Rabino Judeu de 34 Anos Faz Milagres em Israel

O Partido Shas, da ala ultra-ortodoxa, está encampando o misticismo para aumentar seu poder político em Israel

6 de setembro, 2000
Às12:36 PM hora de Nova York (1636 GMT)

Matt Rees

Reunidos à meia-noite em uma área iluminada por holofotes, 300 israelenses cantam em hebraico ya’ase shalom. As palavras do hino religioso significam "Ele nos trará a paz" e se referem ao poder de Deus. Mas hoje os participantes estão pensando em outra pessoa enquanto tocam tamborins e batem palmas na noite agradável. Eles pensam no rabino que caminha vagarosamente entre a multidão, com seu corpo pequeno e curvado. E o tocam para receber sua benção.

Ele é um tzaddik, um homem santo. "Purificarei o povo", o sacerdote murmura. Movimentando seu braço como um metrônomo, o rabino Yaakov Ifargan lança velas num braseiro até a chama aumentar e fazer a cera fervente escorrer, borbulhando no chão empoeirado. Às 3h00, quase quatro horas depois do início da cerimônia, ele se aproxima de alguns aleijados sentados em cadeira de rodas perto do fogo.

"Você tem fé?", Ifargan pergunta a Gabriel Rafael, 22, que sofre de esclerose múltipla. A multidão levanta o jovem pelos braços, enquanto ele tenta firmar seus pés no solo. Os fiéis clamam por um milagre, até que o rapaz desaba em sua cadeira de rodas, exausto. "Eu me sinto mais forte", diz ele.

Na presença de uma fé tão poderosa, qualquer pessoa desejaria um milagre. Mas hoje em dia, em Israel, a pergunta é que tipo de milagre o fiel está procurando. A questão mais polêmica na política interna israelense é a mania que o partido ultra-ortodoxo Shas tem de usar a fé mística para dar uma aura de pureza à sua máquina.

O rabino Ifargan, 34, é o líder mais novo e proeminente da onda de misticismo cabalístico que está crescendo em Israel, especialmente entre os Mizrahis, grupo que emigrou do norte da África e do Oriente Médio e soma 60 por cento da população. Ifargan não tem nenhuma ligação oficial com o Shas, mas o partido se aproveita da fé que o envolve para reunir apoio político e ameaçar o governo do primeiro-ministro Ehud Barak.

Cada passo do Shas é calculado para tirar vantagem das crenças fundamentais dos Mizrahis: a fé que eles depositam nos tzaddiks, o ressentimento que sentem por serem discriminados pelos judeus europeus e a tendência de se inclinarem para a direita quando se fala em processo de paz.

O Shas abandonou o Gabinete de Barak em julho porque o primeiro-ministro não quis dar detalhes aos líderes do partido sobre seus planos para o encontro com o presidente norte-americano Bill Clinton e o líder palestino Iasser Arafat em Camp David. Em represália, Barak anunciou uma "revolução secular" que acabaria com o controle que os rabinos ortodoxos têm sobre instituições como o matrimônio, permitindo a celebração de casamentos civis.

Muitos acham que Barak estava apenas tentando obter maior influência para negociar, mas essa situação mostrou que o equilíbrio entre religião e poder em Israel está balançando novamente, com graves implicações políticas.

O que Barak quer mesmo é garantir um acordo de paz até o final do mês. Esta semana, ele se reunirá com Clinton em Nova York. Talvez Arafat também vá ao encontro. Eles debaterão sobre os resultados das 20 sessões de negociação que ocorreram desde o impasse em Camp David.

A TIME foi informada de que Barak teria uma nova solução para a questão do controle do Monte do Templo em Jerusalém. A idéia parece um tanto etérea. Ele quer que Arafat concorde em considerar o Monte, sagrado para os judeus e muçulmanos, como um local pertencente somente a Deus.

Israel continuaria controlando a segurança nos acessos e os palestinos permaneceriam administrando as mesquitas do lugar. Dessa forma, cada um dos lados poderia dizer que não cedeu o local. Se conseguir a adesão de Arafat a seu plano, talvez Barak convença o eleitorado a aceitar um tratado de paz. Se não tiver êxito, ele voltará à estaca zero, tentará estabelecer alianças e terá de se preocupar com o Shas.

Mas não é só Barak que está com problemas. O antigo líder do Shas, Aryeh Deri, um dos astros da política israelense, iniciará nesta semana o cumprimento de uma pena de três anos por fraude. Mas em matéria de pedir milagres aos santos, ninguém é melhor que os seguidores de Deri. Eles querem que ele seja defendido pelo maior cabalista do país, o rabino Yitzhak Kaddouri, 96. Foi o apoio do rabino ao candidato Mizrahi à Presidência que virou a eleição contra Shimon Peres em julho.

Na pequena sala onde recebe visitas, Kaddouri, nascido em Bagdá, se acomoda entre a papelada. A pintura das paredes está descamando, encardida pela fumaça dos 20 cigarros que Kaddouri consome diariamente.

O neto se aproxima do ouvido menos surdo do rabino e grita: "Você acha que haverá um milagre e Deri não precisará ir para a prisão?". Kaddouri só responde com um risinho, ajeita o gorro e acende outro cigarro com suas mãos trêmulas. Seu neto finalmente desiste e faz entrar um menino numa cadeira de rodas, que pede a Kaddouri que o faça andar. Esse é o tipo de milagre em que o rabino acredita.

— Reportagem de Aharon Klein/Jerusalém

http://www.cnnbrasil.com/2000/time/09/06/partido.israel/ 

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