Lula e a Imagem da Santa:
Mau Começo?

BRASÍLIA - A eleitora Yeda Coelho Moura fez uma promessa: entregaria ao presidente eleito uma imagem de Nossa Senhora Aparecida se o petista Luiz Inácio Lula da Silva vencesse a eleição deste ano. Na quarta-feira, uma semana e meia depois da vitória de Lula, Yeda pagou a promessa. Além dos agradecimentos e palavras de afeto, ela recebeu do presidente eleito a estrela vermelha do PT que ele tradicionalmente usa presa ao paletó. "Tenho devoção", disse ele diante da imagem.


Sempre perto do povo, Lula recebe apoio de autoridades religiosas

Juan Arias
El País
No Rio de Janeiro (RJ)

O presidente-eleito da República do Brasil, o ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, será diferente em seu estilo de governo, e os milhões de crentes que lhe deram seu voto, desde as famosas comunidades cristãs de base aos evangélicos, passando pelos seguidores dos cultos africanos na Bahia, vão exigir que ele não esconda sua fé. Lula já enviou sua primeira mensagem: não governará por intermédio da televisão, ele disse, nem da solidão do Palácio do Planalto (provavelmente não vai morar na residência presidencial), mas da rua, em contato direto com o povo.

Durante a campanha eleitoral ele surpreendeu ao se comparar ao próprio Jesus Cristo. Ele referia-se ao fato de que o mundo do poder sempre lhe colocou obstáculos, enquanto os pobres o acompanharam de perto, "como ocorreu com Jesus Cristo". E é verdade que certas elites começam a se preocupar com a forma desenvolta como Lula está rompendo todos os protocolos para se aproximar do povo simples que o segue em todos os seus passos oficiais. Chegaram até a perguntar se um presidente não deveria desde já expor-se menos e aceitar a solidão que o cargo comporta.

Os primeiros gestos do novo presidente foram tão espetaculares que já o comparam a João 23, o papa que depois dos anos do solene Pio 12, inatingível, instaurou no Vaticano um novo estilo de comportamento, fugindo de seus apartamentos para visitar algum amigo doente e fazendo piadas nas audiências, até com as freiras.

Lula, assim que se elegeu presidente, foi cortar o cabelo na simples barbearia de sempre em seu bairro. Enquanto cortava o cabelo, seus velhos amigos brincavam com ele e bebiam cerveja. Enquanto isso, sua mulher, Marisa, que na juventude trabalhou como empregada doméstica e depois numa fábrica de chocolates, fazia as unhas a seu lado.

O novo presidente sabe muito bem que deve uma boa parte dos 60 milhões de votos recebidos ao grande mundo brasileiro da fé. O Brasil é um país religioso dos pés à cabeça. Aqui não existem intelectuais agnósticos e muito menos ateus. Todos crêem em algo ou em muitas coisas ao mesmo tempo. As diferentes igrejas costumam ser conservadoras em termos de dogma, mas são abertas no campo social. São igrejas que trabalham lado a lado com os mais pobres e famintos. As seitas evangélicas roubam cada ano mais de um milhão de fiéis aos católicos, porque se colocaram mais perto dos mais pobres, sobretudo nas favelas das grandes cidades, enquanto os católicos se inclinaram pelas classes médias. As igrejas evangélicas contam com mais de 40 deputados federais e estão presentes em todos os parlamentos estaduais. Além de sua imponente força religiosa, são uma grande potência política, social e econômica.

A defesa dos mais necessitados aqui sempre tem eco nas organizações religiosas de qualquer tipo. Daí que a famosa Igreja Universal do Reino de Deus não teve problemas através do Partido Liberal para apoiar a candidatura de Lula. Como não teve toda a Igreja Católica progressista, a da Teologia da Libertação ou a das comunidades cristãs de base. Nem sequer as confissões africanas do candomblé, que durante a campanha fizeram para Lula todos os rituais da bênção para protegê-lo.

Durante toda a sua vida, Lula teve como conselheiro social e espiritual frei Beto, o famoso religioso filho da Teologia da Libertação, autor de mais de 40 livros, que foi o primeiro religioso a fazer amizade pessoal com Fidel Castro. Frei Beto esteve toda a campanha ao lado de Lula e revelou que o novo presidente foi crente durante toda a vida, "como são todos os pobres do país".

Somente conhecendo estes antecedentes se explica que a primeira grande decisão política de Lula tenha sido a chamada Campanha da Fome Zero. O novo presidente, minutos depois de que as urnas proclamaram sua vitória, anunciou que o primeiro empenho de seu governo seria "acabar com a fome no Brasil". Ele disse na televisão: "Ao final de meus quatro anos como presidente me sentirei feliz se todos os brasileiros, sem exceção, puderem comer três vezes por dia".

Aos que lembraram em seguida que no orçamento não existe dinheiro para dar de comer aos mais de 30 milhões de brasileiros que passam fome, ele respondeu: "Tirarei o dinheiro de onde quer que seja". Os cálculos dizem que precisará de US$ 5 bilhões para realizar seu sonho. Desde o Banco Mundial até a ONU e a FAO ofereceram apoio a Lula para sua Campanha da Fome Zero. Além disso, ele conta com a ajuda do mundo empresarial, que tem todo o interesse em que esses 30 ou 40 milhões de marginalizados entrem finalmente no mundo do trabalho, fazendo crescer a economia do país.

Os pobres do Brasil têm a clara sensação de que pela primeira vez chegou à Presidência um deles, do povo, que passou fome na vida e que não pôde estudar. No sábado mesmo, Lula, talvez para justificar a ênfase que está dando à luta contra a fome, lembrou que havia começado a "comer" aos 7 anos, porque antes só bebia uma xícara de café com farinha por dia.

Leonardo Boff, o pai da Teologia da Libertação no Brasil, o ex-franciscano amado pelos mais pobres, publicou no Jornal do Brasil uma carta aberta a Lula, emblemática do que esperam do novo presidente. "Você é o primeiro presidente deste país que tem a cara do povo", disse o teólogo, acrescentando: "Você vem do mundo da dor e leva em seu corpo a tragédia e a esperança do povo brasileiro. Essa esperança sempre foi derrotada, mas não vencida". Boff lembra em sua carta que dessa vez o Brasil tem um presidente que não só governa "para" o povo, mas "com" o povo.

Boff acaba recordando a Lula que o poder é a maior tentação, e que, como os grandes homens de mudanças na história, desde Gandhi a Francisco de Assis, a única coisa que limita o poder "é a ternura do coração". Os grandes artistas deste país concordam que a força que emana de Lula, que lhe permite quebrar protocolos e implantar uma nova forma de governar, é exatamente esse carisma pessoal que o torna tão atraente para as pessoas simples, que, como ocorria com João 23, as pessoas querem tocá-lo e até acariciá-lo. Sábado, uma mulher do campo que conseguiu aproximar-se de Lula e beijá-lo, dizia emocionada: "Sua barba é macia e cheira muito bem".

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Fonte: http://www.uol.com.br/elpais/ult581u336.shl

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