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Sábado, 05 de Agosto de 2000


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FANTASIA
Personagens de quadrinhos criam modelos de comportamento

Tom Long

Eles são as imagens com as quais as crianças crescem, nas histórias em quadrinhos, desenhos animados, videogames, bonequinhos. Os heróis que elas querem imitar, as pessoas que querem ser, os ideais estabelecidos diante delas.

Se forem meninos, as imagens são geralmente adornadas com músculos impossíveis, como o Wolverine dos X-Men. Se forem meninas, elas são inevitavelmente esbeltas e com seios fartos que desafiam a gravidade, como Lara Croft, a heroína dos populares videogames Tomb Rider.

"Não há mulheres feias nos quadrinhos, com certeza", disse Mike Lester, 41 anos, dono da Time Trevelers Comics and Collectibles em Berkley, Michigan, e leitor de quadrinhos de longa data. E quanto aos homens, disse Lester, "anatomicamente, já vi muitos desenhos onde os artistas mostram estar precisando de uma aula de anatomia humana".

Mas para muitas crianças, as figuras de fantasia que encontram oferecem algumas das primeiras lições da vida sobre o corpo humano. O que tem preocupado algumas pessoas que lidam com problemas relacionados com a imagem do corpo.

Segundo uma pesquisa realizada pela revista People em 1997, 45% dos adolescentes estão insatisfeitos com seus corpos; 80% das mulheres e 25% dos homens fazem dieta; 50% das meninas de até 9 anos já fizeram dieta.

"O que está acontecendo atualmente é que há uma maior ênfase em se parecer fisicamente com estes personagens do que agir como eles", disse o dr. Arnold Andersen, professor de psiquiatria da Universidade de Iowa e autor de "Making Weight", um guia para homens que possuem problemas de imagem com o corpo. "Nós estamos nos tornando cada vez mais orientados para o externo".

"Eu acho que as crianças estão se tornando frustradas porque há cada vez menos chance de ficarem parecidas com estes ideais", disse Andersen.

O quão fora de alcance estão os corpos que as crianças encontram diariamente? Tão distantes que nem mesmo Hollywood tenta imitá-los.

Veja o caso de "X-Men", o filme de verão baseado na série mais popular dos quadrinhos nos últimos 20 anos. Os quadrinhos dos X-Men estão repletos de homens e mulheres estonteantemente bonitos e tão musculosos que parecem prestes a estourar seus trajes colantes.

Wolverine, o personagem mais popular dos X-Men, exibe enormes músculos salientes em seus braços, abdome e coxas.

No filme, entretanto, o personagem Wolverine é apenas um sujeito em boa forma, assim como todos os demais super-heróis. E o uniforme amarelo brilhante foi mudado para um preto menos revelador. No filme, os X-Men ainda são criaturas de aparência estonteante -mas não são tão irreais quanto os heróis dos quadrinhos.

O motivo é simples: seria impossível. Ninguém tem o tipo de corpo que Wolverine exibe nos quadrinhos.

A questão é, como uma criança vai entender isso?

Obsessão pelo corpo

A Associação Americana de Anorexia e Bulimia diz que cerca de 5 milhões de americanos sofrem de alguma desordem alimentar, um dado que inclui cerca de 500 mil homens.

Mas para os homens e meninos adolescentes, o problema geralmente não é emagrecer, mas sim ganhar musculatura. Segundo um estudo publicado no livro "The Adonis Complex: The Secret Crisis of Male Body Obsession" (O Complexo de Adônis: a crise secreta da obsessão do homem pelo corpo), os homens americanos desejam em média acrescentar 12 quilos de músculos aos seus corpos. E mais da metade dos garotos entre 11 e 17 anos escolhem como físico ideal uma imagem impossível de ser obtida sem esteróides.

"Quando os esteróides anabolizantes surgiram, eles eram usados para aumentar a performance nos esportes", disse o dr. David Rosen, chefe de saúde de adolescentes e jovens adultos da Universidade de Michigan. "Ao longo dos últimos 10 anos, quase metade dos garotos que usam esteróides não os usam para esportes, mas para melhorar sua aparência". Perguntado se acha que as imagens dos quadrinhos e dos videogames contribuem para uma percepção distorcida da imagem do corpo, que pode levar a desordens alimentares e abuso de medicamentos, Rosen não hesitou:

"Absolutamente, 100%, sem dúvida, sim", disse ele.

