Dízimo Retido na Fonte: Ilegal e Imoral!

Escola tem de devolver dízimo a professora

Determinação foi da Justiça de Franca, no interior de São Paulo; colégio descontava 10% do salário todos os meses

Instituição afirma ter cumprido a decisão judicial, mas a professora disse ainda não ter recebido os R$ 5 mil definidos após acordo

JUCIMARA DE PAUDA
DA FOLHA RIBEIRÃO

Uma decisão da Justiça deu à professora Renata Acosta Alves dos Santos, de Franca (interior de São Paulo), o direito de receber de volta o dinheiro que foi descontado do salário dela a título de "dízimo" pelo Instituto Paulista Adventista de Educação e Assistência Social de Franca. Na decisão, foi negado recurso à escola.

Evangélica, Renata trabalhou na escola nove anos e, nesse período, 10% de seu salário foi descontado e repassado à Igreja Adventista. No total, foram descontados R$ 31 mil. Como ela só entrou com a ação dois anos após pedir demissão, só teve direito a receber o valor descontado nos três últimos anos de trabalho, cerca de R$ 10 mil. Após um acordo com a direção da escola, aceitou receber menos, mas à vista: R$ 5 mil.

O valor ainda não foi pago, disse. "Demorei [a ir à Justiça] pois queria ter certeza do que estava fazendo. Essa ação é para a instituição repensar o modo como trata o funcionário."

Na ação, Renata -que ainda freqüenta a igreja, mas diz que é evitada pelos outros fiéis- admite que assinou documento autorizando o desconto de 10% no salário (R$ 700 na época), mas, mesmo assim, a Justiça considerou a prática indevida.

Segundo a decisão, da 1ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, o desconto não se enquadra nas exceções previstas no artigo 462 da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) -adiantamento ou dispositivo de lei ou de contrato coletivo. Também não configura adesão a planos de assistência ou a entidade cooperativa, cultural ou recreativa.

"Quando ela entrou na escola e falaram do desconto, concordou porque todos da igreja que trabalham no colégio pagam o dízimo. Além disso, ela corria o risco de perder o emprego caso dissesse não", diz Reginaldo Santos, 30, marido de Renata.

Outro lado

A direção da escola não quis comentar o caso e também se negou a dizer se ainda cobra o "dízimo". Limitou-se a dizer que cumpriu a decisão judicial.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2009200718.htm


Quando em 1999 escrevi a respeito de práticas ilegais e imorais adotadas pela IASD com relação ao dízimo, fiz questão de citar o item V 05 17 S do livro das Praxes Administrativas da IASD. Esta praxe determina que as instituições denominacionais descontem de seus funcionários 10% de dízimo direto na fonte. Chamei esta prática de DRF - Dízimo Retido na Fonte.

Na época considerei esta prática como "obrigar a obediência e automatizar a fidelidade", algo equivalente a construir uma cerca em volta da árvore da ciência do bem e do mal para evitar o pecado.

Em vez de avaliar se o que eu escrevi fazia sentido, a IASD preferiu me rotular como crítico da igreja, dissidente e, finalmente acabei excluído em 1999 por tudo o que disse e escrevi a respeito das práticas imorais e ilegais da IASD com relação ao dízimo.

Infelizmente hoje foi necessário vir um juiz do tribunal (segunda instância) e dizer o seguinte em sua sentença no caso da professora Renata:

"Autorização concedida durante a vigência contratual, em que a empregada se encontra em estado de subordinação, não detém a espontaneidade necessária para legitimar a oferenda de donativo."

É uma vergonha para a IASD, para seus administradores, para seus teólogos e para os seus membros ter que ouvir um juiz não adventista dizer o óbvio: que a assinatura de uma autorização de desconto de 10% do salário não é feita com espontaneidade já que a funcionária está num estado de subordinação à organização.

Além de ser imoral por não conter espontaneidade, o ato é ilegal já que a legislação trabalhista brasileira especifica claramente os possíveis tipos de descontos diretos na folha de pagamento. O dízimo não está entre eles.

