O "Nariz-de-Cera" do Pastor Na linguagem dos jornalistas, "nariz-de-cera" é uma expressão que identifica um parágrafo inicial (ou abertura de matéria no rádio ou tevê) muito rebuscado ou desnecessário, que impede o leitor (ou receptor) de ir diretamente ao assunto da notícia. O ideal, segundo nos ensinam na faculdade, é responder logo de cara às seis perguntas básicas de quem busca uma informação: "Quem? O quê? Quando? Onde? Como? Por quê?" Mais recentemente, para que o público entenda como aquele fato noticiado irá influir em seu cotidiano, introduziu-se uma sétima interrogação entre esses questionamentos: "E daí?" Esse modelo de redação, que nos obriga a apresentar um resumo das informações mais importantes nos primeiros parágrafos, recebe o nome técnico de "lead" ou "pirâmide invertida". E segundo contam, surgiu num período de guerra nos primórdios das transmissões telegráficas nos Estados Unidos. Os editores assim o exigiam dos repórteres para que, se a transmissão fosse interrompida por alguma razão, os dados mais importantes já houvessem sido repassados à redação e pudessem ser publicados. No curso teológico, "nariz-de-cera" não é proibido. Pelo contrário, acredito que os modernos professores de oratória até o recomendam como técnica de persuasão. Explico: Se o assunto é "Mordomia" (Cobrança Disfarçada de Dízimos e Ofertas!), e o pastor anuncia isto no boletim da igreja ou vai dizendo logo no começo de sua apresentação que o tema é esse, aqueles irmãos que mais precisam da mensagem, quando não se retiram, ficam de antemão prevenidos negativamente em relação ao sermão e será bem mais difícil que surta o efeito desejado. A estratégia que parece ser recomendada nesse e outros casos melindrosos é: (1) Descontrair o auditório, desarmando-lhe o espírito com uma saudação festiva e alegre, que pode até incluir uma piadinha leve, do tipo: "Nesta semana, pesquisando a Bíblia, descobri algo interessante: Sabiam que Jacó era analfabeto? Sim, no Gênesis é dito que Jacó amava Raquel, mas não Lia..." (2) Conquistar a confiança do auditório, demonstrando seriedade e sincera preocupação com o bem-estar de todos.
(3) Predispor a mente do ouvinte para aceitar sua argumentação, demonstrando-lhe seu preparo e autoridade para falar sobre aquele tema.
(4) Conquistar terreno ponto a ponto, obtendo uma seqüência de pequenas decisões favoráveis, muito antes do apelo final.
Nariz de Pinóquio Numa certa ocasião, ouvi um pastor que, depois da saudação festiva e demonstração de preocupação com o auditório, começou seu sermão propriamente dito, fazendo referência a textos que muitos pregadores usam fora de seu contexto e citou alguns exemplos. "Não é verdade que todas as coisas cooperam para o bem dos que amam a Deus, irmãos. Não é isso que o apóstolo diz no original. O que está escrito ali é que Deus faz com que todas as coisas, mesmo as negativas, tornem-se em bênçãos. E isso é um milagre! Amém, irmãos?" AMÉM! "Aquele outro verso, onde lemos que tudo posso nAquele que me fortalece, também é muito mal compreendido e aplicado. Nós não somos onipotentes e podemos conseguir tudo que quisermos. Esse não é um texto motivacional, que devemos ficar repetindo para obter aquilo que queremos, como se fosse mágica ou auto-sugestão, poder do pensamento positivo... Paulo apenas estava dizendo que se sentia fortalecido para enfrentar qualquer tipo de situação, boa ou ruim... Amém, irmãos?" AMÉM! "Outro verso usado equivocadamente é aquele: 'O Senhor está em Seu santo templo. Cale-se diante dEle toda a Terra.' Muita gente, pastores, diáconos, anciãos, usam essa passagem para cobrar reverência dentro da igreja, mas está errado. O profeta Habacuque deveria compreender que Deus está no comando do Universo, em Seu santo templo