Estados Unidos:
A Besta que Emerge da Terra


Deus e o presidente George W. Bush

BILL KELLER
The New York Times

O presidente George W. Bush é um religioso fervoroso ou apenas representa esse papel para a multidão? Objetivamente, essa é a pergunta mais insistente que se faz sobre o presidente Bush quando viajo para fora dos EUA, e também surge sempre nos lugares americanos menos devotados a Deus - universidades, sites de ódio a Bush, Hollywood, Manhattan.

Em temas que vão de Saddam à sodomia, a suposição é que Bush seja um evangelizador com uma agenda moralista que teve origem no seu renascimento cristão. Ou também - numa variação cínica -, a despeito daquilo em que ele possa acreditar, Bush entregou o portfólio presidencial aos pregadores da direita religiosa em troca de sua influência como fiéis escudeiros de campanha.

Eu entendo o desconforto dos críticos com a devoção de Bush em público. Isso contribui para uma imagem de cruzada arrogante no exterior, e para um temor de moralismo invasivo no âmbito doméstico. Mais recentemente, a relutância do presidente em melindrar o senador Rick Santorum - um teocrata católico que acredita que os governos devem ter poder de prender homossexuais em seus quartos ou até incriminar casais que usam anticoncepcionais - foi uma oportunidade de perguntar de que forma Bush renasceu.

Mas tenho falado com pessoas que pensam seriamente sobre religião, incluindo algumas que conhecem Bush, e estou convencido de que a idéia de uma Casa Branca orientada pelo fundamentalismo cristão não está nada certa. Os críticos estão certos em dizer que a religião de Bush é tanto a força vital de sua presidência quanto um de seus grandes bens políticos, mas não como supõem.

Um fato essencial sobre Bush, suspeito há muito tempo, é que Deus foi o seu programa de 12 passos. Aos 40 anos, Bush acabou com um problema de bebida ao se entregar a uma poderosa experiência religiosa, reforçada pelo estudo da Bíblia com amigos. Esse tipo de renascimento epifânico é comum em grande parte dos EUA e isso resultou em um tipo de fé que não é assaltada pela dúvida, porque o crente sabe que sua vida melhorou com a barganha.

Há muitas maneiras de descrever a religião de Bush. Por filiação religiosa, ele é um metodista. Em termos teológicos, ele pode ser chamado de batista, numa referência a uma tradição em que religião é mais uma questão de coração do que de inteligência. Um de seus seguidores descreve o grupo de estudo bíblico de Bush como "um pequeno grupo evangélico". Seja qual for o rótulo, a fé de Bush tem como fundamento uma relação direta entre o crente e Deus.

Não prevê papa ou qualquer tipo de autoridade intermediária.

A religião de Bush também não tem um livro de instruções específico, a não ser a Bíblia, e entre os cristãos renascidos pode ser vista tanto como uma coleção de poesias inspiradas até como uma receita literal para a vida.

(Bush não dá sinais de que esteja entre os literalistas.) Segundo pessoas que trabalharam muito próximas dele ou que freqüentam círculos evangélicos, a fé de Bush é, portanto, altamente subjetiva. Encarrega-o de tentar fazer a coisa certa, mas não lhe diz o que seria essa coisa certa. É fé sem uma agenda legislativa.

Então, como a religião influencia essa presidência? Gregg Easterbrook, um cristão liberal que escreveu extensamente sobre a moderna busca por um sentido, suspeita que, de início, Bush simplesmente fica mais à vontade com religiosos do que com os não religiosos. Isso pode explicar a atmosfera na Casa Branca, onde, de acordo com o ex-redator dos discursos do presidente americano David From, "o comparecimento ao estudo da Bíblia era, se não compulsório, não totalmente liberado".

Mas é um conforto não sectário. Bush falou de um elo com Vladimir Putin a propósito da história de um crucifixo que a mãe do presidente russo deu a ele. Segundo uma reportagem de Deborah Sontag para a New York Times Magazine no domingo retrasado, Bush atemorizou Recep Tayyip Erdogan, o muçulmano que hoje preside a Turquia, ao declarar: "Você acredita no Todo-Poderoso e eu acredito no Todo-Poderoso. É por isso que seremos grandes parceiros."

Não é inteiramente irrelevante para nossas relações internacionais que Tony Blair seja, de acordo com um colunista britânico, "o líder mais abertamente religioso desde Gladstone", enquanto Jacques Chirac, da França, e Gerhard Schroeder, da Alemanha, são integralmente laicos.

Schroeder foi o primeiro chanceler alemão que se recusou a encerrar o juramento ao cargo com o costumeiro "que Deus me ajude".

Fonte: http://www.estado.estadao.com.br/editorias/2003/05/25/int014.html

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