Professor do IAE 2 Diz que Teólogos Devem Respeitar Reflexões Bíblicas de Leigos

 

Teologia Adventista - seu lugar e função na Igreja Remanescente

Rodrigo P. Silva

Este artigo, na verdade, constitui antes uma reunião de idéias esparsas, sem nenhuma pretensão de constituir um trabalho científico rigorosamente "acadêmico". Trata-se, portanto, de algumas reflexões fragmentárias escritas na esperança de contribuir no diálogo acerca do verdadeiro papel do teólogo no movimento adventista e onde estaria, de modo mais exato, sua esfera de ação.

Afinal, onde e por quem deve ser formulada a teologia? Nos centros universitários, pelos acadêmicos com pós-graduação nesta ciência ou nos escritórios pelos departamentais e administradores de nossa obra? E quanto ao membro leigo, que não conhece a língua grega, ou o distrital que dela esqueceu até o alfabeto? Têm eles algum papel na caminhada teológica de nossa Igreja?

São perguntas delicadas, e nossas reflexões deverão valer ao leitor o mesmo que valeriam as intuições que provocaram seu surgimento. Em outras palavras, é apenas uma contribuição meditativa.

Para tornar inteligível nossa reunião de idéias, convém avaliar em princípio como se aplicam o método e a metodologia nas Ciências Teológicas, para daí traçar um breve esboço da história da Teologia até ao movimento adventista moderno e então buscar as tarefas e o ambiente ideal para um teologizar universitário na realidade de nossas igrejas locais.

 

Metodologia e Métodos Teológicos

A despeito de qualquer má compreensão, as palavras método e metodologia não são sinônimas. Por esta última, entenda-se o conjunto de técnicas de trabalho utilizadas nas pesquisas científicas de qualquer área acadêmica. Já o método reflete o modo de pensar a fé, quer seja nos moldes acadêmicos ou não.

A eurística (aprendizado e o desenvolvimento sobre como se apresenta uma pesquisa científica), portanto, é o que o que faz a diferença, pois, embora o rigor científico esteja obrigatoriamente na metodologia, pode estar ou não vinculado ao método.

Sendo assim, podemos seguramente falar de método teológico no mais leigo estágio da fé, ainda que esse não possua sequer uma quantidade mínima de metodologia de pesquisa.

Dentro do contexto adventista brasileiro, percebe-se que a teologia ainda é superestimada a toda e qualquer área acadêmica. Fora, porém, desse ambiente religioso, ela se sente até mesmo inferiorizada diante de outras ciências mais respeitadas e divulgadas no chamado mundo secular.

O cerne da tensão talvez esteja em que a teologia, diferente de outras ciências, constitui um saber irredutível onde uma nova luz nunca deve desmerecer ou negar a luz anterior. É um saber progressivo, mas não necessariamente "experimental" como exigem as normas do moderno método científico.

Mas, racionalmente falando, também podemos questionar esta pretensa "unicidade" do saber científico que julga tudo fora de seus contornos como sendo "tolo" e destituído de lógica racional.

Tendo uma outra maneira de representar a realidade, o método teológico deve discursar sobre a natureza viva da fé. Noutras palavras, deve basear-se numa fé doutrinária que tem sua própria lógica refletida na ótica universal de Deus e nem sempre nas reflexões locais e situacionistas do ser humano.

Vê-se, portanto, que o mais delicado trabalho a fazer é encontrar a tênue linha que ora une, ora separa o saber teológico da fé do saber intelectivo da razão e, uma vez encontrando-a, usá-la com a sabedoria do céu - algo que, infelizmente, nem sempre foi seguido na história da igreja Cristã.

 

Breve História do Método Teológico

Após a produção dos últimos livros inspirados da Bíblia (possivelmente o corpus joanino), a igreja patrística que daí se seguiu, caracterizava-se basicamente pelo que se chama em latim lectio divina. Ou seja, todos refletiam de modo doutrinário e contemplativo sobre a Palavra de Deus, para dali tirarem todos os conceitos de verdade, ética, salvação e vida comunitária.

Para eles a história era um contínuo salvífico de Deus rumo à grande vinda de Cristo em vista da qual todos viviam e trabalhavam. Eles eram pobres e perseguidos. Não possuíam propriedades e nem mesmo cogitavam o que seria uma Faculdade de Teologia. Sua reflexão, portanto, se centrava nas igrejas reunidas ainda timidamente em casas de irmãos ou em pequenos cômodos doadas por membros, muitos dos quais já martirizados.

