Síndrome dos Três em Um, na Mordomia Adventista

“Então teriam de novo influência sobre o povo e o fariam volver às TRADIÇÕES E DOUTRINAS HUMANAS para DIZIMAREM a hortelã e o cominho” Ellen G. White – Historia da Redenção Capítulo 27 página 209

Recentemente, na IASD Central de João Pessoa, assisti um sermão de mordomia, que me pareceu uma tentativa de se contrapor ao artigo veiculado na internet sob o título: OS QUATROS MITOS DA MORDOMIA ADVENTISTA, tendo em vista que o pregador, logo de inicio, fez referência aos comentários contrários aos dízimos veiculados na internet, inclusive fazendo referência ao site “adventistas.com”.

Afirmar que o Velho Testamento ensina a existência de três dízimos, pareceu-me totalmente antibiblico, fora de propósito e de contexto, principalmente por não haver o palestrante apresentado textos bíblico claros sobre o assunto como base para tal argumentação, mas tão somente fez referência à tradição judaica, justificando que um dízimo era destinado aos levitas/pastores e líderes, um segundo para as festas/igreja local, e um terceiro para os pobres.

Não consideramos correta a pratica de tais ensinos na IASD, no mínimo por duas razões: Fator histórico; Inconsistência bíblica.

 

Fator Histórico

Nos primeiros anos o adventismo funcionou sem qualquer plano financeiro oficializado, isto é, crê-se que as despesas com o serviço litúrgico e o evangelismo esterno não exigiam muito das finanças da igreja, tendo em vista a dedicação e o altruísmo dos pioneiros pregadores e líderes da IASD, bem como pela suficiência das voluntárias contribuições de corações amantes da verdade, sem que fossem impelidos pela liderança para assim fazê-lo.

Esta situação durou por algumas décadas, ate que a Irmã Ellen G. White apareceu com um plano financeiro para a igreja, denominado de “Benevolência Sistemática”, o qual afirmava haver sido produto de revelação divina “Nosso Pai Celeste não instituiu o plano da Benevolência Sistemática com intuito de enriquecer-Se, mas para que o mesmo fosse uma grande benção ao homem” Testemunhos Seletos Vol. I, pág. 385.

 

Mordomia “Canrightiana”

Conforme os registros de nossa historia de mordomia cristã, tão bem apresentado pela revista Parousia segundo semestre de 2001 página 16, o irmão Camright percebeu que as “supostas necessidades financeiras” da igreja poderiam ser melhores atendidas, caso fossem feitas algumas correções no plano da Benevolência Sistemática, e que com o novo sistema, por ele idealizado, as receitas teriam um incremento de aproximadamente 400%.

Percebe-se, então, que o motivo da mudança jamais foi a falta de coerência com princípios bíblicos de mordomia, mas tão somente com a suposta necessidade de se arrecadar mais, esquecendo-se ou fazendo pouco caso de que o plano da “Benevolência Sistemática”, havia sido apresentado por recomendações divinas, e que como tal imaginar-se-ia ser um plano perfeito conforme reconhecia a Irmã White.

Por outro lado, há de se ponderar no fato de que, segundo a maioria de nossos historiadores, todas as nossas doutrinas tiveram sua origem nos diligentes estudos da Palavra, com muitas lagrimas e orações, sendo, posteriormente, confirmadas pelas revelações do dom profético concedido a Irmã White. Enquanto que no caso de nossa mordomia, veio primeiro a revelação divina, sem que, aparentemente, nenhuma oração ou dedicado estudo na Palavra de Deus sobre o assunto houvessem sido empreendido pelos irmãos, e que logo após tivéssemos, as modificações introduzidas pelo irmão D.M.Canright, sem nenhum temor de rejeitar aquilo que se supunha ser de origem divina.

 

Inconsistência Bíblica

A bíblia registra as primeiras referencias sobre dízimo nos capítulos 14:28, e 28:20-22 do livro de Gênesis, sendo que é fácil constatarmos que nestes dois episódios não encontramos nenhuma orientação ou ordem divina para que assim se procedesse, embora a pretensão fosse de honrar e glorificar ao Deus criador de todas as coisas, o que vemos são manifestações da vontade humana. E alem disso o comentário da Bíblia “Estudo de Genebra – Editora Cultura Cristã” página 31, nos relata o seguinte: “A prática de se pagar o dízimo ao rei ou a um deus, era comum no antigo Oriente Próximo e é anterior a lei mosaica. O presente de Abraão a Melquisedeque não era, provavelmente, o pagamento do dízimo do rei porem, uma oferta que refletia o respeito de Abraão para com Melqusedeque como sacerdote do Deus verdadeiro”.

