Revista Time Pergunta:
22/06/2003 Um novo rebanho de missionários está lançando uma campanha para levar o Evangelho aos países muçulmanos. Mas será que inspirarão mais revolta do que crença?
Por David Van Biema
"A violência não está no coração de todos os muçulmanos", disse ela em um inglês mal
falado, se referindo ao 11 de setembro. "Lamento que pessoas tenham morrido. Eu quero
paz para meus filhos. Eu acho que vocês querem paz. É o mesmo". Ela listou os cinco
pilares da fé islâmica, e lembrou a platéia que a guerra santa não estava entre eles.
"Nós temos muito em comum", disse ela, mas ela questionou a Trindade: "Deus Pai mais
Deus Maria igual a Deus Filho?"
Um estudante, empolgado com a oportunidade de explicar, se manifestou. Após escutar
pacientemente, Shafira tirou seu traje e admitiu que não era uma verdadeira muçulmana.
Na verdade, ela era uma antiga missionária cristã nas terras muçulmanas. Ela foi
contratada para explicar a várias das 150 classes anuais de "Perspectivas" como a
evangelização deve ser feita. Ela deu seu nome real. (Apesar de que para este artigo,
para a segurança dos missionários que trabalham em ambientes potencialmente hostis ou
que voltarão para eles, serão usados pseudônimos. Eles serão indicados por aspas quando
aparecerem pela primeira vez. Muitas localizações também serão omitidas.)
Arma de destruição em massa
Ao longo das próximas três horas, "Barbara", sem sua burca, apresentou listas de
comparações entre Jesus e Maomé ("Jesus ressuscitou dos mortos e está vivo. Maomé está
morto".) e o que fazer e não fazer na pregação aos muçulmanos. (Escute a história deles.
Não discuta Israel.) Ela projetou uma declaração do secretário de Justiça dos Estados
Unidos, John Ashcroft, em uma tela: "O Islã é uma religião na qual Deus exige que você
envie seu filho para morrer por Ele. O cristianismo é uma fé na qual Deus envia Seu
filho para morrer por você". Após a publicação de seu comentário no final de 2001,
Ashcroft disse que se referia aos terroristas, e não aos muçulmanos comuns, mas ela não
aceitou tal argumento. "O Islã é o terrorista", afirmou Barbara. "Os muçulmanos são as
vítimas". A aula terminou em oração. "Nós lamentamos a perda de vidas" no Iraque, disse
alguém. Barbara acrescentou: "Nós rezamos para que a arma de destruição em massa, o
Islã, seja destruída. Senhor, declaramos que seu sangue é suficiente para perdoar cada
muçulmano. É suficiente".
Há 21 meses os americanos estão realizando um curso intensivo sobre o Islã, sua
geografia e seus seguidores. Não é um assunto pelo qual nos interessávamos
anteriormente, mas 11 de setembro não deixou escolha, e as forças armadas americanas em
dois países continuam em meio à ação seu treinamento sobre xeques e aiatolás, hábitos
sunitas e a facciosidade xiita. Mas há um grupo que pensa passionalmente nos muçulmanos
há mais de uma década. Seu exército não tem armas, seus soldados geralmente não são
pagos, seus campos de treinamento são locais como a sala de aula em Queens. Ele não tem
ligação com o governo americano (exceto possivelmente ao inadvertidamente sujar a imagem
dos Estados Unidos). Mas nos últimos meses, suas forças avançadas têm entrado nos ainda
fumegantes campos de batalha do Iraque, com a intenção de moldar o futuro de seu povo
assim como as tropas americanas convencionais já dispostas lá.
Fazia um século que a idéia de evangelização do Islã não provocava tamanho fervor entre
os cristãos conservadores. Tocados pelas necessidades materiais e (supostas) espirituais
dos muçulmanos, e convencidos de que eles são as grandes "megapopulações" que necessitam
ouvir o Evangelho antes do eventual retorno de Cristo, os evangélicos têm corrido para o
que se tornou o campo missionário mais cobiçado. Dados do Centro para o Estudo do
Cristianismo Global do Seminário Teológico Gordon-Conwell, em South Hamilton,
Massachusetts, sugerem que o número de missionários nos países islâmicos quase dobrou
entre 1982 e 2001 -de mais de 15 mil para algo acima de 27 mil.
Aproximadamente 1 entre cada 2 é americano, e 1 entre cada 3 é evangélico. George
Braswell Jr., um professor de missões do Seminário Teológico dos Batistas do Sul, disse:
"Agora nós temos, mais do que nunca, interessados em ir até povos como os muçulmanos". O
11 de setembro parece ter alimentado tal impulso.
