15/04/2008: Papa linha dura quer
conquistar EUA com fala macia
Ian Fisher
Laurie Goodstein
Os norte-americanos costumam classificar seus líderes por meio de rótulos
estreitos - liberais ou conservadores, carismáticos ou tediosos. Quando o papa
Bento XVI chegar aos Estados Unidos para uma visita, na terça-feira, a
experiência dominante talvez seja a do desaparecimento dessas categorizações
fáceis.
A reputação que ele desenvolveu ao longo dos anos é a de um homem duro quanto à
doutrina, inimigo da homossexualidade e do aborto e defensor do catolicismo como
a verdadeira fé - posições ocasionalmente difíceis de afirmar em um país
diversificado como os Estados Unidos. E a reputação de Bento XVI, concordam seus
críticos e admiradores, é bem merecida.
Mas isso revela apenas uma parte do homem. Os modos de Bento XVI são humildes e
cordatos, e suas falas freqüentemente brilhantes são oferecidas em voz macia (e
com forte sotaque alemão em seu inglês, um dos 10 idiomas que o Pontífice
domina). Em sua visita de cinco dias aos Estados Unidos, a expectativa é de que
ele não se concentre nas críticas.
"Ele decerto não saíra apontando para aquilo que o desagrada", disse Brennan
Pursell, professor associado de História na Universidade DeSales, em Allentown,
Pensilvânia, e autor de um livro sobre o Papa. "Ele tentará em lugar disso
apresentar aquilo que a Igreja defende".
Funcionários do Vaticano pareciam preocupados com a imagem de Bento XVI a ponto
de descreverem a viagem como a verdadeira apresentação do Papa aos
norte-americanos, com o objetivo parcial de negar, diz o arcebispo Pietro Sambi,
núncio apostólico dos Estados Unidos, a idéia de que "ele seja uma pessoa dura,
desumana".
O Papa quase certamente tratará de uma questão importante para muitos católicos,
os escândalos por abuso sexual que abalaram a Igreja e agora estão custando a
ela milhões de dólares em despesas judiciais e indenizações às vítimas.
Seu discurso nas Nações Unidas, sexta-feira, é a peça central da visita, e a
expectativa é de que ele fale com, vigor sobre a importância dos direitos
humanos e, possivelmente, inste o mundo a não usar apenas a força das armas para
resolver seus problemas de segurança.
No domingo, o Vaticano parecia estar sinalizando seu desejo de apresentar uma
visão mais ampla e possivelmente mais suave de Bento XVI e seu pontificado,
antes de sua visita aos Estados Unidos. Mesmo que repetisse a condenação da
Igreja ao aborto e ao divórcio, o Papa enfatizou a necessidade de compaixão ¿
"um bálsamo nas feridas", ele disse - quanto às pessoas que tenham passado por
qualquer das duas coisas.
"Nesse debate, que com freqüência ganha tons puramente ideológicos, cria-se uma
conspiração de silêncio em torno das pessoas", ele disse. "Apenas com uma
atitude de amor despojado poderemos oferecer ajuda e permitir que as vítimas se
recuperem e reencontrem o caminho da existência." Embora Bento XVI seja um herói
para muitos conservadores americanos ¿afeto que ele parece retribuir - ele não
pode de maneira alguma ser definido como conservador à maneira usual dos Estados
Unidos. O Papa se opõe à guerra no Iraque, apresenta questões penetrantes quanto
ao capitalismo, desaprova a pena de morte e defende os imigrantes e os pobres.
Nada disso implica que Bento XVI, que completará 81 anos na quarta-feira seja um
homem centrista, indeciso. Em suas mais de duas décadas como braço direito do
papa João Paulo 2° quanto a questões de defesa da fé, ele propeliu as escolhas
da Igreja sobre os princípios centrais do catolicismo, contendo o que via como
liberalização excessiva promovida pela geração anterior e propondo uma
identidade católica forte e abertamente conservadora.
Em seus três anos como papa, ele expôs claramente os seus princípios em duas
encíclicas, uma sobre o amor e a outra sobre a esperança. Também procurou se
aproximar mais da ala tradicionalista da Igreja ao relaxar as restrições à
celebração da missa em latim.
Em termos mais amplos, ele ordenou medidas de repressão à homossexualidade nos
seminários, e forçou a aposentadoria do líder dos Legionários de Cristo, uma
ordem conservadora de sacerdotes, depois de uma longa investigação de escândalos
sexuais.
Ele trabalhou para melhorar as relações formais entre a Igreja e a China, bem
como o relacionamento entre os católicos e os cristãos ortodoxos, que se
separaram da Igreja Católica há um milênio.
Mas o legado de Bento XVI pode estar menos em suas ações concretas do que no
poder de suas idéias e na maneira pela qual elas podem deitar raízes ao longo do
tempo.
Talvez a mais importante delas seja a sua defesa de uma Igreja formada por fiéis
devotos - o que representa a melhor maneira, acredita o Papa, de resistir às
ameaças da cultura laica.
Os católicos de inclinações mais liberais, entre os quais muitos
norte-americanos, podem descobrir que falta lugar para eles nesse rebanho.
"Eu gosto do preceito de que a boa moral, como a boa arte, começa quando
traçamos uma linha", disse o cardeal John Foley, norte-americano que serviu por
muitos anos como diretor de comunicações do Vaticano. Bento XVI, ele diz, "é
mais arte clássica do que expressionismo", e acrescenta que "ele não é o Jackson
Pollock do mundo eclesiástico".
Mas o Papa pode representar uma surpresa para muitos norte-americanos, mesmo que
estes talvez não sintam com relação a ele conexão emocional tão forte como que a
sentiam para com João Paulo II.
O atual papa prefere trabalhar no campo do pensamento mais claro, e expresso da
maneira mais vigorosa, o que muitas vezes enraivece mas também pode servir para
desarmar seus mais veementes detratores.
Tradução: Paulo Eduardo Migliacci ME
Fonte:
http://noticias.terra.com.br/mundo/interna/0,,OI2744743-EI8141,00-Papa+linha+dura+quer+conquistar+EUA+com+fala+macia.html
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