OBS aqueles que querem melhores esclarecimentos o dízimo de Abraão, aconselhamos acessar: https://www.adventistas.com/biz/casa_do_tesouro/page1.htm

Encontramos as primeiras e básicas orientações sobre o dízimo, oriundas da vontade de Deus, nos seguintes textos: LEVITICO 27:30-34; NUMEROS 18:21-32; DEUTERONÔMIO 12:6-14; DEUTERONÔMIO 14:22-29; e DEUTERONÔMIO 26:12-15, inclusive foram estes mesmos textos citados no recente sermão, como contendo respaldo para os argumentos do pregador, pelo que pretendemos analisá-los, segundo a compreensão que nos parece lógica no contexto bíblico, bem como as revelações que pela fé, estudo e oração, cremos que cada inquiridor da verdade poderá obter da Palavra de Deus, sabendo que pelas limitações humanas, não devemos nos arrogar de monopolizador da verdade, pelo que devemos estar abertos as contestações e considerações adversas.

Considerando-se que as ordens divinas relacionadas ao dízimo foram transmitidas enquanto o povo encontrava-se perambulando nas escaldantes areias do deserto, apenas contemplando pela fé uma nova perspectiva de vida onde poderiam, com prazer, desfrutar do produto da terra e conseqüentemente cumprirem todas as orientações de como dizimarem a sua produção agrícola. Podemos compreender por que Deus não condensou todas as orientações em um único capitulo, ou em um único livro da bíblia.

 

LEVÍTICO 27:30-34 Todo o capitulo 27 trata dos votos, sua avaliação e resgate, isto é, aquilo que alguém voluntariamente dedicava ao Senhor, sua apreciação econômica e a forma de sua recuperação ou resgate. Logo o que temos aqui são instruções para diversas finalidades, de modo que os versos 1 a 15 discorrem sobre Votos Particulares, os versos 16 a 26 falam-nos sobre O Voto de um Campo, já os versos 27 a 29 instruem-nos sobre O não resgate de algumas coisas, e nos versos 30 a 33 falam-nos sobre as dizimas.

Seguindo o padrão deste capitulo, o que os versos 30-33 nos informam das dizimas são sobre sua origem e maneira de resgate, pelo que qualquer estudante do assunto, facilmente, extrairá os seguintes ensinos:

1 – as dízimas são oriundas do que a terra produz, seja da exploração agrícola, seja da pecuária, logo aqui se tratam de produtos agropecuários jamais de dinheiro;

2 – as dízimas são santas ao Senhor, isto é, separadas para o Senhor;

3 – das dízimas somente são resgatáveis aquilo que for de origem agrícola, e se forem pagas com um acréscimo de 20%;

4 – as dízimas resultante da pecuária, isto é, de origem animal não são resgatáveis.

 

NÚMEROS 18:21-32 - Verificamos, em nossa bíblia, Segunda Edição da tradução de João Ferreira de Almeida, revista e atualizada no Brasil, que este capitulo é subdividido em duas seções, as quais são iniciadas por um titulo que resumem o assunto ali descrito, por isso, dos versos 1 a 20 há a seguinte epigrafe Deveres e direitos dos sacerdotes, dos versículos 21 a 32 temos: Os dízimos e os levitas.

Por esta disposição, a qual imaginamos ser meramente didática, compreendemos que não se trata de um outro tipo de dízimo, mas o que vemos neste capitulo é que Deus aborda o mesmo tema, no entanto sua preocupação aqui é a de estabelecer as responsabilidades e direitos dos sacerdotes e levitas, logo podemos, com certeza, afirmar tratar-se de uma visão do mesmo assunto sob uma outra ótica.

Meditando nesta porção da Palavra de Deus, não teremos dificuldade em chegar a seguinte conclusão:

1 – Ambos, sacerdote e levita, não teriam direito a herança nas terras de Canaã (versos 20 e23)

2 – Os sacerdotes tinham como função especifica o cuidado das cerimônias que se efetuavam no santuário, enquanto que os levitas auxiliavam aos sacerdotes no transporte e zelo pelos equipamentos que compunham o santuário (verso 7 e verso 3);

3 – Os sacerdotes receberiam diretamente dos israelitas algumas doações especificas tais como: as primícias, as ofertas e coisas santíssimas não dadas ao fogo, sendo que dos dízimos somente receberiam o que os levitas dessem como oferta (versos 8-19, e 26-28);

4 – Aos levitas competiam receberem, como oferta dos israelitas, os dízimos da terra, dos quais uma parte seria dada em oferta a Deus, a qual seria repassada aos sacerdotes, e a parte restante seria para sua subsistência dos levitas (versos 24, e 26-28);

 

DEUTERONÔMIO 12:6-14 - O capitulo 12 de Deuteronômio tem na sua primeira seção (versos 1 a 14) a epigrafe “O lugar do culto verdadeiro” a qual nos dirige os pensamentos ao lugar determinado por Deus para ser adorado, isto é, haveria um lugar especifico para onde Deus gostaria que todos se dirigissem, a fim de que unidos pudesse cultuá-Lo de forma coletiva. Neste contexto de união e adoração incluem-se orientações sobre algumas ofertas e também sobre os dízimos, mas o que surpreende a alguns são as instruções contidas nos versículos 7 e 12, uma vez que Deus determina que os doadores (dizimistas) participem, isto é, comendo do produto de sua doação, ou seja, usufruam dos dízimos e ofertas, juntamente com seus filhos, servos, servas e os levitas.

