PokéMania: Serão Essas Criaturas Adoráveis Capazes de Exercer Má Influência?

Pokémons em Hollywood
(Thomas Michael Alleman para TIME)

HOWARD CHUA-EOAN e TIM LARIMER

(TIME) -- Nada melhor do que um monstro para conquistar o coração de uma criança. De que outra forma se explica o estrondoso sucesso das estranhas criaturas? Pokémon —Gengar, Cubone e Chancey?

O primeiro é uma bola fantasmagórica de cor púrpura com chifres, espinha de crocodilo e sorriso diabólico; o segundo é uma espécie de filhote de urso com um crânio sobre a cabeça; e Chancey, etéreo como uma nuvem cor-de-rosa, carrega uma bolsa de canguru.

Existem mais de 151 espécies de Pokémons e, nos Estados Unidos, crianças com menos de 12 anos são capazes de fazer uma descrição detalhada das habilidades de cada um dos monstrinhos e de sua capacidade de se transformar em formas mais evoluídas. Bem-vindos ao novo período Mesozóico.

  • A Pokémania se transformou em um bombardeio comercial multimídia e interativo sem precedentes.
  • É possível encontrar figurinhas, jogos, programas de TV, brinquedos, sites na Internet e guloseimas com as imagens dos monstrinhos.
  • O filme Pokémon: The First Movie (Pokémon, o primeiro filme), foi lançado na América do Norte na semana passada e, só nos Estados Unidos, as bilheterias faturaram US$ 25 milhões nos primeiros dois dias.
  • Bill Bright, comprador australiano para a Toy Kingdom, diz que as lojas do grupo não estão conseguindo atender a demanda por produtos Pokémon."Se você criasse um licenciamento para vender couves com a imagem dos Pokémon, as crianças comprariam as couves", afirma.
  • No México, lojas de departamentos se vêem constantemente às voltas com prateleiras vazias dos bichinhos, forçando pais desesperados a recorrer a cópias piratas nas ruas.
  • Neste Natal, a Nintendo espera vender 1 milhão de jogos eletrônicos Pokémon no Canadá e 1,5 milhão na Europa.

A loucura pelas figurinhas Pokémon é agora motivo de controvérsia. Colm McNiallais, 11, residente de Nova York, é um bom exemplo. Ele não troca figuras com qualquer um e prefere negociar com as crianças que trazem centenas de cartões organizados em fichários.

Algumas figurinhas são muito difíceis de se conseguir, e nunca se sabe o que outras crianças estão dispostas a fazer para obtê-las. Colm carrega consigo apenas os cartões que quer trocar.

"Ei, você tem um Magnemite!", grita um dos garotos. "Você troca o Drowzee?", pergunta outro. "Dá uma olhada nesses hologramas." A presença de um Dragonite no bolo causa alvoroço entre as crianças.

Mas, às vezes, a Pokémania acaba em atos de delinquência. Um menino de cinco anos imprimiu figurinhas falsas dos bichinhos, tirados de um site na Internet, para vender a seus colegas de classe. Em outras ocasiões, os atos chegaram a ser criminosos.

Na semana passada, um garoto de nove anos de Long Island, N.Y., esfaqueou um colega em uma briga pelos cartões. Na semana anterior, um incidente semelhante foi registrado em Québec, no Canadá.

Mas o que vem realmente assustando os pais de família é o princípio básico da Pokéocracia: a posse dos bichinhos.

Quanto mais artigos Pokémon uma criança acumula, mais poder ela tem. E nunca subestime a capacidade das crianças de dominar os segredos do Pokémon para atingir esse fim.

Os adultos não estão preparados para ver seus lindos rebentos tão precocemente cruéis. Será que os Pokémons são o preço que devemos pagar por vivermos em uma era de ambição desmedida? Ou há algo inerente na infância que os Pokémons simplesmente refletem?

Talvez a resposta esteja na origem do fenômeno. Apesar da febre dos cartões, Pokémon (abreviatura de "pocket monsters", monstros de bolso), é, em essência, um jogo eletrônico de bolso.

Ao ser acionado, o brinquedo da Nintendo faz aparecer uma criatura travessa com rabo em forma de raio, que dá um sorriso maroto e grita "Pikachu!". Esse é o pokémon mais popular do grupo, metade anjo, metade deus do trovão.

