aceito. Hoje, há campos de futebol nos colégios, e torneios entre igrejas. A profecia de que o futebol não se adaptaria ao clima tropical parece não ter se cumprido, considerando que da época daquela revista até hoje, Pelé e seus herdeiros ganharam umas cinco copas do mundo, enquanto a Inglaterra, onde surgiu o esporte, só ganhou uma – e com o Pelé machucado.

Há pessoas que reclamam quando se fala de futebol em assuntos religiosos. Mas, na página 113 do livro “A Trindade”, Pelé é citado como exemplo. Com honras. O exemplo é para explicar a situação de Jesus como primogênito. Mudam os tempos, mudam os conceitos...

 

Mas, por que mudou?

Os teólogos não gostam de coisas triviais, portanto, perdi a esperança de ler artigos sérios explicando por que não pode tomar Coca-Cola, mas Pepsi pode, por que pode maiô, mas biquíni não, por que Rock dos anos 70 é pecado, mas dentro da igreja pode. E por que futebol era pecado e agora não é mais. Coisas misteriosas.

Quanto ao futebol, tenho uma teoria. Vou explicar, embora o risco de dar opiniões esteja alto. O “Adventistas.net”, e “Adventistas.com”, pioneiros como “sites de oposição”, além de atacados pela igreja matriz, agora são também criticados pela “dissidência da dissidência”, com um ódio redobrado. É inimigo para todo o lado. Mas, vou defender minha tese.

 

Por que o futebol foi aceito pela igreja?

Dentro da controvérsia milenar entre os que crêem que o Espírito de Deus é uma Pessoa distinta, separada de Deus Pai, e os que crêem que o Espírito de Deus é o Espírito de Deus, não outro Deus e/ou outra Pessoa, um dos grandes problemas surge no epílogo da história da redenção, no final e glorioso triunfo. Quando não houver mais motivo para que as coisas sejam encobertas por mistério e símbolos, quando o mal estiver vencido, todos enfim verão a Deus, em seu trono. E neste fulgurante trono, estarão Deus, todo poderoso, e Seu Filho, o Cordeiro, que foi morto para resgatar os salvos que contemplam a cena. Não sabemos quando será isso, mas lá estarão os salvos, contemplando o glorioso trono “de Deus e do Cordeiro”.

As pessoas que crêem que há três Pessoas divinas no Céu, e que essas três Pessoas formam um conceito abstrato chamado Deus, ficam sem jeito, tendem a falar complicado, nesta parte. Porque é gritante a ausência do Terceiro Deus, ou, Terceira Pessoa, nesta cena. Já não há razão para temor, para dizer as coisas em parábolas. O Diabo, aquele que induz as pessoas a se matar e a se odiar quando discordam pontos doutrinários, já está vencido.

Mas, onde está a Terceira Pessoa da Trindade? Não há mais discórdia. A lei do amor volta a reinar no universo. Então, onde está a Terceira Pessoa? Onde está a Pessoa do Espírito Santo, que é Deus assim como os outros dois, podendo receber orações e adoração? Onde está, para que O adoremos?

Os trinitarianos, quando escrevem sobre o outro consolador, olham com olhar superior para os unitarianos. E estes, coitados, suam para explicar que não é bem assim e etc e tal. O problema é que os trinitarianos precisam, depois, re-explicar toda a Bíblia, adaptar centenas de versos, para entrar em conformidade com sua interpretação sobre o outro consolador. E a coisa complica muito, muito, quando chega em Apocalipse. O livro foi escrito depois da promessa do outro consolador. E a cena é solene. É o fim, a glória. E, onde está o outro?  Podem contar de novo. Só há dois. Deus e seu Filho. Os que lêem a Bíblia perguntam: Onde está a Terceira Pessoa da Trindade nesta importantíssima cena?

Agora que o assunto é religioso, e os que começaram a ler só por causa do Pelé já se foram, posso retornar ao tema inicial. Por que o futebol, após décadas de condenação, foi aceito pela igreja?

 

Minha tese: O futebol foi aceito para facilitar o trabalho dos teólogos.

Um dos argumentos usados contra o futebol é que é praticado com os pés. Esportes com as mãos são “superiores”. Após um jogo de copa do mundo entre o Irã e os Estados Unidos - com vitória do Irã, claro - um editor americano comentou que os esportes “americanos” eram superiores, pois praticados com as mãos, e as mãos é que fizeram diferença durante a evolução do homem, pés só servem para caminhar, etc.

O problema do futebol é que é um esporte de chutes. Não se pega a bola, não se respeita a bola, ela é tratada a chutes e pontapés.

E agora, para provar minha tese, vamos observar os que crêem na Trindade explicar onde está a Terceira Pessoa na cena do Trono.

No Livro “A Trindade”, pág. 99 até 102, o Dr W. Whidden comenta o final da história da redenção, no final do livro Apocalipse. Chegando à cena do trono, ele diz: “Na cena culminante de todo o livro, Pai e Filho são um e iguais”. Ponto para os trinitarianos... Mas, oops, são dois. Nós precisamos de três.

 

“Estaria o Espírito Santo totalmente ausente? Ou Ele participa desta cena de glorioso triunfo?” pergunta (pág. 100).

Explicar a ausência da Terceira Pessoa da Trindade nesta cena seria complicado. Todo mundo vai estar lá! Então, nosso teólogo da Universidade Andrews encontra uma brilhante saída. O rio. Isso mesmo, o Rio da Vida. O Rio da Vida é o Espírito Santo.

Está escrito na Bíblia, em algum lugar, que o Espírito (vento) é rio? Não. Como se chama, então, em linguagem técnica, isto que o teólogo fez? Chute. Um belo chute. Não estou dizendo que ele está errado. Mas afirmo: Não está escrito. É suposição. É teoria. Portanto, é chute.