Sem duvida fica claro que nunca foi roubar a Deus, a atitude de o dizimista fazer uso de parte de suas dizimas, desde que o fizesse dentro da restrita observância de instruções especificas conhecidas em Deuteronômio 26:14, muito pelo contrário era até um imperativo divino.

 

DEUTERONÔMIO 14:22-29Acompanhando a dinâmica de se verificar a epigrafe estabelecida para a porção das Escrituras em consideração, verificamos que a epigrafe para os versos 22 a 29 é: “Os dízimos para o serviço do Senhor”, dentro de uma visão meramente humanística seria de se esperar orientações voltadas para benefício e glorificação da Pessoa ou do Nome de Deus, todavia o que entendemos desta parte da bíblia são mensagens voltadas para o bem estar do homem, e da comunidade israelita, quando sob as providências,dependência, serviço, e adoração ao seu Deus.

É possível que aqui tenhamos em detalhes muito mais informações que nas passagens anteriormente avaliada, uma vez que alguns pontos são repetidos para reforçar nossa compreensão, os quais podemos citar:

1 – o dízimo sempre foi recolhido em produtos agrícolas, conseqüentemente de produtores agropecuaristas– verso 22;

2 - sua composição “in natura” não ocorria pela falta, naquela época, de circulação do papel moeda, haja vista as instruções dos versos 25 e 26;

3 – a instrução de que o dizimista deveria comer, isto é, usufruir o produto de sua doação – verso 23;

4 – a situação de dependência econômica do levita, igualando-o ao mesmo nível dos pobres, órfãos, viúvas e estrangeiros “pois não tem parte nem herança contigo” – verso 27

Porém, o que nos parece mais interessante, são algumas informações adicionais que aparecem, ou seja:

a) O dízimo era recolhido anualmente – verso 22;

b) Embora, parte do dízimo devesse ser entregue aos levitas que habitassem a cidade onde estivesse o Templo, e ai se realizava uma grande festa comunitária, que contava com a presença de todas as tribos de Israel – versos “23 E, perante o Senhor, teu Deus, no lugar que escolher para ali fazer habitar o seu nome” parte deste mesmo dízimo deveria, também, ser entregue aos levitas locais, isto é que habitavam a cidade do doador, “porém não desampararás o levita que está dentro da tua cidade, pois não tem parte nem herança contigo - verso 27”;

c) Pelas informações contidas nos versos 28 e 29 compreendemos que a cada três anos a festa se descentralizava para todas as cidades onde houvessem levitas e doadores, isto é, a festa, subvencionada com os dízimos era realizada nas cidades das tribos israelitas, “Ao fim de cada três anos, tirarás todos os dízimos do fruto do terceiro ano e os recolherás na tua cidade. Então, virão o levita (pois não tem parte nem herança contigo), o estrangeiro, o órfão e a viúva que estão dentro da tua cidade, e comerão, e se fartarão, para que o SENHOR, teu Deus, te abençoe em todas as obras que as tuas mãos fizerem”.

 

DEUTERONÔMIO 26:12-15 As últimas orientações básicas sobre os dízimos, que Deus nos deu, por uma parte repetem a preocupação divina com o bem estar de todo o seu povo, “então, os darás ao levita, ao estrangeiro, ao órfão e à viúva, para que comam dentro das tuas cidades e se fartem - verso 12”, e por outra parte instrui-nos quanto a condição para que os doadores pudessem utilizar-se dos dízimos, tanto para proveito próprio, como para beneficio de terceiros.”Tirei de minha casa o que é consagrado e dei também ao levita, e ao estrangeiro, e ao órfão, e à viúva, segundo todos os teus mandamentos que me tens ordenado; nada transgredi dos teus mandamentos, nem deles me esqueci. Dos dízimos não comi no meu luto e deles nada tirei estando imundo, nem deles dei para a casa de algum morto; obedeci à voz do SENHOR, meu Deus; segundo tudo o que me ordenaste, tenho feito. Olha desde a tua santa habitação, desde o céu, e abençoa o teu povo, a Israel, e a terra que nos deste, como juraste a nossos pais, terra que mana leite e mel – versos 13 a15.”

O que aprendemos é que não existiam vários dízimos, mas apenas um, o qual era um instrumento de justiça na distribuição de rendas entres as classes sociais, ao tempo em que servia ao propósito divino quanto aos serviços religiosos do santuário.

É bem possível que aquele pregador que ouvi, esteja como muitos teólogos adventistas sofrendo da síndrome “dos três em um”, isto é, para eles a bíblia ensina a existência de três dízimos, mas basta que a igreja cobre apenas um, de preferência aquele que lhe vai atender a seus desejos de uma vida coberta de privilégios, mesmo que o clamor do pobre, órfão e viúva chegue aos ouvidos de Deus.

Heráclito Fernandes da Mota

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