"A própria Associação Geral se está corrompendo com sentimentos e princípios errôneos. Têm os homens tirado injusta vantagem sobre aqueles que eles supõem estar sob a sua jurisdição. Determinaram coagir os indivíduos; governariam, arruinariam... O poder despótico que se tem desenvolvido, como se a posição tivesse feito feito dos homens deuses, faz-me temer, e deveria causar temor. É uma maldição onde quer e por quem quer que seja exercido." - Eventos Finais, pág.44. 


Deveres e Direitos do Leigo na Igreja

A Igreja é um conjunto de pessoas unidas numa só fé, num só propósito e numa só esperança. Para cumprir esse propósito, ela está dividida em duas classes de pessoas:

  1. Aqueles que são assalariados para se dedicar integralmente ao serviço da Igreja: são os pastores e demais "obreiros" nas diversas áreas de administração da obra, desde um zelador de uma igreja até o presidente da Associação Geral.
  2. Os demais membros, que também foram chamados para trabalhar na obra, mas de forma voluntária.

Todos são obreiros, uns voluntários e outros assalariados. Todos devem contribuir e todos devem trabalhar para um único fim: a pregação da tríplice mensagem ao redor do mundo.

Ocorre, todavia, que existe obreiro voluntário que se mantém indiferente aos interesses da causa, pouco se envolvendo. Mas existe também aquele obreiro voluntário que, à medida que vai se envolvendo e abraçando o serviço da redenção da humanidade, tem seu interesse pela salvação das almas ampliado. Acaba sentindo o dever  de colocar mais dos seus bens, dos seus talentos e do seu tempo a serviço da causa de Deus. Isso revela que ele está crescendo e descobrindo que a Igreja de Deus na terra é o centro de sua vida e que o destino que esta Igreja está tomando no curso da história é responsabilidade sua também, tanto em nível local quanto em nível mundial. 

Quando há esse envolvimento nas atividades e administração da sua igreja local, ajudando a nomear as pessoas para os diversos cargos e assumindo-os também, esse obreiro voluntário sente-se parte da igreja e, até certo ponto, responsável pelo destino que ela está tomando. Ele sente mais de perto os problemas que afetam a igreja e percebe as correções de rumo que precisam ser realizadas para resguardá-la da perda de sua identidade. 

O obreiro voluntário, quando se depara com homens que querem conduzir a obra de forma arbitrária e por métodos anti-bíblicos, entende que é preciso vigiar, buscar unidade, lutar pelo crescimento do espírito democrático, para não permitir que a corrupção e o monopólio arbitrário de uns prevaleçam sobre os demais na Igreja. É esse envolvimento que cria no membro e obreiro voluntário o sentimento da solenidade da obra, do seu grau de responsabilidade, do seu dever de combater qualquer atitude que venha a desviar  a Igreja do caminho proposto por Deus no Evangelho. Percebe que  é dever seu tomar atitudes firmes, inspiradas e baseadas nos escritos sagrados para combater a corrupção que ameaça a Igreja em todos os seus níveis. 

O obreiro voluntário sabe que ser membro da Igreja de Deus não se limita apenas a obedecer e crer nos 27 pontos doutrinários e deixar que as coisas caminhem ao impulso dos ventos. Está consciente de que existe uma administração na Igreja local, na Associação, na União, na Divisão e na Associação Geral e que essa administração sofre também a influência de homens inconversos, gananciosos, que  podem levar parte da obra  à corrupção, porque são homens como nós, sujeitos ao erro. Por isso, sente que é seu dever e direito vigiar, fiscalizar e tomar decisões que resguardem os interesses da causa de Deus, em todos os seus âmbitos.

Uma convicção de que foi escolhido por Deus para cuidar de Sua Causa ordena-lhe que, ao ver um ato corrupto, seja entre os membros da Igreja Local ou da Associação,  não cruze os braços, na ilusão de que Deus venha purificar a Obra, independentemente da cooperação dos Seus servos. É sua responsabilidade tomar atitudes de reprovação, de denúncia, seguindo os meios adequados e com prudência. Somente assim, Deus poderá tirar o iníquo do nosso meio. 

Se o obreiro voluntário não fizer sua parte, por medo de se prejudicar, por receio de se comprometer demais e perder sua carreira, ou por outras razões,  estará contribuindo para a crescente corrupção na Obra de Deus.  Cristo deu exemplo, nesse particular, quando entrou no templo e expulsou dali os que estavam fazendo do santo lugar, covil de ladrões e salteadores.  Cristo, todavia, não se envolveu numa briguinha  baixa, mesquinha e escandalosa, mas, pleno do Espírito Santo, fez com que todos entissem que era o poder de Deus agindo através dEle.