Mas como muitos outros, Rosen disse que as imagens de fantasia funcionam ao lado de outras imagens mais adultas. "Eu acho que elas são apenas peças de um grande quebra-cabeça da mídia que reforça o que (as crianças) vêem em outro lugar", disse ele.

"É a mesma imagem do corpo que está em toda a parte", disse o dr. David Bernhardt, um especialista em pediatria e medicina esportiva da Universidade de Wisconsin-Madison. "As crianças são bombardeadas com a idéia de que é assim que você precisa se parecer para ter sucesso".

Mas as imagens que elas recebem por meio das histórias em quadrinhos e videogames mudaram demais ao longo da última década. "Ultimamente as imagens têm sido descritas como hipermasculinas, com peitos tão grandes como fuscas", diz Jeff Brown, professor de cultura pop da Bowling Green State University em Ohio, especialista em histórias em quadrinhos. "Elas são um exagero do modelo Super-Homem. Os quadrinhos dos anos 90 afastaram o aspecto fraco e se tornaram excessivamente machos".

A maioria dos X-Men originais dos anos 1960, se comparados aos atuais, pareceriam os típicos fracotes de 44 quilos. A comparação de um desenho do Super-Homem dos anos 1950 com um Wolverine atual faz o Homem de Aço parecer uma amostra grátis.

"Os meninos estão se sentindo cada vez mais inadequados em relação a si mesmos por causa dos corpo destes personagens artificiais", diz Andersen, autor de "Making Weight". "Eu acho que os rapazes estão realmente confusos".

Algo com que sonhar

Sean Payeur e Tony Facchini não parecem tão confusos. Mas eles acham que outros podem estar.

Payeur, um jogador de futebol de 11 anos de idade de Saline, Michigan, olha para uma revista dos X-Men e diz: "Eu sei que é impossível se parecer com eles. São desenhos".

"É impossível ficar musculoso desta forma" , concorda Facchini, um menino de 12 anos de Lodi Township, Michigan.

E as heroínas de aparência estonteante? Eles esperam que as mulheres com quem namorarão no futuro se pareçam com elas? "Eu sei com certeza que não", diz Payeur.

Mas Facchini vê como as imagens podem causar problemas. "Faz pensar que quando você gosta de alguém, você deveria ter uma aparência melhor", disse ele. "As pessoas nas histórias em quadrinhos e nos videogames são bonitas demais".

Payeur também vê o perigo potencial nas imagens. "Os meninos vão tomar esteróides e as mulheres vão fazer dieta para ter uma aparência melhor", disse ele. "Mas só estão fazendo mal a si mesmos".

Mas ainda assim, ele disse: "Eu acho que a maioria das pessoas tem bom senso suficiente para perceber que não se parecerão desta forma, mesmo que se esforcem ao máximo".

É claro, ninguém sabe ao certo quanta pressão inconsciente tais imagens podem gerar. E também há muitos defensores dos hiper-heróis.

"Nos estudos que fiz , as crianças estão bem conscientes de que os quadrinhos são fantasias adolescentes de poder", disse Brown da Bowling Green.

Jerry Herron, diretor de Estudos Americanos da Wayne State University, acha que as crianças que se sentem inadequadas podem encontrar alguma forma de escape por meio dos super-heróis. "Claro, no exterior há esta pessoa estranha, mansa, não muito atraente. Mas em algum lugar no seu interior habita esta pessoa bela e poderosa", disse ele. "Isto me parece bastante saudável".

"Basicamente, as histórias em quadrinhos são sonhos de como você gostaria de ver a si mesmo, ou como você gostaria de ser", diz Lester, o leitor de longa data. "Você não está naquela altura, mas esta é a sua maneira de estar lá".

O avanço de personagens fantásticos do gênero não vai parar tão cedo. Seqüências do filme dos X-Men são bem prováveis, um filme do Homem-Aranha deve ser lançado no próximo ano, e Angelina Jolie já assinou para estrelar um filme baseado no videogame da aventureira Lara Croft. Os personagens são inevitáveis; como será a percepção das pessoas em relação a eles é a questão.

"As crianças precisam de heróis", diz Andersen, da Universidade de Iowa. "Elas precisam de modelos, e seus pais nunca fornecem a coisa toda".

O problema, reitera Andersen, é crianças demais estarem ignorando o que torna um personagem heróico para concentrarem suas atenções na aparência física dele.

"Eu nunca vi ninguém dizer, 'cara, eu queria ter a pureza moral do Super-Homem'", disse Andersen. No atual mundo obcecado pela imagem, para conseguir isto seria necessário a maior de todas as forças.

Tradução: George El Khouri Andolfato



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