A ciência secular era pensada a partir da fé, e se estavam em confronto sobre determinado ponto, a Palavra Revelada deveria ter a primazia. Mas os encontros com a filosofia grega, a crise do movimento montanista e a desastrosa pseudo-conversão de Constantino (todos nesta ordem), modificaram tremendamente a paisagem.

Assim, a teologia que adentra os limites da Idade Média já não é tanto bíblica e eclesial, mas escolástica e aristotélica. Troca-se lectio divina pela ratio theologica. Seu local básico de reflexão deixa de ser as humildes igrejas domésticas para transferir-se às famosas escolas universais (Universitas Scientiarium). Estabelecidas ao lado de grandes catedrais de ouro, estas escolas marcaram em definitivo o rompimento entre este cristianismo medieval e aquele primevo fundado por Cristo.

A Bíblia neste tempo tornara-se quase um livro morto de conteúdo desconhecido. O estudo dominante eram as famosas Sumas Teológicas e os Comentários sobre as sentenças de outros autores.

Nas universidades de Paris e Oxford, a teologia começa a desenvolver seus primeiros programas doutorais marcados por produções e defesas de teses chamadas quaestio et disputatio (perguntas e disputas). Seu peso, contudo, já não estava na Palavra Revelada de Deus, mas nos autores (auctoritates), que julgavam mostrar a coerência da fé de modo mais claro e menos obscuro que a Bíblia, cujo conteúdo somente eles arvoravam poder compreender sem caírem nos laços da loucura.

O resultado desta visão racional da Idade Média foi um desastroso rompimento entre a ciência e a fé, culminando na quase aniquilação da primeira uma vez que os governantes dominados pelo poder papal condenavam como bruxaria qualquer avanço que se pretendesse dar em sua direção.

Disto, o que encontramos na Idade Moderna é uma profunda e compreensível revolta contra a Igreja e o poder monárquico. Abafado desde longo tempo, o grito populacional explode finalmente golpeando o catolicismo na Reforma Protestante e na Revolução Francesa no fim do século XVIII.

Mas os dois movimentos, Protestantismo e Revolução, também eram antagônicos entre si de modo que a teologia nascida dos reformadores precisa duelar agora com o humanismo que então começa a dominar o mundo. Temendo o comportamento dogmático-apologético do qual ela mesma se libertara ao sair do catolicismo, a Reforma optou por ser absorvida pela modernidade sem crivar nenhum de seus novos arrazoados intelectivos.

Em virtude disso, surge, então, o famoso Iluminismo Alemão (Aufklärung) erguendo eruditos como Reimarus, Harnack e Bultmann, cuja principal contribuição foi criar uma frustrada "jesulogia" liberal, que nada mais era do que o advento daqueles exercícios racionais do escolasticismo vistos agora sob o manto de uma roupagem modernizada e mais sofisticada.

Nesse novo quadro, enquanto ciência, a Teologia se portava como pouco mais que mera teodicéia e a fé era dominada pela especulação da filosofia hegeliana que então determinava os modos de compreensão da Palavra de Deus. Resultado: os milagres deixaram de ser milagres, a ressurreição deixou de ser histórica e o Pentateuco deixou de ser Mosaico. Enfim, o trabalho de Lutero e seus companheiros estava terrivelmente interrompido.

À essa altura, percebe-se a necessidade histórica de um movimento teológico que retomasse as rédeas do ideal protestante há tempos interrompido. Usando um simples pregador batista e as implicações de um desapontamento em massa, a Providência Divina faz surgir na história da teologia o movimento denominado Igreja Adventista do Sétimo dia. Seu objetivo: continuar a Reforma a partir do ponto em que foi estagnada.

 

A Função e o Lugar da Teologia Adventista

A problemática sobre "como não cometer os mesmos erros do passado" é por demais ampla pelo que resta-nos definir bem nossa inquirição nos moldes da ciência teológica. Nossa pergunta, portanto, seria: onde nossa teologia deve cuidar para não se tornar friamente medieval como ocorrera à teologia protestante alemã?

Noutras palavras, perguntamos pelo papel e local da teologia tal qual aludimos na abertura dessas reflexões. Eis algumas idéias:

a) Em termos acadêmicos, devemos cuidar em nossos programas teológicos para que nossas faculdades não se tornem um esfacelado conjunto de matérias e especializações sem nenhuma correlação entre si, como, aliás, é visto em muitos seminários católicos e evangélicos ao redor do mundo.