Mas este "boom" coincide com o aumento das restrições aos esforços missionários pelos
regimes de países de maioria islâmica, e com o aumento da militância anti-Ocidente. As
tensões resultantes às vezes irrompem tragicamente: os últimos dois anos viram a prisão
de duas missionárias no Afeganistão governado pelo Taleban, e os assassinatos,
aparentemente por motivos religiosos, de mais quatro no Iêmen e no Líbano. O atentado à
bomba mal feito contra uma família missionária alemã-holandesa em Trípoli, Líbano,
sugere que o risco não está diminuindo. Stan Guthrie, autor do livro "Missions in the
Third Millennium" (missões no terceiro milênio), disse: "As pessoas estão começando a
contar os custos. Se você estiver no lugar errado na hora errada, você pode ser morto.
Os missionários sempre consideraram a possibilidade, mas agora é muito mais real".
Prós e contras
Tais temores, mais a recente entrada de missionários evangélicos no Afeganistão e no
Iraque no rastro das tropas americanas, têm levantado outras questões. Os recém-chegados
são bem-intencionados: além do Evangelho cristão, que eles consideram seu presente mais
precioso, eles canalizam milhões de dólares em ajuda humanitária e dedicam horas
incontáveis a trabalhos de caridade. Mas alguns trabalhadores de campo de organizações
cristãs mais liberais alegam que algumas das táticas evangélicas mais agressivas podem
colocar todas as caridades religiosas em risco, como quando o Taleban, enfurecido com as
atividades missionárias há dois anos, fechou todos os grupos cristãos de ajuda
humanitária em Cabul. Os críticos muçulmanos acusam os missionários de mentirem sobre
sua identidade e fé para atingirem suas metas. E enquanto as tensões entre o Islã e o
Ocidente continuam a ferver, alguns familiarizados com o Oriente Médio têm começado a se
perguntar se os missionários, que amam os muçulmanos mas desprezam o Islã, são o tipo de
embaixadores não nomeados da boa-vontade que os Estados Unidos precisam em uma região
cheia de retórica de guerra santa. Charles Kimball, um pastor batista que foi diretor do
escritório do Conselho Nacional das Igrejas do Oriente Médio nos anos 80, disse:
"Sinceridade não é questão, ou o compromisso com a fé de alguém. Apenas que a região é
uma junção chave e volátil, e possivelmente não é o momento para grupos entrarem, pois é
como alguém entrar com um fósforo aceso em uma sala cheia de explosivos, vestindo uma
camisa de Jesus".
Quão grande é a proporção de trabalhadores religiosos cristãos que se encaixam neste
perfil? Um motivo que dificulta saber é o fato do entusiasmo ser freqüentemente reduzido
após algum tempo passado em um país. Há dois séculos, em uma onda semelhante de
entusiasmo, seitas maiores como presbiterianos e metodistas enviaram milhares de
missionários ao Oriente Médio. Como a onda atual, eles chegaram ansiosos por conversões.
Mas com o tempo eles adotaram uma agenda mais modesta, que obedecia as leis locais
antiproselitismo e se concentrava na construção de instituições educacionais e de
caridade, e na prestação de ajuda humanitária. Tais grupos ainda constituem a grande
presença missionária visível na área, e desfrutam de relacionamentos frutíferos e
respeitosos, apesar de limitados, com os regimes e populações locais. Mesmo dentro da
atual onda evangélica, há uma grande variedade de métodos e atitudes. Alguns
missionários, apesar de manterem o direito de evangelizar, inicialmente mantêm a
tradição principal de canalizar dinheiro e tempo para atender os muçulmanos
necessitados. Outros, à distância, inundam populações inteiras com rádio e TV cristãs,
com dezenas de milhares de panfletos e ofertas de cursos por correspondência, na
esperança de que algumas sementes germinarão. Nos dezenas de países muçulmanos que negam
vistos a trabalhadores religiosos, mais evangélicos assumem empregos seculares para
entrarem furtivamente. Muitos demonstram sensibilidade, compartilhando seu Senhor apenas
com pessoas com as quais conquistaram amizades íntimas.
