Corrida do Ouro em Sydney

Vai começar mais uma vez o maior espetáculo da Terra. Atletas do mundo inteiro vão se encontrar na Austrália para os 27º Jogos Olímpicos

6 de setembro, 2000
Às12:56 PM hora de Nova York (1656 GMT)

Karl Taro Greenfeld

A essência do esporte é buscar a superação dos limites da capacidade humana. A competição esportiva é uma das poucas atividades que nos dá a chance de testemunhar o momento em que o homem tenta atingir a perfeição. Qualquer um pode ouvir uma sinfonia escrita por um grande compositor ou admirar a cicatriz de uma cirurgia bem sucedida. Mas poucas pessoas chegam a presenciar a realização do feito.

Já o esporte é diferente, porque dá ao público a oportunidade de participar dos momentos de glória. E não há evento esportivo mais fascinante do que as Olimpíadas. A cada salto e a cada tiro de largada, nossa crença na capacidade humana aumenta um pouco. De quatro em quatro anos, as pessoas perdoam erros políticos, esquecem ódios e conflitos e partem para a busca do sucesso. A mera participação nos jogos já é uma vitória.

Mas será que os jogos teriam a mesma graça se fossem realizados todo ano, ou sempre no mesmo lugar? Durante os anos entre uma Olimpíada e outra, cresce o interesse não só pelos próximos jogos, mas também pela cidade onde o evento ocorrerá. As primeiras Olimpíadas do novo milênio terão lugar em Sydney, na Austrália.

A magnífica enseada e a Ópera de Sydney são alguns dos cartões-postais da cidade, considerada uma das mais belas do mundo. A baía também serve de panorama para uma das provas em que os australianos mais se destacam: o triatlon. Essa é primeira Olimpíada a incluir a modalidade. Para vencê-la, o atleta deve enfrentar exaustivas provas de natação, ciclismo e corrida. Os tubarões que infestam o mar da Austrália parecem confirmar que, nesse país de dimensões continentais, o espírito indômito permanece vivo. Os australianos adoram desafios.

A Austrália era habitada originalmente por aborígenes que hoje vivem em reservas no interior do país. Foi colonizada pelos europeus e recebeu milhares de imigrantes de todo o mundo. Em setembro, uma nova leva de estrangeiros —cerca de 10 mil atletas de 200 países— desembarcará em terras australianas para participar de 300 competições.

Glória olímpica

A cobertura ficará a cargo de uma multidão de 21 mil jornalistas e os eventos serão transmitidos para o mundo todo. Mesmo aqueles que prometem ficar alheios ao acontecimento não conseguirão resistir ao espírito olímpico, e os jogos mais uma vez invadirão nossa TV. Por algumas semanas, todos estarão com a atenção voltada para o maior evento desse começo de século.

Mas é também fácil esquecer esse espírito de glória olímpica. Muitas vezes, os cinco aros olímpicos parecem simbolizar não a união harmoniosa entre os continentes, mas a conexão entre o esporte e o que existe de menos nobre no mundo. A divulgação de notícias escandalosas sobre doping, manipulação de resultados, suborno, boicotes e discriminação sexual e racial faz o público se perguntar o porquê do alvoroço em torno das Olimpíadas.

No ano passado, surgiram alegações de que o comitê que defendia a nomeação de Salt Lake City, nos Estados Unidos, para sede dos jogos de inverno de 2002 teria subornado membros do Comitê Olímpico Internacional. Em sua defesa, o comitê pró-Salt Lake City revelou um fato ainda mais chocante: todas as cidades concorrentes teriam comprado votos do painel que avalia as candidatas. Em resposta, o espanhol Juan Antonio Samaranch, presidente do comitê, puniu simbolicamente os membros desonestos e deu o assunto como encerrado.

Mais do que qualquer outro presidente, Samaranch foi o grande responsável pela transformação dos Jogos Olímpicos em um espetáculo bilionário. Segundo ele, é uma tolice acreditar que as Olimpíadas não são influenciadas por interesses comerciais.

A história dos jogos prova que, embora o evento simbolize a paz entre os povos, as Olimpíadas nunca refletiram a moralidade vigente no mundo. É verdade que os gregos declaravam cessar-fogo no meio de ferozes batalhas para participar dos jogos. Mas a mitologia diz que a primeira competição olímpica, uma corrida de carruagem, foi vencida por um atleta que pagou aos cavalariços de seu adversário para que sabotassem o eixo da roda.