celestial e aguardar em silêncio a intervenção de Deus na História. O Eterno iria inferir na dimensão temporal dos homens e realizar soberanamente a Sua vontade... Amém, irmãos? AMÉM! Em seguida, falou que naquela manhã iria tratar de uma outra passagem que costuma ser muito mal aplicada e leu todo o relato da multiplicação dos pães, conforme João 6:1-15, dramatizando o texto em seguida, de modo que os cinco pães e dois peixinhos, quando chegaram às mãos de Jesus estavam formando uma gororoba nojenta e indigesta. E então, expôs sua aplicação para o texto: "Muitos pregadores se utilizam desse texto para dizer que devemos agir como esse menino e entregar TUDO o que tivermos em nossas mãos para Deus. Mas não é essa a lição correta, irmãos. Deus não precisa de TUDO que é nosso. Esse cinco pães e dois peixinhos a aquela altura já não significavam NADA para aquele menino. A mãe dele havia preparado aquilo cedinho, mas tudo já estava frio, os peixinhos não estavam crocantes e os pães tinham virado uma massa só, que até faria mal para aquele menino se ele comesse, mas Jesus pegou 'aquilo' e fez daquela coisa um milagre! A Bíblia está falando aqui dos nossos dízimos, Deus não quer e não precisa de seus 100%. Aliás, tudo é dEle. Mas só pede 10% e se você não der você é um ladrão. Noventa por cento com Deus rende muito mais na sua mão do que 100% com o capeta! Na roube a Deus. Malaquias 3:10 diz que você não deve fazer isso. E tem que dar também ofertas, porque Deus é roubado nos dízimos e nas ofertas... E blá-blá-blá..." Vamos dizer amém, irmão? DE JEITO NENHUM! Só faltou o pastor dizer que o lanche do menino representava o dízimo porque 5 (pães) X (multiplicados por) 2 (peixinhos) = (igual a) 10 (por cento)! Percebe você que o sermão foi correto apenas até certo ponto, isto é, somente durante o "nariz-de-cera" do pastor? Observe que ele fez uma aplicação muito mais fora de contexto do aquelas que ele citou como exemplo no início do sermão. Ele poderia, sim, extrair lições preciosas acerca da correta utilização dos recursos que Deus nos deu, através desse incidente:
O pastor se utilizou de outros textos, como o de Malaquias, fora de seu contexto, para respaldar sua argumentação e tudo ficou por isso mesmo. Não houve qualquer inquietação pelo fato de ele não esclarecer porque os recursos devem ser confiados unicamente à Organização Adventista e não poderem ser administrados pelo próprio adorador. Não somos todos "sacerdotes"? Não somos todos mordomos (administradores)? Ou a grande maioria é apenas "contribuinte" e mordomos mesmo só os administradores da Associação? Onde fica a Casa do Tesouro hoje? Não disse Jesus que devemos ajuntar tesouros no Céu, ajudando os mais necessitados, partilhando com eles o nosso alimento, como fez aquele rapaz? Depois do sermão e antes de encerrar o culto, não sei se instruído pelo pastor ou por decisão própria, levantou-se um dos anciãos e leu II Coríntios 9:5-7:
A leitura de uma seqüência de citações ameaçadoras do livro Conselhos Sobre Mordomia impediu que a maioria dos presentes atentasse para o tal do contexto, do qual muitos versos são retirados por pregadores inescrupulosos, conforme alertara o pastor no nariz-de-cera do sermão. Em II Coríntios 9:1-15, Paulo está falando de doações de comida que eles haviam feito para os irmãos pobres da Judéia e da que eles deveriam preparar para os irmãos da Macedônia. Confira em sua Bíblia. Do jeito que as coisas andam, logo alguns pastores, que acatam sem qualquer questionamento as recomendações e ideologia da Administração, estarão utilizando, além do nariz-de-cera, nariz de Pinóquio. Mas essa já será uma outra história... -- Robson Ramos Leia mais sobre o assunto: |
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