Estados Unidos da América:
Um País com Medo
Em nome de uma cruzada
antiterror, os EUA fecham suas portas aos estrangeiros, violam a privacidade de seus
cidadãos e intimidam o mundo com o que a Doutrina Bush classifica de ‘‘ataques
preventivos’’
Graciela Urquiza Mendes
João Cláudio Garcia
Da equipe do Correio
Dois
anos após o pior atentado terrorista contra os Estados Unidos, o mundo não é mais o
mesmo e nem o país de George Walker Bush, o 43º presidente norte-americano. A
superpotência mostra uma face mais conservadora, mais militarista e bem menos
democrática. Alguns diriam que o Império do Norte teria, inclusive, se afastado dos
ideais de Thomas Jefferson.
No texto da Declaração da Independência dos Estados Unidos da América, de 4 de julho
de 1776, Jefferson fez defesa apaixonada dos direitos naturais do homem e da
auto-determinação dos povos. São nas aspirações dos cidadãos e não nas de seus
dirigentes que consiste a criação de uma nação, sustentava. Seus argumentos serviram
de base para a democracia moderna que se instalou no Novo Continente.
Um
país militarizado
Hoje, os falcões de Bush, senhores da guerra, nem devem olhar para o retrato que
repousa na moldura reservada ao terceiro presidente dos EUA na Casa Branca, em
Washington. Princípios democráticos básicos, como o sigilo bancário, a troca de
correspondência pela Internet e a conversa reservada entre advogados e clientes, foram
sacrificados em nome da cruzada antiterror que o governo norte-americano lançou depois
do 11 de setembro de 2001.
Naquela terça-feira, Boeings controlados por
suicidas muçulmanos de uma sombria rede Al-Qaeda atingiram em cheio o coração do
império. No Pentágono, órgão máximo do sistema de Defesa do país, morreram 190
pessoas. Nas torres do World Trade Center, em Nova York, um dos maiores centros
comerciais do mundo, 2.792 vidas desapareceram sob toneladas de aço e concreto. Entre
essas vítimas havia quatro brasileiros. O Correio localizou as famílias desses
brasileiros.
Um terceiro avião só não atingiu seu alvo, a
Casa Branca, porque os seqüestradores resolveram derrubá-lo depois de uma rebelião de
passageiros a bordo. O Boeing espatifou-se num pântano da Pensilvânia. Mais 45 mortos.
Os 19 terroristas do 11 de setembro — a maioria de origem árabe — desafiaram e
conseguir violar o sistema de segurança mais rígido do mundo.
Contra-ataque
Ferido de morte, o gigante capitalista reagiu
com a mesma violência. Atacou e invadiu o Afeganistão, expulsando de lá o regime
Talibã que dava apoio à Al-Qaeda. Prendeu indiscriminadamente por todo o seu
território. E deportou milhares de imigrantes. Depois, fechou-se para o mundo. Viajar
para os Estados Unidos tornou-se complicado e caro.
A queda no número de estudantes estrangeiros nas
universidades norte-americanas atingiu 20%, e o prejuízo calculado pelo setor
turístico com a redução das viagens é de US$ 100 bilhões. Americanos ainda
experimentam tempos sombrios neste 2003. O medo é sentimento corrente no país. Esta
semana, pesquisa mostrou que dois terços dos nova-iorquinos temem um novo atentado.
E viver com medo significa, para a nação
norte-americana, viver com menos liberdade. A vigilância sobre o povo redobrou. Não há
mais privacidade total desde que Bush sancionou a Lei Patriótica, em outubro de 2001
(leia as principais medidas nesta página). A autorização judicial para cooperação
entre serviços de inteligência e de segurança tornou cada cidadão alvo potencial da
bisbilhotagem federal. Com uma simples e rápida permissão de um tribunal especial,
qualquer um pode ter seus aparelhos telefônicos grampeados, seus e-mails rastreados e
seus registros em bibliotecas públicas investigados.
Kay Khan, deputada de Massachussets, ficou
intrigada depois de tentar repetidas vezes, sem sucesso, completar uma transferência
de US$ 300 para seu irmão pela internet. Descobriu que não conseguia porque seu
marido, norte-americano naturalizado e de sobrenome árabe, estava numa lista elaborada
pelo banco de suspeitos que poderiam ter cooperado com terroristas. Em Seattle, a
biblioteca pública mandou imprimir 3 mil marcadores de página alertando que qualquer
freqüentador do prédio pode ser espionado pelo FBI (polícia federal) sem aviso prévio.
George W. Bush também marcha na contramão de
administrações modernas ao definir um dos maiores orçamentos públicos para o setor de
Defesa, US$ 380 bilhões. Essa montanha de dólares já está abastecendo a indústria de
armamento (fiel doadora de sua campanha) e um projeto tão polêmico quanto ambicioso: o
escudo antimíssil balístico. Inspirado no antigo Guerra nas Estrelas de Ronald Reagan,
ele havia sido arquivado pelo governo do democrata Bill Clinton. Reabilitada por Bush,
a parafernália bélica servirá, ao custo de US$ 80 bilhões, para rechaçar ataques de
nações agrupadas no que o staff da Casa Branca definiu como ‘‘eixo do mal’’ — Iraque,
Irã e Coréia do Norte.
Guerra ao Iraque
A sede de vingança depois dos atentados do 11/9
fez o governo norte-americano redefinir toda a política externa do país, estabelecendo
uma linha invisível de amigos e inimigos. ‘‘Ou estão conosco ou estão contra nós’’,
afirmou o presidente Bush, num discurso no Congresso. O ponto central de sua doutrina
consistia no princípio do ‘‘ataque preventivo’’. Isto é, qualquer país poderia ser
atacado, caso representasse uma ameaça aos Estados Unidos. Essa tese foi aplicada pela
primeira vez em março, contra o ex-ditador iraquiano Saddam Hussein, a quem a Casa
Branca acusava de possuir armas de destruição em massa que até hoje não foram
encontradas.
Os tentáculos da Casa Branca também passaram a
sufocar o setor do livre comércio, uma prática tão identificada com o american way of
life (o modo norte-americano de viver) quanto o hambúrguer. Em tempos de globalização
e intercâmbio comercial entre blocos continentais, Bush abriu uma guerra com o mundo
ao sobretaxar o aço importado, e adotou um pacote de medidas protecionistas para o
setor agrícola, a farm bill. |