As crianças na faixa dos sete anos adoram navegar pela minúscula tela do videogame, porta de entrada do reino Pokémon. Basta apertar dois pequenos botões e acionar o cursor.

Para os adultos, a tarefa é mais difícil. Quem quiser se aventurar, deve assumir o papel de treinador de Pokémons.

Sua missão é percorrer o mundo para capturar um exemplar de cada espécie. Para completar a coleção, é necessário usar um Pokémon, que lutará para submeter outros (estes ficarão guardados em recipientes em forma de bolas).

As batalhas são mediadas pelo Game Boy. Mas não se preocupe, os Pokémons nunca morrem. Quando perdem uma luta, desmaiam e são levados para o Centro Pokémon mais próximo, um spa high-tech de reabilitação.

As 151 espécies de Pokémon podem ser encontradas em três versões: o Pokémon vermelho, o Pokémon azul e o Pokémon amarelo.

Para completar a coleção, é preciso fazer um intercâmbio entre diferentes versões (por meio de um cabo que conecta os Game Boys). Mas, à medida que a linha de produtos com novas espécies é ampliada, a ambiciosa busca continua.

As versões Pokémon Ouro e Prata estarão disponíveis nos Estados Unidos a partir do próximo ano, com a promessa de 260 novas espécies.

A regra de participações, no entanto, é limitada. O jogador não pode escolher uma identidade (ele é sempre um garoto de 10 anos), mas pode optar pelo nome.

Em todo caso, há sempre uma sugestão: Ash, o herói da série de TV Pokémon. Ele sai de seu quarto e diz para a mãe que está partindo em uma missão. Ela responde: " Todos os filhos saem de casa cedo ou tarde."

No Japão, onde Pokémon nasceu, Ash é chamado Satoshi, criado à imagem de seu idealizador. Satoshi Tajiri é um jovem que passou a infância colecionando insetos, girinos e outras minúsculas criaturas encontradas em campos, lagoas e florestas nos arredores de Tóquio.

Em uma nação de ultraconformistas, Tajiri vivia à margem da sociedade e não sonhava em frequentar uma faculdade. Recusou o emprego de eletricista que seu pai lhe arrumou. Ninguém acreditava nele, nem mesmo quando o rapaz desenvolveu o jogo, depois de seis anos de muito trabalho.

Mas as obsessões de Tajiri são alma do fenômeno Pokémon, que encarnam os medos e as predileções infantis.

Aos 34 anos, Tajiri é um homem retraído de rosto anguloso. As mãos e os lábios tremem enquanto fala com uma voz mansa e tímida.

Os olhos são vermelhos e tem olheiras profundas. Ele costuma trabalhar 24 horas seguidas e depois descansar 12 horas. Tajiri é o tipo de pessoa que os japoneses chamam de otaku, seres que se alienam no universo dos videogames, histórias em quadrinhos ou qualquer outra forma ultra-especializada, longe do resto da sociedade.

"Eles sabem a diferença entre o mundo real e o virtual, mas preferem o último", afirma Etienne Barral, jornalista francês que passou anos estudando o fenômeno otaku. "Eles estão sempre juntando alguma coisa. Quanto mais têm, melhor se sentem." Essa é a primeira, e talvez a principal, regra do Pokémon: acumular.

Quando criança, Tajiri colecionava insetos, especialmente besouros. Ele revelou à TIME que até hoje se orgulha da maneira como os capturava, procurando-os debaixo de pedras enquanto dormiam.

"Essa idéia nunca ocorreu a ninguém", diz. Filho de uma dona de casa e de um vendedor da Nissan, Tajiri foi criado em um subúrbio de Tóquio no fim dos anos 60, antes da expansão da cidade.

"Quando criança, queria ser um entomologista. Os insetos me fascinavam. Cada um deles representava um mistério maravilhoso. Quanto mais eu procurava, mais encontrava." Os Pokémons, na forma de lagartas, traças e caranguejos, podem ser encontrados em toda parte, na grama, em cavernas, em bosques e em rios.

Tajiri recriou o mundo de sua infância em Pokémon. No fim dos anos 70, as plantações de arroz deram lugar a shopping centers, e as lagoas foram aterradas para erguer rodovias, ferrovias e prédios de apartamentos.

