Empresas e Museus Sustentam Império Financeiro

Papa dispõe de cerca de 3,5 mil colaboradores administrativos e de um orçamento anual equivalente a R$ 240 milhões; administração da Cúria está agindo com maior prudência depois de escândalos financeiros

PETER WENSIERSKI, do Der Spiegel

A Igreja continua imponente aos olhos do mundo. Em sua central, o papa dispõe de cerca de 3,5 mil colaboradores administrativos. O orçamento anual do Vaticano corresponde a R$ 240 milhões, metade dos quais gastos com pessoal e repartições. O resto é consumido pela Rádio do Vaticano (400 funcionários), pelo deficitário jornal diário L'Osservatore Romano e, fato recente, pela Internet (www.vatican.va).

As fontes principais de receita são as empresas e os museus vaticanos, diferentes valores bem aplicados, num presumível montante entre R$ 350 milhões e R$ 700 milhões. Seguidos dos norte-americanos, os episcopados alemães prestam a maior contribuição estrangeira ao orçamento vaticano, R$ 10 milhões.

A administração dos bens da Cúria (Apsa) está agindo com maior prudência na administração de imóveis e títulos, após os repetidos escândalos financeiros do Banco Vaticano (IOR, Istituto per le Opere di Religione). Em meados da década de 80, o IOR, dirigido pelo arcebispo Paul Marcinkus, envolveu-se numa falência fraudulenta. Hoje administra 7 trilhões de liras (cerca de R$ 7 bilhões), com inúmeras participações em empresas italianas.

No entanto, nem o conselho administrativo internacional, criado em meados dos anos 20, consegue examinar minuciosamente o império financeiro. Os balanços apresentados não são completos, as autoridades italianas incumbidas da fiscalização bancária e tributária revelam-se impotentes. Está comprovado que em 1992 o produto do maior caso de suborno na história italiana foi lavado por intermédio do IOR, uma importância correspondendo a R$ 165 milhões. As recentes investigações sobre o cardeal de Nápoles e seu irmão, já preso por transações de agiotagem ilegais, também se estenderam até o IOR.

Os "espiões" - A Secretaria de Estado do Vaticano, tendo à frente o segundo homem mais poderoso da Igreja depois do papa, o cardeal italiano Angelo Sodano, dirige quase 160 nunciaturas em quase todas partes do mundo. Os diplomatas vaticanos são os olhos e ouvidos do império, coligindo informações, negociando em nome do papa com os governos e controlando bispos e teólogos universitários quanto a possíveis discrepâncias doutrinárias.

Às vezes os núncios têm acesso a fontes que só poderiam ser sonhadas por diplomatas de outros países. Se os contatos destes se limitam aos meios governamentais os daqueles se estendem às igrejas locais, com milhares de sacerdotes e assistentes, numa rede abrangendo informações dos últimos rincões dos países. Os "espiões do Vaticano" são considerados por vários governos fonte mais fidedigna do que a de seus diplomatas, o que vale sobretudo em amplas regiões da África.

A Cúria age com a maior prudência na escolha de seus diplomatas, formando os quadros de elite em sua academia, que só pode ser cursada por um grupo selecionando de sacerdotes absolutamente fidedignos.

Sozinhos, porém, esses quadros não conseguirão manter a estabilidade do império. E o papa só pode confiar relativamente no outro setor de seu domínio centralizado, o do episcopado internacional.

Dificuldades - É bem verdade que nos 20 anos de seu pontificado João Paulo procurou instalar representantes de sua tendência nos 2,3 mil episcopados ocupados por 4,3 mil bispos. Mas o Santo Padre só conseguiu executar em parte esse seu intento. Sempre há quem seja imprevisível como, por exemplo, o bispo francês Jacques Gaillot, suspenso de seu posto em 1995 por engajar-se demasiadamente na causa da interrupção da gravidez. Ou o arcebispo suíço Hansjörg Votel, que deixou a Igreja para viver com sua namorada, que estava grávida.

