A Relação Histórica do Papado com o Império

No começo da ascensão do cristianismo, Santo Agostinho (354-430), o bispo de Hipona, reprovou fortemente os romanos por terem abandonado as virtudes da época da república em favor da construção de um colossal império, visto que, por sua dimensão, somente poderia ser mantido pelo flagelo das guerras. Pode-se conjeturar que a mesma reprovação, talvez inspirada em Santo Agostinho, encontra-se hoje na ação do Papa João Paulo II contra a agressão armada movida pelos Estados Unidos e a Grã-Bretanha contra a republica do Iraque.

 

A república virtuosa e o império guerreiro
   

"A história da fé de como este povo amou na sua origem e nas épocas seguintes [a república], e de como [a idéia do império] foi se infiltrando provocando as mais sangrentas sedições e guerras civis, e de como ele [o império] rompeu e corrompeu a concórdia que é de certa forma a saúde do povo...a mesma grandeza do império deu origem a pior das laias, às guerras sociais e civis."

Santo Agostinho - A Cidade de Deus, 413-426

Os extremos: S.Agostinho e Tibério

“Como poderia”, inquiriu Santo Agostinho no A Cidade e de Deus (Livro III, X), “o Império Romano estender ao mundo todo seus domínios e expandir por toda a parte sua glória, sem contínuas e sucessivas guerras?” Detestando a soberba e a exposição de valentia que as conquistas provocavam, ele idealizou os tempos da republica romana, época anterior a do império, quando os romanos não haviam ainda sido tocados pela ambição e pela voracidade por botins de guerra. Comparou os dois regimes, o republicano e o imperial, aos corpos de dois homens. Um deles - o de corpo republicano - , seria de tamanho normal, alguém satisfeito com o que a natureza lhe provera, mediano e com saúde. O outro porém – o de corpo imperial - era do talhe de um gigante, de um tal tamanho que seus membros avantajados só lhe davam incômodo e dores porque a dimensão dele era proporcional ao sofrimento que causava.

Entendeu Agostinho, os idos republicanos como uma longa temporada em que todos andavam satisfeitos com o que tinham, contentes com sua sorte, repelindo a alegação dos pró-imperialistas que absolviam aquele sem fim de assédios e massacres dizendo que Roma estava sempre ameaçada por inimigos que lhe invejavam o destino e a grandeza. Como não tinham quem brigasse por eles, sustentava o historiador Caio Salústio Crispo (86-34 a.C.), um dos tantos admiradores das guerras romanas, visto seus aliados sentirem-se acovardados, cabia sempre a gente do Lácio, os filhos da Loba, empunhando o gládio, resistir às armas inimigas. Longe estavam os romanos de ir atrás de louvores ou honras militares, diziam os imperialistas, pois os legionários lutavam, isso sim, pela liberdade e para salvar as suas vidas.

 

Paganismo e imperialismo

Santo Agostinho, de certo modo, atribuiu aquela mentalidade belicosa e expansionista deles ao paganismo, à crescente chegada de “divindades exóticas” vindas dos quatro cantos do mundo, exigindo cada uma delas templos, louvores, mirra e incenso. Era uma interminável multidão de deuses de todo o gênero, “naturais, adventícios, celestes, terrestres, infernais, marinhos, fontais e fluviais”, que teoricamente, dado sua abundância, comentou ele ironicamente, deveria ser mais do que suficiente para proteger a cidade para sempre. No entanto, não era isso o que se dava.

Seja como for, ele viu na avidez imperialista a grande desgraça dos romanos, pois arrastou-os para campanhas de conquista que somente poderiam ser sustentadas pelo apelo constante ao rufar dos tambores de guerra. Não tardou para que a lógica dos acampamentos predominasse sobre as instituições, condicionando o Senado e a Cadeira Curul a obedeceram a mesma ordem unida dos centuriões e dos pretorianos. Afinal, fizeram do imperium - palavra de origem militar que definia o poder absoluto que o legado ou o cônsul tinha sobre seus subordinados - , a norma comum de Roma. Em seguida, com os generais se apropriando do manto vermelho de Augusto, tornaram Marte, a divindade guerreira, a única razão do existir do Império. Não havia nada de mais anticristão do que aquilo.

 

A crítica do papa João Paulo II

É de supor-se que seja exatamente essa postura agostiniana antiimperialista, planando pelos tempos a fora, que esteja, nos dramáticos dias que correm, inspirando e empenhando o papa João Paulo II na sua luta em favor da paz, opondo-se a guerra de agressão que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, o império dos primos, movem contra o Iraque. Trata-se da mesma percepção de que a república americana agora transita para a posição de império universal, como outrora aconteceu com Roma quando ela converteu boa parte do mundo de então numa arena de combates sangrentos, infinitos. Captou em Bush e em Blair, o idêntico apetite por mando que os leva, como os césares fizeram outrora, a querem açoitar a humanidade. A escutar deles as mesmas justificativas que lembram muito o gosto que os romanos tinham em, violando o direito, dourar as velhacarias que praticavam ocultando-as atrás de uma retórica salvacionista e patriótica. É exatamente isso que faz com que o papa João Paulo II tema por todas as nações. -- Voltaire Schilling

Fonte: http://www.terra.com.br/voltaire/atualidade/2003/04/03/001.htm

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