Segundo ele, graças a Pokémon as crianças das novas gerações podem colecionar insetos e outras criaturas como ele fez no passado.

Poliwhirl, por exemplo, que tem uma espiral na barriga, foi inspirado nos girinos cuja pele transparente permite ver suas vísceras enroladas. "Tudo o que fiz na infância pode ser resumido em uma coisa", afirma Tajiri. "Pokémon."

Uma outra paixão foi acrescentada à primeira: os videogames. Tajiri cresceu jogando Space Invaders nos primórdios da revolução desses jogos. Nunca frequentou uma faculdade, mas estudou eletrônica por dois anos em uma escola técnica. Ele passava a maior parte do tempo jogando videogames.

"Na época, era algo tão abominável quanto furtar", conta. "Meus pais choravam e diziam que eu tinha me tornado um delinquente."

Em 1982, junto com um grupo de amigos (incluindo Ken Sugimori, que mais tarde desenharia todos os Pokémons), Tajiri lançou a revista Game Freak (Louco por jogos), com dicas e códigos de seus jogos favoritos.

"Chegamos à conclusão de que não havia muitos videogames de qualidade, e por isso decidimos criar os nossos", explica. Tajiri desmontou um Nintendo para aprender a fazer seus próprios jogos.

Em 1991, ele descobriu o Game Boy da Nintendo e seu principal atributo: um cabo que permitia conectar dois Game Boys entre si. "Imaginei um inseto movimentando-se pelo cabo e daí veio minha inspiração."

Nascia o conceito central que faria do Pokémon um sucesso. Mais tarde, a febre se espalharia para as coleções de figurinhas e os bonecos de plástico.

Tajiri assinou um contrato com a Nintendo. A companhia, impressionada com as tentativas anteriores do jovem de programar um jogo eletrônico, demonstrou interesse em desenvolver sua última invenção.

Mas Tajiri não soube explicar o conceito com clareza e o projeto não decolou. "No início, Pokémon não passava de uma idéia, e nada aconteceu", diz Shigeru Miyamoto, o gênio criador do Super Mario Bros., sucesso anterior da Nintendo.

Miyamoto acabaria se tornando no mentor de Tajiri, orientando-o no que se transformaria, mais tarde, no Pokémon.

Tajiri acabou rendendo uma homenagem ambígua a Miyamoto, dando o nome de Shigeru —Gary, nos EUA— ao principal rival de Satoshi/Ash.

Durante os seis anos que Tajiri levou para concluir o Pokémon, a Game Freak quase foi à falência. Ele mal tinha dinheiro para pagar seus funcionários, e cinco deles se demitiram quando souberam de sua precária situação financeira.

O próprio Tajiri vivia da mesada do pai. Talvez a tensão tenha dado uma injeção em seu espírito criativo. Ao falar de sua meta, Tajiri diz: "O importante era que os monstros fossem pequenos e fáceis de controlar.

Eles chegam em cápsulas, são como os monstros que existem dentro de nós, como o medo ou a raiva."

Quando o Pokémon ficou pronto, em 1996, a tecnologia do Game Boy já estava ultrapassada.

"Nenhuma revista ou programa de TV se interessou. Achavam que a era do Game Boy havia terminado", lembra Masakazu Kubo, produtor executivo da editora Shogakukan Inc. "Nenhum fabricante de brinquedos demonstrou interesse pelo jogo."

Outros mais complexos e com visual gráfico mais elaborado já existiam em CD-ROM, deixando as minúsculas imagens do Game Boy comendo poeira.

A Nintendo lançou o jogo, embora com poucas expectativas. Embora as grandes indústrias de eletrônica considerassem o Game Boy morto, a criançada no Japão pensava de diferente.

Para eles, os jogos feitos com tecnologia antiga continuavam sendo acessíveis, enquanto os novos modelos custavam muito caro.

A editora de Kubo fez as contas e decidiu apostar no Pokémon, lançando uma linha de revistas em quadrinhos que incluía, como brinde, cartões para coleção.

Enquanto jogos como Final Fantasy conquistavam o mercado por alguns meses e depois caíam no esquecimento, as vendas do Pokémon cresciam lentamente, mas sem parar.