Heróis da Fé e da Resistência

A Igreja Adventista teve seu início marcado pelo espírito de abnegação, renúncia e sacrifício em prol da causa. Pioneiros que dedicaram suas vidas, seus meios, sua saúde e seu tempo ao serviço da pregação do Evangelho. Muitos tornaram-se pobres para iluminar o mundo em trevas. Muitos foram levados a sepultura ainda novos porque se gastaram excessivamente para ver o avanço do evangelho de Cristo. Muitos colocaram toda a sua riqueza, influência e posições na causa, em troca de uma vida de perseguição e calúnias, mas tudo para promover a redenção da humanidade. 

Estes heróis da fé descobriram que cada centavo colocado no altar de Deus representava  valor muito alto, porque podia ajudar no resgate de almas do poder das trevas. No início da obra adventista, os homens tinham poucos recursos, mas fizeram muito com o pouco que tinham e em pouco tempo realizaram uma obra que entendiam ser urgentíssima, porque a urgência residia no fato de compreender que a cada minuto morriam milhares sem o conhecimento da verdade.

O tempo passou e a igreja prosperou em todos os sentidos. Hoje nós temos hospitais, casas publicadoras, escolas, indústrias e redes de comunicação em várias partes do mundo. À medida que a obra foi crescendo, muitos dos obreiros assalariados, especialmente líderes e administradores da Igreja, foram se sentindo cada vez mais donos de um patrimônio de inestimável valor. O espírito de missão foi sendo substituído pelo desejo de construir um patrimônio. Pertencer à administração da obra passou a ser uma espécie de segurança econômica, um meio de vida rentável para muitos. 

Quase imperceptivelmente, a liderança foi se cercando de vantagens e direitos na mesma proporção em que foi perdendo o interesse pelo resgate dos perdidos.  Muitos pastores e administradores começaram a se sentir no direito de morar numa casa mais ampla, de fazer suas reuniões administrativas em hotéis mais sofisticados, de viajar mais confortavelmente, de assegurar melhores colocações para seus filhos nas escolas e na Obra, de morar nos bairros mais nobres da cidade. Esses pastores sentiram-se não apenas administradores, mas donos de um patrimônio do qual têm de desfrutar da melhor forma. 

Ao que indicam os fatos, parece que nossos líderes estão copiando o modelo dos cardeais da Igreja Romana - os fiéis ficam no patamar de baixo e os administradores da Igreja no patamar de cima. Houve uma espécie de separação entre clero e laicato (leigos). A função de servir e apascentar o rebanho de Deus perdeu o sentido exemplificado por Cristo.

Esta separação entre o corpo de membros e a administração vai se tornando mais visível, mais profunda. Os que ficam no escritório ditando as normas, não conhecem a dor, a fome e a falta de recursos dos membros. Não sabem das dificuldades deles para manter seus filhos, mesmo numa escola pública. Não sabem o esforço para conseguirem pelo menos duas refeições magras ao dia. Não sabem do sacrifício que fazem para ter uma Bíblia, que mal soletram. Não sabem  que muitos destes membros têm de ficar sem Lição de Escola Sabatina por ser um gasto trimestral e pesar no bolso de quem tem quatro filhos. Não conhecem as filas que estes enfrentam nos postos de saúde pública para conseguirem tratar o filho doente. Não sabem da fé e do sacrifício despendidos por estes para colocarem na salva seu abençoado dízimo e ofertas.

Parte desses obreiros pagos com este suado dízimo estão por detrás de confortáveis cadeiras, em salas com ar condicionado, ricamente decoradas, com secretárias para auxiliá-los, moram em luxuosos apartamentos, viajam de avião, fazem seus concílios em hotéis cinco estrelas, promovem suas esposas e seus filhos na obra,  recebem a melhor educação e o melhor tratamento médico. É que eles deram a si mesmos uma importância muito além daquele que deveriam dar aos demais membros da igreja e, diferentemente do espírito de Cristo, já não podem sentir o problema dos membros que sustentam suas mordomias. 