O teólogo não pode se deixar confundir com um médico especialista que cuida só dos ouvidos, negando-se a fazer uma cirurgia do pulmão. Não faz sentido falar-se em Teólogo Biblista ou Teólogo Sistemático, quando estes títulos se tornam uma clausura em torno de determinado tema com o total desvínculo dos demais ramos. Afinal, qual o interesse de se fazer teologia sistemática se não for a partir da Palavra de Deus? E qual o sentido da exegese se não objetivar a aplicabilidade pastoral?

b) Nunca podemos esquecer que a teologia não é o totum da fé que a antecede e direciona. É evidente que a crença sem uma medida de razão é devaneio e fanatismo. Porém a razão, destituída da experiência real com o Sagrado não passa de pura especulação sem nenhum sentido.

Sendo assim, o teólogo diplomado deve respeitar até a mais simples demonstração sincera de fé. Afinal, a sabedoria da religião é maior e muito mais antiga que a ciência da religião. E todo diplomado (distrital, administrador ou mestre) deve buscar, ele mesmo, participar da mesma experiência para que suas palavras dirigidas aos leigos sejam possuidoras de eficácia espiritual.

c) Ao confrontar com questões acadêmicas e racionais (lembre-se que elas serão mais freqüentes à medida que o fim se aproxima), não podemos ignorar que o caráter positivo científico também enfrenta profundos impasses.

Antes de se lançar ao estudo sistemático, o teólogo adventista deve ter claro diante de si em função de que ele está pesquisando. Ou mantemos a convicção de que existe uma verdade para a qual caminhamos ou cairemos na idéia de que tudo é relativo e já não existem valores absolutos.

Para se refletir teologicamente hoje, deve-se antes refletir criticamente o modo ("caminho") como a teologia evoluiu, observando atentamente seus encontros e desencontros com a verdade para não se repetir em nós a apostasia que muitas vezes se seguiu. Após isso, nossa convicção máxima deve ser, como um povo, "restaurar as verdades" que a história dos homens deturpou.

d) Para o pensador adventista, a alma de sua teologia deve ser a Palavra Revelada de Deus e o evento cristológico o cerne de sua compreensão. Nossa teologia não pode ser "genitiva" como propõem certos segmentos criando temas como "teologia dos pobres", "teologia dos negros", "teologia da mulher"... Só existe uma teologia, e esta tem de ser a partir de Cristo. Sob a ótica cristológica, sim, podemos então falar do pobre, do negro, da mulher, observando como Jesus tratava as pessoas e imitando-lhe o divino exemplo.

Dentro dessa perspectiva, é preciso que se evangelize o homem de hoje com os problemas que ele tem, mas sem perder de vista que a fé - embora não ignore os problemas existenciais - deve refletir primeiramente sobre Deus e não sobre as coisas do mundo.

e) Por último, seguindo o exemplo dos tempos patrísticos, o melhor lugar para a teologia é a igreja local, com seus problemas, dúvidas e desafios. Mas onde entrariam a Faculdade e os escritórios? Estes devem ser, em conjunto, catalizadores que trazem a teologia da comunidade e a devolvem numa melhor sistematização.

Nisto, as funções não devem ser vistas como estabelecidos cargos de primazia ou inferioridade em relação uns aos outros. Todos devem ser servos uns dos outros e a teologia adventista, para ser eficaz, tem de ser construída por todos (leigos e pastores) alicerçados, evidentemente, na Palavra de Deus.

Grande erro cometeu o catolicismo, por fechar o saber da fé nas mãos dos sacerdotes doutores em divindade. Igualmente a teologia liberal protestante, por demarcar sua espiritualidade nos moldes do racionalismo humanista. 

Hoje é nosso entendimento mais do que nunca que todo membro da igreja adventista, independente de sua formação acadêmica (ou até da falta dela), deveria ser um teólogo. Afinal, o que é o teólogo senão um cristão refletindo sobre sua fé?

Como um povo, é hora de refletirmos teologicamente juntos, deixando de lado o partidarismo e as tendências de ser independente da organização escolhida por Deus. Jesus está voltando e a teologia, por mais que seja científica, é também um saber existencial de nossa mais íntima relação com Deus. É, enfim, a própria vida do cristão.

Fonte: http://www.iaec2.br/paginas_pessoais/rodrigo/teologiaadventista.htm

(Caso o Dr. Rodrigo mude outra vez o endereço deste artigo como já fez anteriormente, procure primeiro acessar sua homepage entre as "Páginas Pessoais" listas em http://www.iaec2.br. É muito estranho um teólogo não assumir o que escreve. Você não acha?)

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