Associação Geral Reúne Pastores, Administradores, Editores e Professores para Discutir a Inspiração de Ellen G. White


A Conferência Bíblica de 1919 - Parte I

Introdução

Molleurus Couperus*

Apresentamos a tradução das transcrições taquigráficas da famosa "Conferência Bíblica de 1919". O importante documento, que oferecemos ligeiramente condensado, manteve-se esquecido por mais de seis décadas num remoto canto dos arquivos dos escritórios da Associação Geral, em Takoma Park, Md., E.U.A., até serem descobertos pelo Dr. F. Donald Yost, compreendendo 2.400 páginas de cópias das notas taquigráficas dessa série de conferências esclarecedoras. Tendo participação destacada do então presidente da Associação Geral, Pastor Arthur G. Daniells, as reuniões abrangeram os meses de julho e agosto de 1919. Um artigo do órgão oficial da Igreja, Review and Herald, de 21/8/1919, noticia que o encontro reuniu "editores, professores de Bíblia e História de nossos colégios e seminários, e membros da Comissão da Associação Geral", com participação de cerca de 50 pessoas. Foi traduzido da edição de Spectrum, publicação da Associação de Fóruns Adventistas, Vol. 10, no. 1, pp. 23 a 26.

___________
 

* Molleurus Couperus chefiava o departamento de Dermatologia da Faculdade de Medicina da Universidade Loma Linda até aposentar-se. Este artigo foi traduzido de Spectrum, Vol. 10, no 1, pp. 23 a 26.


Um comentário de Molleurus Couperus, que escreveu a introdução do material aqui transcrito, pode dar a medida da relevância para nós de tal conclave e de suas conclusões e decisões: "Parece uma tragédia que este material não estivesse disponível aos professores e pastores adventistas após a Conferência Bíblica, e que a mensagem que os participantes dessa conferência desejaram compartilhar com a membresia da Igreja nunca haja sido transmitida".

A Igreja Adventista do Sétimo Dia tem sido abençoada pela grande dedicação e liderança de muitos indivíduos, tanto durante os primórdios de sua história quanto ao longo de seu desenvolvimento posterior. Entre esses, ninguém tem tido maior influência sobre esta Igreja do que Ellen G. White, desde pouco depois do Desapontamento de 1844, até o presente, muito após sua morte em 16 de julho de 1915.

A despeito de sua limitada educação formal, Ellen (Harmon) White desenvolveu-se como pessoa de profunda percepção e estatura espiritual, revelando-se sábia conselheira e líder, profunda estudiosa e comentarista da Bíblia. Todas essas características estão refletidas no volumoso material escrito que procedeu de sua pena, e que tem continuado a estender sua influência e autoridade sobre sua Igreja até o presente.

Ellen G. White, com o tempo, tornou-se cada vez mais ativa na pregação e viajou vastamente, no que se inclui a Austrália e a Europa, para ajudar a Igreja em sua expansão. Ela também se empenhou na redação de artigos para vários periódicos denominacionais e na publicação de livros grandes e coletânea de livros, tais como a série de cinco volumes chamada O Conflito dos Séculos. Para auxiliá-la nessa parte de seu trabalho, de tantas exigências, teve a possibilidade de valer-se dos serviços de hábeis assistentes literárias, como Marian Davis, que trabalhou com ela por cerca de 25 anos.

Logo após suas primeiras visões terem aparecido e sido publicadas, naturalmente perguntas foram suscitadas com respeito à natureza dessas visões, sua autoridade e, pouco depois, a relação delas com a Bíblia. Esta última questão tem permanecido um tema de debate e até controvérsia na Igreja desde então. O marido de Ellen G. White, Tiago White, estava plenamente consciente desse problema logo após suas primeiras visões, e discutiu-o longamente já em 21 de abril de 1851 na Review & Herald onde expressava que ninguém está "em liberdade de volver-se [das Escrituras] para aprender seu dever mediante quaisquer dos dons. Dizemos que no momento em que o fizer, coloca os dons num lugar errado, e assume uma posição perigosa".