O próprio juíz de primeira instância declarou o seguinte em sua sentença:

"O Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Súmula 342, já se pronunciou sobre a matéria, reconhecendo como válidos outros descontos salariais efetuados em folhas de pagamentos dos trabalhadores, mas dentre esses descontos não consta o chamado "dizimo". Assim sendo, defiro o pedido de ressarcimento dos descontos efetuados nos salários da autora, a título de "dízimo".

Isso significa que de acordo com a legislação trabalhista brasileira o dízimo não pode ser descontado na folha de pagamento. Os funcionários que assinarem uma autorização para que a organização adventista desconte 10% de seus salários a título de dízimo estão na verdade ajudando a organização a desrespeitar a lei do nosso país sendo assim cúmplices.

Eu ficaria feliz se soubesse que os atuais membros da IASD pressionassem a administração da igreja para que esta deixasse de agir ilegalmente e começasse a partir de agora a respeitar as leis de nosso país. E assim sendo deixasse de fazer esta cobrança imoral na folha de pagamento dos seus funcionários.

Que cada crente sincero tome sua decisão diante de Deus e leve seus recursos à casa do Senhor de maneira espontânea e proceda a entrega do dinheiro num contexto de adoração e liberalidade.

Ricardo Nicotra


Veja abaixo cópia da Sentença em primeira instância:

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO 2ª VARA DO TRABALHO DE FRANCA - SP Processo nº 302/06-9 Vistos, etc... Submetido o processo a julgamento, pela 2ª Vara do Trabalho de Franca-SP foi proferida a seguinte S E N T E N Ç A:

 

RENATA ACOSTA ALVES DOS SANTOS, qualificada na inicial, ajuizou reclamação trabalhista em face de INSTITUIÇÃO PAULISTA ADVENTISTA DE EDUCAÇÃO E ASSISTÊNCIA SOCIAL, aduzindo, em síntese, que: foi admitida em 01.02.1995 e dispensada em 06.03.2004; laborava em sobrejornada sem a devida contraprestação; era obrigada a usar uniformes, que não eram fornecidos pela reclamada; fazia visitas às casas dos alunos, cujo transporte não era ressarcido pela empresa; utilizava materiais próprios para relatórios e recursos didáticos para os alunos, os quais não eram ressarcidos pela ré; sofria descontos indevidos em seus salários, a título de dízimo. Postula o recebimento de: horas extras e reflexos; ressarcimento de gastos com uniformes, visitas a alunos e com materiais didáticos; ressarcimento dos descontos a título de dízimo; multa do art. 477 da CLT. Deu à causa o valor de R$ 31.956,07. Juntou documentos.

 

A reclamada apresentou defesa escrita, na qual argüiu prescrição, falta de submissão da demanda à comissão de conciliação prévia e alegou que: não havia labor em sobrejornada; a reclamante não participava dos HTP?s; os eventos eram realizados dentro do horário normal de aulas; os raros eventos realizados fora da jornada normal foram compensados; a escola nunca obrigou os professores a utilizaram uniformes e não promoveu qualquer medida para que este fosse adotado; não houve, também, determinação para que os professores visitassem seus alunos em ambientes fora da escola; todo o material necessário para a atividade da reclamante era fornecido pela reclamada; os descontos a título de dízimo foram expressamente autorizados pela autora. Impugnou os demais pedidos. Juntou documentos.

 

Realizada audiência, na qual, rejeitada a proposta de conciliação, foram ouvidas as partes, duas testemunhas da reclamante, uma da reclamada e foi encerrada a instrução processual. Razões finais pela reclamante às fls. 281/286 e pela reclamada às fls. 287/293. Inconciliados. É O RELATÓRIO.

 

FUNDAMENTAÇÃO da comissão de conciliação prévia

 

A submissão das reclamações trabalhistas à comissão de conciliação prévia não é obrigatória, não existindo qualquer determinação legal nesse sentido. Mesmo porque, o direito de acesso ao Poder Judiciário é constitucionalmente garantido a todos. Ademais, é da reclamada o ônus de comprovar a existência de comissão de conciliação prévia, composta pelo sindicato da categoria na reclamante, na cidade de Franca e desse ônus não se desincumbiu. Há, portanto, interesse de agir da reclamante, motivo pelo qual afasto a preliminar. da prescrição A Constituição Federal, em seu artigo 7º, XXIX, garante aos empregados o direito de: ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho.

