11/09/2001: A Segunda Besta Emerge da
Terra
ONU:
Medidas Antiterroristas Prejudicaram Liberdade de Religião
21:35 29/09 (Agência
EFE)
As medidas antiterroristas adotadas depois dos ataques de 11
de setembro de 2001 provocaram em muitos países violações dos direitos humanos e da
liberdade de religião e crença.
Assim aponta o relator especial da Comissão de
Direitos Humanos das Nações Unidas para a liberdade de religião e crença, Abdelfattah
Amor, em um relatório entregue aos membros da Assembléia Geral hoje, segunda-feira.
Depois de visitar vinte países, Amor detectou que
"alguns Estados se esforçaram, em sua luta real ou
suposta contra o terrorismo, em limitar os direitos civis e políticos, entre eles o
direito à liberdade de religião e de crenças".
Isso responde à "equação simplista de que as
religiões se encontram na origem de determinados atos terroristas, por isso,
(alguns países acreditam que) a via mais direta
para evitar estes ataques é limitar a existência das religiões", acrescentou Amor.
O relator afirmou que em vários países da Ásia
Central, cujos nomes não foram citados, observou
um "recrudescimento das normas administrativas relativas à religião", em muitos
casos transgredindo as normas internacionais pertinentes.
Amor disse ainda que, em alguns casos, os
acontecimentos de 11-S permitiram legitimar, e até consolidar, políticas de perseguição de
movimentos religiosos que já existiam antes dessa data".
O funcionário da ONU acrescentou que, em alguns
casos, foi gerado um sentimento de "intolerância e rejeição", o que acabou desembocando em
uma "discriminação em todos os níveis".
De acordo com o relatório,
"também se tornaram cada vez mais freqüentes as
declarações e convocações ao ódio, assim como os atos de violência contra os membros das
minorias religiosas".
Sobre o assunto, declarou que em muitas situações
os Estados não cumpriram suas obrigações na
matéria de direitos humanos, incluído "o dever de proteger as pessoas que estejam em seu
território de atentados contra seu direito à liberdade de religião de crenças".
Segundo o relator da ONU, mulheres e crianças
são, "com muita freqüência", as principais vítimas destes atos de discriminação e
violência que, muitas vezes, são estimulados pela imprensa local.
"Os meios de comunicação continuam veiculando uma
imagem em geral falsa e negativa de determinadas comunidades religiosas e, às vezes,
incitam o ódio por motivos religiosos, dos quais são vítimas numerosas comunidades
religiosas, em particular as muçulmanas", frisou o relator.
Fonte:
http://ultimosegundo.ig.com.br/useg/mundo/artigo/0,,1362188,00.html
Nascimento do 1.º império americano
GUY SORMAN, do Le Figaro
"Ponto Zero" em Manhattan: no dia 11 de setembro nasceu o primeiro
império americano. Um primeiro império? A não ser pelas incursões em territórios próximos,
os EUA só se tornaram um império de fato no século passado, mais em função de seu poder
econômico do que por vontade política.
O contrário dos imperialismos britânicos ou franceses. Por tradição, a política
estrangeira americana era antiimperialista, contra as colonizações européias e contra o
império soviético. Os exércitos americanos só entravam em guerra a muito custo, ficaram na
Coréia e na Alemanha apenas para evitar agressões iminentes; nenhum gesto foi mais popular
nos EUA do que o de "trazer os garotos" para casa. O 11 de setembro mudou tudo isso.
As intervenções no Afeganistão e no Iraque, seguidas de ocupações que podem ser longas,
são resultado de uma nova estratégia, ao mesmo tempo justificada pelo 11 de setembro e
legitimada pelas teorias dos neoconservadores no poder. Na esteira dessa doutrina, desde
então dominante, o ataque preventivo e a presença física nos locais de emergência do
terrorismo seriam a justa resposta à ameaça. Nenhum lugar do mundo está, portanto, a salvo
de uma operação americana, seguida de ocupação. Os soldados americanos, longe de ficarem
em casa esperando um novo Pearl Harbor, se projetarão antes do inimigo; as guerrilhas no
Iraque e no Afeganistão não mudarão nada, ao contrário. Uma notícia diz que não são apenas
militares essas intervenções visando a criar Estados viáveis e, se possível, democráticos.