Declarava ele noutro artigo de idêntico teor: "A Palavra de Deus é uma rocha eterna. Sobre ela podemos firmar-nos confiantemente todo o tempo. . . . Conquanto o Senhor conceda sonhos, destinados geralmente a indivíduos que os possuem, para confortar, corrigir ou instruir em provas e perigos extremos, contudo supor que Ele tenciona guiar em deveres gerais por sonhos é anti-escriturístico e muito perigoso. A Palavra e o Espírito são-nos dados para guiar". Quatro anos mais tarde, na edição de 16 de outubro de 1855, ele dizia: "Há uma classe de pessoas que se propuseram a que a Review e seus dirigentes tornem as visões da Sra. White como teste de doutrina e comunhão cristã. O que tem a Review a ver com as visões da Sra. White? Os sentimentos publicados nestas colunas são todos exarados das Escrituras Sagradas. Nenhum redator da Review jamais se referiu a elas como autoridade sobre qualquer ponto. A Review por cinco anos não tem publicado nenhuma delas. Seu lema tem sido, 'A Bíblia e a Bíblia só é a única regra de fé e dever'".

Ao passarem-se os anos, alguns na Igreja reivindicaram inspiração verbal para os escritos de Ellen White, uma posição rejeitada por Tiago White e oficialmente pela Igreja. Outros reivindicavam infalibilidade, e muitos a chamavam de profetisa. Ela negava ambas as coisas, mas entendia que sua obra era mais do que a de um profeta, denominando-se uma "mensageira". Quanto a infalibilidade, ela declarou: "Com respeito a infalibilidade, nunca a reivindiquei; Deus somente é infalível" (Selected Messages [Mensagens Escolhidas] I, p. 37). A despeito dessas declarações, de tempos em tempos alguns autores na Igreja têm atribuído variados graus de infalibilidade a seus escritos. Roderick Owen, na reimpressão de um artigo na Review & Herald de 2 de junho de 1971, atribuía-lhe "a interpretação infalível das Escrituras".

A posição oficial da Igreja Adventista do Sétimo Dia tem sempre sido de que nossas crenças são tão-só baseadas nas Escrituras, e que pela Bíblia Sagrada todas as reivindicações pela verdade religiosa devem ser testadas em última instância. Crer que Ellen White foi usada por Deus para ajudar a guiar a igreja recém-nascida como uma líder espiritual não implica que se possa atribuir-lhe infalibilidade em seu trabalho, palavras ou escritos. O seu filho, W. C. White, que trabalhou intimamente com a mãe por muitos anos, e para os Depositários dos Escritos de Ellen G. White após sua morte, escreveu a respeito de suas declarações sobre História: "Mamãe nunca reivindicou ser autoridade em História" (W. C. White, em The Great Controversy Edição de 1911, p. 4; citado por Arthur L. White em The Ellen G. White Writings, 1973).

"No que respeita aos escritos de mamãe e o seu emprego como autoridade em pontos de História e Cronologia, mamãe nunca quis que seus irmãos os tratassem como autoridade concernente a detalhes de História ou datas históricas. . . . Quando O Conflito dos Séculos foi escrito, mamãe nunca imaginou que os leitores o tomariam como autoridade em datas históricas ou o empregariam para resolver controvérsias a respeito de detalhes históricos, e ela não julga agora que deva ser empregado dessa forma" (carta de W. C. White a W. W. Eastman, 4 de novembro de 1912; citado em The Ellen G. White Writings, por Arthur L. White, pp. 33 e 34).

Por que padrões, então, devem ser os escritos de Ellen White julgados? Em primeiro lugar, segundo suas próprias palavras e as de Tiago White: pela Escritura. Todas as outras declarações, de caráter histórico, médico, científico, à semelhança das declarações de qualquer outro mortal, devem ser capazes de passar pelo crivo da pesquisa histórica ou científica--o teste da verdade, como creio que Ellen White desejaria. Então a sua mensagem, tão grandemente confinada a sua própria Igreja pela atitude infundada daqueles que advogam infalibilidade para os seus escritos, tornar-se-ia aceitável também para o estudo devocional e bíblico fora da própria Igreja, que tem sido acusada por tantos anos de possuir "uma adição às Escrituras ou acima delas".

O conflito que se tem manifestado na Igreja Adventista do Sétimo Dia para chegar-se a uma decisão aceitável e honesta quanto ao lugar que os escritos de Ellen G. White devem ter na nossa Igreja e para os que pertencem a outras Igrejas é ilustrado pelos debates que tiveram lugar na Conferência Bíblica em Takoma Park, durante 1o a 21 de julho de 1919, e que foi imediatamente seguida por uma série de reuniões de três semanas do Concílio de Professores de Bíblia e História. Na Review & Herald de 14 de agosto de 1919, W. E. Howell alista 22 delegados de nossos colégios que assistiram ao Concílio de Professores de Bíblia e História, e outra evidência indica que o número total dos que estiveram presentes à Conferência Bíblica foi de mais de 50.