Não há identificação com Cristo entre a maioria dos obreiros assalariados. Eles erguem eloquentemente a voz  nos púlpitos e falam de um Cristo que deixou a glória para visitar o fraco, o pobre, o doente, o marginalizado, mas não sabem, na prática o que é isso, pois não são capazes de renunciar um pouco de seus lucros e vantagens, para beneficiar estes.  Falam de uma mensagem que cura o doente, falam de uma prevenção, mas não estabelecem planos para que essa cura chegue aos pobres e doentes da igreja, pois já lhes basta que seus filhos desfrutem de mesas fartas, de boa formação escolar e de bons planos médicos.

A legalização do arbítrio

Para legalizar e assegurar toda essa mordomia, era preciso que o sistema administrativo criasse meios para isso. Assim, surgiram as idéias brilhantes que foram se transformando em chavões conhecidos e popularizados, verdadeiros postulados de fé e conduta, introduzidos sutilmente na mente do povo. 

"Cada membro deve ser fiel na devolução dos dízimos. Se os homens da administração não souberem cuidar dos dízimos, terão de prestar contas a Deus".  Ingenuamente fomos levados a aceitar a idéia de que nosso dever é só contribuir, mas nunca exigir que os líderes nos prestem contas do uso do dízimos arrecadados, pois os abusos que estes cometem terão de responder a Deus.  A fórmula mágica alcançou quase que todos os membros e, enquanto isso, vai crescendo no seio da Obra a mordomia, a comodidade, o abuso, a exploração e o uso imoral daquilo que cada membro, com esforço e abnegação, dedica a Igreja para salvação dos perdidos.

Criou-se uma mentalidade distorcida da Igreja. Os membros chegam a acreditar que os donos das instituições, os donos das escolas, dos hospitais, das casas publicadoras, o dono da Igrejas são os pastores e administradores das associações, das uniões e das divisões. Poucos são os membros que tomam consciência de que a causa é de Deus e de que ao se tornar membro dessa Igreja, a pessoa é responsável  também pelo que acontece nela. Deus exige que nosso compromisso com a Igreja não se limite apenas a doar os dízimos e ofertas e ser obediente aos mandamentos, mas que nos envolvamos em sua administração, opinando, votando, protestando, exigindo esclarecimento de tudo. 

Obviamente isso tem de ser feito da forma devida e baseado nas orientações da Palavra de Deus. Mas tem de ser feito. É um dever e  um direito de cada membro. Porque se isso não for feito, certos administradores, sem escrúpulos e possessivos, conduzirão a Igreja por caminhos estranhos aos de sua origem e continuarão usando para proveito próprio o dinheiro que deveria ser empregado na salvação dos perdidos.

Todo membro da Igreja tem direito de saber como é empregado cada centavo do dinheiro que dedica a causa. Todo membro da Igreja tem direito de saber quanto ganha cada pastor para fazer o trabalho ministerial e como é movimentado o dinheiro nas instituições da Igreja. Desde o mais pobre membro ao mais rico, desde o mais ignorante ao mais culto, todos  precisam conhecer não só os números espirituais da Igreja, mas os números financeiros.

É dever dos administradores da Igreja local, das Associações, das Uniões, e das demais instituições da Igreja veicular por meio de revistas todo o movimento financeiro da Igreja e  suas aplicações.

Aqueles que tiram do seu suor uma parte para empregar na causa têm pleno direito de acompanhar a forma como está sendo empregado cada centavo.  Como também, para segurança do corpo de membros, é necessário que tenhamos dispositivos para livrar a Organização de homens corruptos, responsáveis pelo mal uso dos dízimos e ofertas. Para isso, seria necessário que em toda associação e união fosse eleito pelos membros, um grupo de auditores leigos, que não façam parte da administração e que não sejam pagos pela obra, para fazerem trabalho de fiscalização do movimento financeiro da Igreja.  Seria necessário que nas assembléias organizadoras pudéssemos contar com um número maior de membros a compor as comissões de nomeação. Que os salários e despesas com pessoal fossem decididos em assembléia.

Por último digo que se a liderança não usar da forma devida os dízimos e ofertas que lhe chegam as mãos, se a liderança não abrir os olhos a tempo e deixar de praticar tais abusos com o dinheiro do Senhor, os homens conscientes e voluntários desta causa, chamados por Deus, haverão de, movidos pelo Espírito Santo, operar uma obra de reforma, uma obra semelhante aquela operada nos dias de Cristo, quando ele entrou no templo e dali expulsou os que faziam da casa de Deus covil de ladrões e salteadores.
 
Randro Rafiner - Pseudônimo de irmão leigo, que prefere não se identificar, mas já trabalho a conscientização dos demais membros da igreja a que pertence.

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