Tajiri aumentou a curiosidade pelo jogo ao introduzir uma surpresa no programa. Oficialmente, havia apenas 150 espécies de Pokémons, mas ele acrescentou mais uma no software sem que a Nintendo soubesse: Mew, personagem importante do filme que acaba de ser lançado.

"Sem interação, Mew não aparecia", diz Tajiri. Começaram a circular boatos sobre um monstro secreto que poucas pessoas conseguiam descobrir. E as vendas explodiram.

Com um grande sucesso nas mãos, a Nintendo decidiu transformar o jogo em desenho animado. O programa logo se transformou no seriado infantil de maior audiência da TV japonesa.

Mas, em dezembro de 1997, cerca de 700 crianças sofreram ataques repentinos simultaneamente, enquanto assistiam ao programa.

O episódio em questão mostrava um ataque com bombas contra Pikachu e seus colegas. Em questão de segundos, flashes coloridos intermitentes tomaram a tela, enquanto raios azuis e vermelhos saíam dos olhos de Pikachu.

Aparentemente, a rápida combinação de luz e tensão dramática provocaram ataques em algumas crianças. O governo cancelou o programa durante quatro meses enquanto investigava o acontecido, e os produtores foram obrigados a reavaliar suas estratégias de animação.

A crise do Pikachu acabou gerando publicidade negativa. Naquela época, Tajiri e Kubo tentavam negociar com os céticos executivos da filial norte-americana o lançamento do Pokémon nos Estados Unidos. MONSTROS ANIMADOS ATACAM CRIANÇAS foi a primeira manchete nos EUA sobre os bichinhos.

Não foi um bom começo. E outras más notícias viriam. "Para dizer a verdade, os jogos com papéis de identidade, especialmente para o sistema Game Boy, nunca foram populares nos Estados Unidos", diz Gail Tilden, vice-presidente de aquisição e desenvolvimento de produtos da Nintendo norte-americana.

"A natureza desses jogos era uma preocupação para nós." Segundo Kubo, as negociações foram tão difíceis que ele passou a chamar Tilden de "a mãe dragão da Nintendo". "Ela tem filhos e, no início, não percebeu que o Pokémon não faria mal às crianças. Mas, no final das contas, foi bom ter uma mãe no comando", diz ele.

Tilden disse que ficou preocupada com os ataques das crianças, mas "sabíamos que era um problema restrito a um único episódio. Não desanimamos com o incidente, e decidimos seguir em frente."

Nos Estados Unidos, a Nintendo apostou em Pokémon com uma linha completa de produtos: videogames, brinquedos, revistas em quadrinhos e figurinhas, capazes de conquistar crianças entre quatro e 15 anos.

"Decidimos reunir nossos esforços para repetir o fenômeno no Ocidente", diz Tilden. Parte da estratégia consistiu em esconder as "origens japonesas" do desenho, diz Kubo. A Nintendo pediu que fossem feitas algumas mudanças no seriado original de TV.

"Nos Estados Unidos, procuramos não recorrer a cenas de violência nem a cenas de discriminação sexual ou religiosa", aponta Kubo.

Mais uma vez, Pokémon tomava conta de uma nação. "Nunca vimos nada igual", diz Tilden.

Testados no mercado japonês, os produtos conquistaram o coração das crianças: 31,7% do público que acessa o site oficial Pokémon.com são crianças de 12 anos ou menos; cada episódio de TV apresenta novas criaturas, e quase todos os bichinhos costumam repetir seus nomes para que as crianças aprendam rapidamente quem são.

Por mais que os pais se preocupem, colecionar Pokémons para colocá-los uns contra os outros não passa de uma brincadeira antiga com alguns toques tecnológicos.

Na Ásia, os pais ainda contam a seus filhos histórias da Segunda Guerra, quando, à noite, o passatempo predileto era caçar grilos e treiná-los para combater os grilos de outros meninos.

Quanto mais experiência tinha o inseto, melhor lutador era —um pequeno substituto para as crianças que não podiam participar da guerra real. Assim é Pokémon, só que com muitas mais espécies de grilos.

Todos são monstros amistosos e podemos controlar seus fabulosos poderes. Sem contar que, nesse jogo, ninguém morre. — Reportagem de Lisa McLaughlin/Nova York e Sachiko Sakamaki e Hiroko Tashiro/Tóquio


Fonte: http://cnnemportugues.com/time/1999/11/17/cover.pokemon/

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