Esse primeiro imperialismo antecede também uma análise do século passado: os dramas
engendrados pelas ideologias totalitárias e a miséria de massa seriam essencialmente
explicáveis pela falência dos Estados. Se todas as nações fossem estruturadas pela
democracia, pelo respeito ao direito, por uma justiça independente e aplicassem boas
políticas econômicas, a violência desapareceria. E se essas nações se considerassem
inaptas a se organizar espontaneamente, ficaria a cargo dos americanos ajudá-las.
Uma teoria da redenção pelo império suscita nos EUA um debate sobre a capacidade dos
americanos de se tornarem bons imperialistas. Haverá cidadãos suficientes dispostos a se
expatriar por muito tempo, como fizeram os governadores britânicos no século 19? Eles
serão capazes de se adaptar aos costumes estrangeiros? As universidades serão capazes de
produzir uma nova geração desses administradores coloniais? E estes saberão dar a justa
resposta a uma pergunta freqüentemente mal colocada?
O problema não é só o islamismo. Não se pode mais dizer que o islamismo predisponha ao
terrorismo mais que qualquer outra religião; várias ideologias foram e continuam sendo
mais mortíferas que o islamismo; enfim, vários movimentos terroristas não lutam pelo Islã,
no Sri Lanka, na Colômbia, no Congo ou na Libéria. No exterior, não existe um modelo
islâmico como poderia ter sido o modelo soviético. O islamismo é um protesto, não um
projeto - a não ser pela repressão às mulheres, como os muçulmanos puderam constatar no
Sudão, no Afeganistão e no Irã.
O que caracteriza o terrorismo islâmico é, portanto, menos sua natureza religiosa ou
apocalíptica que o resultado de uma economia singular. Uma miséria desesperadora ao lado
de uma riqueza enorme concentrada nas mãos de uns poucos. Sem financiamento islâmico, não
haveria terrorismo islâmico e, certamente, não nesse grau de universalidade e eficácia. É
a conjunção dos lucros do petróleo e do ópio, por um lado, e o desespero de jovens
desorientados e sem ocupação, por outro, que conduziram a essa mistura explosiva a que
damos nome de terrorismo islâmico.
A solução é menos política e militar do que deveria ser econômica. Como interromper o
financiamento dos terroristas e engajar os povos árabes e muçulmanos em um desenvolvimento
sustentado que representasse uma alternativa à violência? Esse desenvolvimento dos mundos
muçulmanos parece até o momento acima de qualquer suspeita; mas nos anos 60, ninguém
acreditava na decolagem do mundo confucionista. Não é, portanto, impensável, mesmo se isso
parece pouco provável hoje, que um país árabe-muçulmano desperte e, por mimetismo, suscite
um círculo virtuoso. Assim é o projeto central do primeiro império americano, no momento,
mais na teoria do que na prática.
Os dirigentes americanos esperam da democracia o fim da violência, mas ameaças imediatas
os levaram a apoiar Putin contra os chechenos, Ben Ali contra os islâmicos tunisianos e a
ditadura argelina.
Em que medida esse regimes autoritários são eles próprios anteparo para o islamismo
radical?Nem todos os chechenos contrários aos russos são muçulmanos; nem todos os
argelinos fugidos da ditadura militar, da miséria e da corrupção, são terroristas, e nem
todos os muçulmanos são necessariamente terroristas. Como persuadir um cidadão egípcio ou
um estudante tunisino ansiosos por desenvolvimento econômico e de tradição muçulmana que
os americanos querem sinceramente a democracia, já que eles apóiam no Egito e na Tunísia
regimes que não são nem muçulmanos nem progressistas?