O presidente da Associação Geral da época, Arthur G. Daniells, prestou relatório da Conferência Bíblica na Review & Herald de 21 de agosto de 1919 e nos informa que a reunião teve participação de "redatores, professores de Bíblia e História de nossos colégios e seminários, e membros da Comissão da Associação Geral". Entre os que tiveram participação na Conferência Bíblica, além de A. G. Daniells, estavam autoridades diversas da denominação na área administrativa e educacional, redatores e editores da Review & Herald e outras publicações adventistas, secretário de campo, professores de seminários e outras instituições educacionais da Igreja. [N.T. -- O artigo original alista seus nomes e posições].
 

Em seu relatório da Conferência Bíblica, o Pr. Daniells destacou a importância de contínuo e mais profundo estudo das Escrituras por nossa Igreja. Declarou ele: "O grande objeto desta conferência é unir-nos num estudo prático, definido e espiritual da Palavra de Deus". A seguir passa a citar longos trechos de Ellen G. White aconselhando a Igreja ao diligente estudo das Escrituras, o que inclui: "O fato de não haver controvérsia ou agitação entre o povo de Deus não deve ser considerado evidência conclusiva de que estão se apegando à sã doutrina. Há razão para temer que podem não estar discriminando claramente entre a verdade e o erro. Quando nenhumas questões novas são despertadas pela investigação das Escrituras, quando nenhuma diferença de opinião se levanta que leve os homens à pesquisa da Bíblia por si mesmos para assegurar que possuem a verdade, haverá muitos agora, como nos tempos antigos, que se apegarão à tradição, e adorarão aquilo que desconhecem" (Testimonies for the Church, Vol. V, pp. 706, 707).

O Pr. Daniells também relatou as decisões que se tomaram durante a conferência, e disto citamos:

"Portanto expressamos nossa apreciação quanto aos aspectos definidos que marcaram as sessões desta Conferência Bíblica:

"5. Pelo incentivo de mais zeloso estudo bíblico que a conferência tem despertado. . . . Reconhecemos, contudo, que há ainda muitas minas de verdade nas Santas Escrituras, e que estas produzirão o seu tesouro ao buscador da justiça que for zeloso e fervoroso em oração. . . .

"6. Cremos que as bênçãos e benefícios que se produzirão de conferências bíblicas como esta que desfrutamos devem ser perpetuadas no futuro. . . . Portanto, solicitamos insistentemente que a Comissão da Associação Geral faça arranjos para outra conferência desta natureza em 1920. . . ."

Tal conferência, todavia, nunca foi organizada.

Os registros da Conferência Bíblica de 1919 estiveram perdidos até dezembro de 1974, quando o Dr. F. Donald Yost encontrou dois pacotes embrulhados em papel no edifício da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia, em Takoma Park. Os pacotes continham cerca de 2.400 páginas de material datilografado, transcritos de notas estenográficas tomadas durante a Conferência. Parece uma tragédia que este material não estivesse disponível aos professores e pastores adventistas após a Conferência Bíblica, e que a mensagem que os participantes nessa conferência desejaram compartilhar com a membresia da Igreja nunca haja sido transmitida.

A seguir, apresentamos o registro transcrito das reuniões da Conferência Bíblica de 1919, em 30 de julho e 1o de agosto, que trataram especialmente sobre o espírito de profecia. As discussões foram abertas e francas, mas refletem grande sensibilidade. Houve outras reuniões em que este assunto foi discutido, mas as reuniões aqui relatadas foram as mais longas e abrangentes. Delas participaram vários indivíduos que haviam trabalhado pessoalmente com Ellen White por muitos anos. Devido a seu grande significado histórico, as transcrições são publicadas de forma completa e sem revisões editoriais, de modo a que os participantes das duas reuniões possam falar por si mesmos**.

___________
** Este último comentário não se aplica plenamente à tradução do material, embora se possa dar absoluta garantia quanto à fidelidade às palavras originais da transcrição das reuniões. O material foi ligeiramente condensado. As omissões estão assinaladas com ". . ." e constituem cerca de 10% do texto original (trechos irrelevantes que não alteram em nada o teor do contexto). Para efeito de tradução ao português pequenos ajustes editoriais foram realizados para maior clareza e concatenação de idéias. O original completo foi publicado em Spectrum, Vol. 10, no 1, pp. 23 a 57.

Continua...

Retornar

Para entrar em contato conosco, utilize este e-mail: adventistas@adventistas.com