E até mesmo os mais fiéis ao papa podem rebelar-se às vezes, quando suas determinações não se coadunam com os desejos das igrejas regionais. O mais recente exemplo disso foi a resistência do episcopado alemão contra a decisão de Roma determinando o afastamento de representantes da Igreja nos órgãos voltados à assistência a mulheres grávidas.

A disputa continua, enquanto a Conferência de Bispos alemã adiou para o início deste ano sua decisão, a despeito da dura reprimenda do grande inquisitor Ratzinger.

Trabalho sigiloso - O papa pode depositar sua absoluta confiança principalmente numa tropa de elite que se subtraiu a qualquer controle: a organização Opus Dei, que trabalha em sigilo, fundada nos tempos da ditadura espanhola pelo prelado Josemaria Escrivá de Balaguer, beatificado em regime de urgência por João Paulo II. Segundo dados por ela própria divulgados, a Opus Dei é uma ordem internacional abrangendo 80 mil leigos e 2 mil sacerdotes.

João Paulo outorgou a essa sociedade secreta, de cunho católico fundamentalista, uma função que há séculos vem sendo desempenhada pelos jesuítas: garantir o poder central da Igreja. A Opus é incondicionalmente submissa ao papa e à sua orientação ideológica, pelo que rejeita qualquer prevenção à gravidez, o sacerdócio feminino, além de praticar um anticomunismo ativo.

Em agosto, João Paulo II elevou à categoria de universidade pontifícia a Escola Superior da Santa Cruz, mantida em Roma pela Opus Dei, que é freqüentada por cerca de 1,4 mil alunos de 65 países. O porta-voz do papa, Joaquin Navarro-Vals, pertence à Opus Dei, tal como antes de ser assassinado, há meio ano, o comandante da Guarda Suíça, Alois Estermann.

Entre as tarefas cumpridas pela ordem está a de localizar os liberais entre os sacerdotes, leigos e teólogos, para que sejam devidamente enquadrados por Roma ou alienados de suas funções. Ela também organiza a influência da Igreja no meio das elites políticas e econômicas, mantendo inúmeras organizações educativas.

A questão da sucessão - A sobrevivência da Igreja Católica no próximo século dependerá também de quem será o sucessor de João Paulo II. Uma questão que poderá tornar-se logo premente. Aos 78 anos e marcado por enfermidades, o papa, no dizer de seus colaboradores mais íntimos, mantém-se ativo graças à férrea vontade de viver o Ano Santo de 2000.

Cento e oito dos 115 cardeais com menos de 80 anos, que têm direito a voto na sucessão, foram nomeados pessoalmente pelo pontífice, que tratou de garantir a predominância das suas tendências no Colégio de Cardeais.

Ainda assim, um prognóstico sobre quem será o próximo papa corresponde a um oráculo sibilino. Os italianos, cuja predominância valeu durante séculos, perderam parte de seu peso, já que mais da metade dos portadores das vestes púrpuras de hoje é originária da África, da Ásia e da América Latina. Porém, para uma Igreja cuja estrutura ideológica ainda é predominantemente européia, seria prematura a eleição de um papa negro como, por exemplo, o cardeal Francis Arinze, da Nigéria, dirigente do Conselho Pontifício para o Diálogo com as Religiões Mundiais. Os prognósticos de todas as tendências vaticanas parecem unânimes quanto à bola da vez voltar a ser italiana, pelo menos quanto a um papa de transição. Após o carismático Woityla, a liderança eclesial almeja um pontífice previsível e digno de confiança, que controle melhor a Cúria, hoje, como sempre, dominada pelos italianos.

Permanece em aberto, no entanto, a questão de qual dos cardeais italianos poderia suceder a João Paulo II. Se as eleições fossem de fato orientadas pelo Espírito Santo, poderia tratar-se de Carlo Maria Martini, cardeal de Milão. O jesuíta de 69 anos é considerado um espírito aberto e crítico em relação à própria instituição. (Tradução de João Marshner)

Fonte: Arquivo digital do jornal O Estado de S. Paulo


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