A luta contra o terrorismo põe o primeiro império americano num dilema entre a desordem e
a injustiça. Uma contradição intransponível há tanto tempo que algumas nações muçulmanas
não conseguiram demonstrar que se pode ser ao mesmo tempo religioso, democrata e
progressista. Isso que os americanos querem demonstrar no Iraque e apoiando o governo
muçulmano turco...
Diante do novo império americano, a Europa sem exército, sem comando único e sem
Constituição, continua de mãos atadas. O crescimento lento, agravado por mediações
ecológicas, a transforma pouco a pouco em um museu agradável para as elites, mas sem
janelas para as novas gerações. Como o euro não substituiu o dólar e nossa economia
social-democrata não é uma alternativa eficaz para o mercado americano, a Europa não
propõe aos países pobres, nem a seus próprios pobres, um projeto de desenvolvimento. No
interior, a diplomacia pacifista da ONU, França e Alemanha é regra; no exterior, essa
diplomacia beneficia Estados pouco recomendáveis.
Desde então, a Europa não parece mais a defensora inflamada dos direitos do homem, mas a
advogada ciosa dos direitos dos dirigentes e do status quo.
Nesse início de uma nova era, o projeto de civilização européia continua perdido, tanto
que os recém-chegados da Europa Central e do norte anglo-saxão se perguntam: a União
Européia ainda é o negócio do século?
A ONU se comporta ainda pior. Há muito tempo paralisadas pela guerra fria, as Nações
Unidas estão agora por sua conta. A afronta anglo-americana no Conselho de Segurança sobre
o controle de armas iraquianas não foi a causa, mas a revelação da discrepância entre a
Carta da ONU e suas intenções. Esse conselho, herança de acordos de paz de 1945, não
representa mais o mundo tal como é hoje: a ausência do Brasil, Japão, Alemanha, África do
Sul e Índia não permite que seja considerado diretório mundial legítimo. Na medida em que
essa instância não será renovada, é inútil esperar um bom governo mundial.
A situação também está caótica na Assembléia-Geral; sua composição supõe que toda
nação-Estado seja autêntica e seus dirigentes disponham de uma legitimidade equivalente.
Como a maior parte desses Estados são, na melhor das hipóteses, cleptocracias e, na pior,
tiranias, é evidente que a Carta da ONU não pode mais ser considerada base de qualquer
ordem mundial. Esse texto obsoleto ignora situações inomináveis, como o Afeganistão e
Kosovo; Estados de fato estão se multiplicando, na Ásia Central e na África, à medida em
que Estados de Direito se dissolvem.
No intervalo. quem, senão os americanos, exercerá o governo mundial com alguns europeus em
tropas suplementares? Quem os substituirá em situações de urgência? A crítica,
indispensável, desse primeiro império americano será mais legítima se vier acompanhada de
um projeto de reformulação da ONU. Como ninguém o escreve e os tiranos - majoritários -
não o querem, a ONU, dublê de Cruz Vermelha, será confinada às tarefas majoritárias. Só
resta provar que ficou com a melhor parte.
Onde estão as opções? Nos anos 80, o problema era o declínio do Ocidente, da emergência de
novos pólos de poder que os profetas da época situavam no Japão, na China, às vezes no
Brasil, mais raramente na Índia e nunca na África. Mas quem ainda acredita em um modelo
alternativo ao império americano? A China? Ela progride de maneira caótica graças aos
investimentos estrangeiros e à repressão interna. O Brasil? Hesita entre a liberdade e o
estatismo. A Índia? Muito exótica...
A curiosidade despertada há uma década pelos "valores asiáticos" desapareceu desde que o
mundo confucionista, rápido e sem muito ânimo, aderiu ao modelo americano. Enfim, a
metamorfose da URSS em uma simples economia regional fundada no petróleo e no gás
facilitou essa grande transição em direção a um liberalismo universal. Se o império
americano não detém a receita da felicidade, ninguém a leste ou ao sul contesta sua
receita da eficácia.
Fonte:
http://www.estado.estadao.com.br/editorias/2003/09/28/int011.html
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