Mas o jogo não acabou. Calma. Temos bons teólogos aqui no Brasil também.

O site “www.doutrinadventista.com.br” é mantido pelo SALT – IAENE. O coordenador é o pastor Demóstenes Neves. É um site muito agradável de visitar, não é aquele balcão de venda de CDs de música gospel e notícias ufanistas, comum em sites da IASD. Possui bons artigos, resenhas e sermões. Mais que isso, o pastor Demóstenes, ao invés de simplesmente chamar os que crêem de forma diversa de ignorantes, têm aceitado responder de forma objetiva.

Além de respostas específicas, há um didático material sobre a Trindade, doutrina que, tudo indica, defende com sinceridade. São duas apresentações no “PowerPoint”. Na segunda (Trindade2.ppt) no slide 27, lê-se:

 

O ESPÍRITO SANTO NÃO ESTÁ MORANDO NO CÉU

“E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, a fim de que esteja para sempre convosco”, (João 14:16 RA).

Não adianta buscar Seu trono no céu. Ele está na Terra e a igreja e os crentes são Seu Templo onde Ele mora “para sempre”.

Esta é a resposta da teologia brasileira à questão do trono. Enquanto os anti-trinitarianos ficam reclamando que só há dois no Trono, agora está explicado. O Espírito Santo está aqui. Portanto, não está lá, não há razão para um trono para Ele.

O irmão Elpídio, que foi “chutado” para fora da igreja por discordar de teologia feita a chutes, já comentou esta afirmação. Esta é a explicação dos teólogos brasileiros para explicar a ausência da Terceira Pessoa da Trindade na cena do Trono descrita em Apocalipse. Um belo chute, pois mais ou menos baseado em um verso bíblico. Jesus, ao afirmar que o Consolador que seria enviado pelo Pai estaria sempre conosco não disse necessariamente que este Consolador, por estar aqui, também não estaria lá. Os teólogos não ensinam algo sobre onipresença? Mas voltemos aos chutes.

Notaram a direção do chute americano e a direção do chute brasileiro? Para um, a ausência da Terceira Pessoa é explicada com a presença, isto é, Ele estaria presente, mas disfarçado sob forma de rio. Para o outro, a ausência é explicada com a ausência, mesmo. Ele não está lá. Não é onipresente. Está aqui, não lá.

No futebol, este esporte condenável, não basta chutar. É preciso ver para onde a bola foi. Há uma meta, formada por três traves, que os chutadores buscam acertar. Analisaremos primeiro o americano.

 

Para onde a bola foi? Qual a conseqüência do chute do doutor Whidden?

Se o Espírito Santo é uma Pessoa, e é Deus, devendo inclusive ser adorado (pág. 307), e considerando que a cena descrita em Apocalipse é de explícita e total adoração (pág. 96), e, considerando que o Espírito Santo ser o Rio satisfaz os “reclamos trinitarianos da igreja” (pág. 102), teremos, conseqüentemente, milhões de criaturas adorando o Rio. Ajoelhados como os hindus frente ao Ganges, ou os primitivos egípcios frente ao Nilo. Poderão tocar nas águas do Rio, sem ofender ao Deus? E os peixes, também serão santos? Podem parecer perguntas tolas, mas, dizer que o Rio é um Deus não seria a primeira e monumental tolice?

 

Vamos ao chute teológico brasileiro.

O Deus Espírito Santo não está no Céu. Está na Terra, habitando os crentes. E, como Ele é um Deus e deve ser adorado, isto justificaria a adoração a pessoas. (O pastor Vilson, tesoureiro da UEB, vai gostar desta parte).

O problema maior seria no Milênio. Nesta época, os salvos estariam no Céu. Mas, o Deus Espírito Santo não está lá, não adianta procurar seu trono lá, não insistam. Estaria então, preso aqui na terra? Não há outro preso aqui nesta terra durante o milênio? Lúcifer e a Terceira Pessoa da Trindade estariam aqui, juntos? Que teologia absurda! Faz sentido admitir que há uma falha no raciocínio e que, nesta hora, a Terceira Pessoa da Trindade estará lá no Céu sim, mas habitando os crentes, sem precisar de trono. Então, os americanos adorarão o Rio e os brasileiros adorarão uns aos outros. Ou, adorarão os americanos, coisa com a qual já estão mais ou menos acostumados.

Resumindo. O chute brasileiro, embora baseado em um verso, foi para fora, caiu no meio da torcida. O chute americano, bem, eles nunca foram bons nisso mesmo. Nem a bola o teólogo acertou. Chutou o ar e caiu sentado...

 

Conclusão 

As duas explicações não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo. Um diz que está lá, outro diz que não adianta procurar, não está lá. Poderíamos tentar conciliar, está lá e não está, é o Rio e ao mesmo tempo, está dentro das pessoas, o doutor Kellogs iria gostar disso, embora também não entendesse. Não dá para conciliar. A teologia adventista terá de optar entre o chute americano e o chute brasileiro. Parece que o doutor Timm já se manifestou contra a idéia do Rio. Brasil X USA. Se for para decidir no voto, como membro da igreja, voto a favor dos teólogos brasileiros. Erro por erro, ao menos serei patriota.

O pastor Demóstenes avisa em seu site que não é correto o clima de debate. Concordo com ele. Ficar um tentando derrubar o outro a qualquer custo é desleal. Mas, chutar, vale? Um dos argumentos contra o futebol era exatamente que estimulava a rivalidade, a disputa, o querer ganhar a qualquer custo. Este conceito creio que não mudou. Mas se há um assunto que desperta mais ódio e rivalidade que o futebol, é a religião.

Ainda bem que ainda não temos teólogos argentinos no debate... -- Tales Fonseca

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