Quando os romanos começaram a enviar delegações, os jogos já não eram os mesmos. O imperador Nero venceu a prova de interpretação dramática —evento que introduziu e de que participou sem nenhum concorrente — e a corrida de bigas, apesar de ter abandonado a competição quando levou um tombo. Os 5.000 soldados que o protegiam talvez tenham contribuído para que o resultado favorecesse o imperador. Em 394 d.C, os jogos foram proibidos. O imperador cristão Teodósio 1º condenou as Olimpíadas como um ritual pagão e suspendeu a realização do evento.

Eventos lamentáveis

Desde que o barão Pierre de Coubertin promoveu o renascimento dos Jogos Olímpicos, em 1896, o mundo foi testemunha de eventos lamentáveis. Todos se lembram das Olimpíadas de Berlim, em 1936, usadas por Adolf Hitler para sua propaganda nazista. Seus ideais de uma raça ariana superior caíram por terra quando o negro norte-americano Jesse Owens, neto de escravos, ganhou quatro medalhas de ouro e o reconhecimento público do ídolo alemão Luz Long, seu adversário no salto em distância.

Mas a tragédia maior ainda estava por vir. Durante as Olimpíadas de Munique, em 1972, o mundo assistiu atônito ao assassinato de 11 atletas da equipe israelense por terroristas palestinos. A paz universal pregada pelos Jogos Olímpicos sempre esteve ameaçada.

Mesmo assim, a magia dos jogos continua viva. Em meio ao circo armado pela mídia, sobrevive a vontade de vencer. Ou um desejo ainda mais puro: competir pela simples graça da competição. Nem os bilhões de dólares gastos em patrocínio e anúncios vão mudar esse princípio básico.

E ainda que a participação de atletas profissionais seja agora permitida, o que predomina sempre é o espírito de competição. O corredor que ultrapassa seu rival, a ginasta que supera a destreza da adversária e o nadador que derrota os oponentes com braçadas vigorosas respondem a uma pergunta atávica: quem é o mais rápido, o mais ágil, o mais forte?

Heróis e desconhecidos

As Olimpíadas e o espírito olímpico resistiram aos séculos porque transformam pessoas simples em heróis. E o heroísmo consiste em derrotar seus oponentes. As imagens de Wilma Rudolph, a primeira norte-americana a ganhar três medalhas nos 100 metros rasos, de Mark Spitz, várias vezes campeão mundial de natação, ou de Nadia Comaneci, a jovem ginasta romena que encantou o mundo em 1976, conseguem afastar qualquer crítica que possamos fazer aos jogos. Durante alguns dias, nós todos depositamos nossas esperanças naqueles rostos desconhecidos.

A origem dos jogos remonta às festividades religiosas da antiga Grécia. No início, os participantes passavam por provas que incluíam de resistência física a recitais de poemas, música e escultura para homenagear os deuses do Olimpo —daí o nome do evento.

As Olimpíadas do mundo moderno tentam conservar o mesmo ar festivo. Ao menos para o telespectador. Pela TV, podemos assistir à largada da corrida dos cem metros rasos ou ao arremesso de dardos. Ou ainda ver a chinesa Fu Mingxia, três vezes campeã, fazer um salto ornamental. E, em seguida, acompanhar uma luta com o peso-pesado Félix Savón, boxeador cubano.

Há também as jovens promessas do atletismo. A norte-americana Marion Jones pretende ser a primeira mulher a ganhar cinco medalhas de ouro no atletismo numa mesma Olimpíada. Na natação, existe Ian "Thorpedo" Thorpe, 17, revelação da equipe australiana. Por outro lado, os fãs dos jogos olímpicos vão poder rever os atletas veteranos, como o russo Alexander Karelin, que está disputando sua quarta medalha de ouro em luta greco-romana.

Sem contar outras atrações, como o fundista e ídolo marroquino Hicham El Guerrouj e o astro do basquete Vince Carter. Ou talvez a grande atração dos jogos venha a ser algum atleta desconhecido, que ainda aguarda sua chance de brilhar.

Mas o mundo dos esportes não é feito só de atletas famosos e bem-sucedidos como Michael Johnson e Marion Jones. Há também centenas de ilustres desconhecidos como a maratonista laosiana Sirivanh Ketavong, que ainda calça os mesmos tênis usados nos jogos de Atlanta. Talvez ela nunca ganhe uma medalha ou apareça na TV. Mas, como todos seus colegas, ela estará em Sydney por uma só razão: competir.

Fonte: http://www.cnnbrasil.com/2000/time/09/06/olimpiadas/ 

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