 

Tendo a presente reclamatória sido ajuizada em 03.02.2006, encontram-se prescritos todos os direitos cuja exigibilidade operou-se antes de 03.02.2001. Acolho a prescrição parcial argüida pela reclamada. das horas extras A inicial descreve que a reclamante laborava, como professora (período não prescrito), das 12h40 às 17h45, de segunda a sexta-feira, mas às segundas-feiras estendia sua jornada até às 19h; trabalhava nos dias festivos, conforme cronograma estabelecido pela reclamada, aos sábados, domingos e feriados, sempre a partir das 17h. A defesa alegou que não havia labor em sobrejornada e que a reclamante não participava dos HTP?s; os eventos eram realizados dentro do horário normal de aulas; os raros eventos realizados fora da jornada normal foram compensados.

 

Em depoimento pessoal, a autora disse que: como professora, trabalhava das 12h40 às 17h45, sem intervalo, sendo que nas segundas-feiras participava de reuniões HTP, até às 19h; laborava nos eventos realizados pela escola (dias dos pais, dias das mães, três formaturas, páscoa, sete de setembro) e quatro reuniões de pais e mestres por ano, os quais eram realizados durante a semana, das 20h às 21h30; não eram concedidas folgas compensatórias; às sextas-feiras os alunos saíam mais cedo, mas a depoente permanecia até às 17h30/17h45, aguardando a saída de todos os alunos.

 

O preposto da reclamada afirmou, em depoimento pessoal, que: como professora, a reclamante trabalhava das 13h às 17h, com 15 a 20 minutos de intervalo; a reclamante participava de reuniões a cada uma ou duas semanas, geralmente às terças ou quartas-feiras, das 16h às 17h; a reclamante também comparecia fora de horário para preparar as comemorações do dia dos pais, dia das mães, sete de setembro, feira cultural, páscoa, ocasiões em que laborava uma vez na semana do evento até às 18h30/19h; a reclamante recebia folgas para compensar esse trabalho; quando necessário, a reclamante participava de eventos em domingos ou algum feriado.

 

A primeira testemunha da autora informou que: a depoente não presenciava a reclamante entrando e saindo do serviço. A segunda testemunha obreira asseverou que: a filha da depoente estuda a Escola Adventista desde 1995, tendo sido aluna da reclamante por 2 anos, por volta dos anos de 1995 a 1996; a depoente não sabe ao certo, mas acredita que a reclamante começava entre 12h30 e 13h00; as aulas se iniciavam às 13h e se encerravam, de segunda a quinta-feira, por volta das 17h30 e às sextas-feiras por volta das 16h30/17h; a depoente não sabe a que horas a reclamante deixava o serviço, mas a autora só poderia deixar a escola depois que todos os seus alunos saíssem, tendo havido ocasiões em que a depoente foi buscar sua filha às 19h e a reclamante lá se encontrava; a reclamante fez visitas à casa da depoente em cerca de 4 oportunidades, geralmente entre 20h e 21h ou pouco mais; a reclamante participava das reuniões com pais de alunos, normalmente das 20h às 22h, aproximadamente; a depoente não se recorda em que datas foram realizadas as visitas em sua residência, porque já se passaram quase 10 anos.

 

A testemunha da reclamada assim se manifestou: a reclamante trabalhava das 13h às 17h30, sendo que às sextas-feiras deixava o serviço às 17h; a reclamante dispunha de 20 minutos de intervalo, ocasião em que permanecia no recreio juntamente com as crianças; a reclamante participava de reuniões HTP, das 17h30 às 19h00, as quais eram realizadas inicialmente uma vez por semana e, nos dois últimos anos em que a autora trabalhou, uma vez por quinzena; nos dois últimos anos as reuniões eram remuneradas; a reclamante folgava em "janelas" existentes entre feriados e finais de semana, para compensar o trabalho nos eventos; os eventos nos dias festivos eram realizados em horários diversos, como das 20h às 22h, em domingos, das 8h às 12h ou das 8h às 16h; algumas reuniões de pais foram realizadas no horário das aulas, mas a maioria era realizada das 20h às 22h, uma vez por bimestre; referidas reuniões eram remuneradas pela reclamada.

 

Confrontando as assertivas da inicial e da defesa, em consonância com os depoimentos pessoais e a prova testemunhal, chega-se à conclusão que a reclamante participava dos seguintes eventos fora da jornada contratual, os quais não eram pagos ou compensados: uma vez por semana, às segundas-feiras, das 17h45 às 19h, nas reuniões de HTP; quatro reuniões de pais e mestres por ano, também das 17h45 às 19h; quatro oportunidades por anos, nas vésperas do dia das mães, dia dos pais, páscoa e sete de setembro, igualmente laborava das 17h45 às 19h. Tais horas são extras e serão remuneradas com o adicional constitucional de 50%

 

Os valores serão apurados em liquidação de sentença, observada a última remuneração da autora e o divisor mensal 220. Por não serem habituais, indefiro os pedidos de reflexos das horas extras. do ressarcimento das despesas gastas com uso obrigatório de uniformes, visitas a residências de alunos e materiais didáticos A reclamante não provou, de forma eficaz, que era obrigada a usar uniformes da escola e que estes eram pagos por ela. Não existe qualquer comprovante das eventuais despesas gastas pela reclamante a tal título. Não provou, também, que no período imprescrito tivesse feito visitas a seus alunos em suas residências, nem demonstrou gastos com transportes despendidos em aludidas visitas. Por fim, não há provas de que tenha utilizado, a mando da escola, materiais para relatórios e recursos didáticos adquiridos à sua expensas. Indefiro, portanto, os pedidos de ressarcimento de despesas gastas com uniformes, com visitas a alunos e com materiais didáticos.

 

Do ressarcimento das despesas a título de dízimo Embora a reclamante tenha confessado, em depoimento pessoal, que assinou o documento juntado com a defesa à folha 88, autorizando o desconto de 10% em seus proventos, tal desconto é indevido, conforme preceitua o artigo 462 da CLT. O Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Súmula 342, já se pronunciou sobre a matéria, reconhecendo como válidos outros descontos salariais efetuados em folhas de pagamentos dos trabalhadores, mas dentre esses descontos não consta o chamado "dizimo". Assim sendo, defiro o pedido de ressarcimento dos descontos efetuados nos salários da autora, a título de "dízimo". da multa do art. 477 da CLT Tendo, as verbas rescisórias, sido quitadas no prazo legal, indefiro o pedido de multa pelo atraso na quitação, previsto pelo artigo 477 da CLT. da assistência judiciária gratuita

 

Defiro, à reclamante, os benefícios da assistência judiciária gratuita, eis que presentes os requisitos legais. DISPOSITIVO ISSO POSTO, decide a JUSTIÇA DO TRABALHO, pela 2ª Vara de Franca/SP, julgar PROCEDENTE EM PARTE a presente RECLAMAÇÃO, para condenar INSTITUIÇÃO PAULISTA ADVENTISTA DE EDUCAÇÃO E ASSISTÊNCIA SOCIAL a pagar à reclamante RENATA ACOSTA ALVES DOS SANTOS, as seguintes verbas, observados os estritos termos da fundamentação: a) horas extras, b) ressarcimento de descontos indevidos nos salários. Sobre os valores, a serem apurados em liquidação, incidirão, na forma da lei, juros e correção monetária, observada a súmula 16 do E.TRT da 15ª região. A reclamada deverá comprovar os recolhimentos previdenciários, sob pena de execução direta. Faculta-se à reclamada o direito de reter os valores devidos a título Imposto de Renda. Custas, pela reclamada, no importe de R$ 60,00, calculadas sobre o valor de R$ 3.000,00, arbitrado à condenação. Intimem-se as partes. Franca, 30 de junho de 2006 (6ª f.).

 

ALBERTO CORDERO DONHA Juiz do Trabalho p/Diretora de Secretaria (grifos nossos)

 
Fonte: http://www.trt15.gov.br

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