Mas resta um contingente perturbador de tamanho indeterminado, que combina arrogância
religiosa com ignorância política. Suas atividades não necessariamente causam surpresa
ou reprovação nas ruas americanas: entregar fitas cassete ou folhetos, convidar
transeuntes para assistir um filme sobre a vida de Jesus, falar sobre Cristo para
crianças em meio à distribuição de brinquedos. Mas em sociedades na qual o Estado e a
Mesquita estão intimamente interligados, e nas quais a difamação do Islã é um crime e a
conversão para fora dele pode provocar violência por parte de vigilantes, os
missionários mais audaciosos estão envolvidos, intencionalmente ou não, em uma
provocação, e suas ações são debatidas mesmo dentro da comunidade evangélica. Alguns
especialistas vêem sua inépcia como produto de seitas pequenas que carecem de recursos
para programas de treinamento adequados. Outros sugerem que os culpados são aqueles que
não permanecem na região tempo suficiente para testemunhar os ciclos de retribuição que
seus estilos confrontadores provocam. Robert Seiple, embaixador geral da Liberdade
Religiosa Internacional do Departamento de Estado até 2000 e também evangélico, disse:
"Há muito mais gente boa do que ruim. As grandes seitas fazem mais coisas certas do que
erradas. Mas o que descobri é que pessoas bem-intencionadas minaram em muitos, muitos
casos a mensagem que estavam tentando passar por meio de metodologias inadequadas. Isto
resulta em perseguições, e há horas em que você deseja que elas tivessem ficado em
casa".
A experiência de Josh
Ele percorre os bairros operários e se pergunta com
quem conversará. Ele gosta de compartilhar Cristo com motoristas de taxi, em parte
porque o inglês deles é melhor do que seu árabe de iniciante. Ele apontou para três
homens jovens em uma marcenaria como sendo seu público alvo: "Eles são da minha idade",
disse ele. "A geração mais jovem é mais influenciada pelo Ocidente, e estão à procura".
Josh tem seus momentos de animação, como quando um menino do bairro o comprimenta,
dizendo: "Você é um bom muçulmano... quero dizer, cristão". E há vezes em que se sente
"sobrecarregado. Eu sou só uma pessoa -o que posso fazer para ajudar?" Mas a cada
momento ele se lembra do motivo de estar aqui. O primeiro chamado do muezim para a
oração ocorre às 4 horas da manhã. E Josh reza. "Eu rezo para que as pessoas respondam",
disse ele. "Eu rezo para que, enquanto sigam para a mesquita, de alguma forma Jesus se
revele a elas. Eu rezo contra aquele chamado -que ele não afete suas almas". Ele reza
para que possa ajudar a remover "esta atmosfera espiritual totalmente opressiva".
No sentido teológico mais amplo, Josh e outros missionários de Cristo estão respondendo
ao chamado de Jesus no Evangelho de Mateus, conhecido como a Grande Missão: "Ide,
portanto, e fazei discípulos todos os povos, batizando-os em nome do Pai, e do Filho e
do Espírito Santo, ensinando-os a observar tudo quanto eu vos mandei". Desde a Idade
Média, missionários -reverenciados por alguns, vilipendiados por outros- têm estado
entre os grande polinizadores do cruzamento de culturas da história.
No século passado, à medida que os protestantes e a Igreja Católica Romana nos Estados
Unidos adotavam um evangelho mais social que acentuava a ajuda aos pobres acima da
pregação aos incultos, a evangelização no seu sentido mais puro coube aos evangélicos.
Rara é a igreja protestante conservadora que não tenha enviado seus adolescentes em
viagens missionárias curtas ou para atuarem como anfitriões de missionários em casa, com
suas histórias cheias de lugares exóticos e conversões. Apesar de nunca admitirem,
aqueles que retornam são modelos de evangelização, tornando sua filosofia de pregação
incansável o trabalho de suas vidas. Beth Streeter, uma consultora de atendimento de
saúde de Moraga, Califórnia, que partiu em uma curta viagem missionária ao Egito com seu
marido e dois filhos pequenos após 11 de setembro, disse: "Quando você acredita no seu
íntimo que o amor de Jesus Cristo é realmente o melhor presente para a humanidade, você
deseja encontrar formas e lugares para que as pessoas possam ouvir isto. Às vezes isto
nos leva a lugares que podem ser difíceis e desconfortáveis".
Outros destinos
Nos anos 70, os grandes campos missionários eram na América Latina, onde o
protestantismo conservador disputava com o catolicismo os corações dos pobres, e (para
os mais audaciosos) nos países da África e da Cortina de Ferro. Mas o foco gradualmente
mudou. Um estrategista de missões chamado Ralph Winter sugeriu em 1974 que os cristãos
mudassem sua atenção de áreas já expostas a Cristo para "grupos não atingidos", que
nunca ouviram o Evangelho. O plano tinha atrativo especial para aqueles que lêem
literalmente outro verso de Mateus, sugerindo que quando todas as nações forem
alcançadas, o muito aguardado final dos tempos poderia começar.
Sobre o Islã especificamente, ele escreveu: "De seu centro
na Janela 10/40, o Islã está se expandindo
energicamente para todas as partes do mundo; em uma estratégia semelhante, nós devemos
penetrar em seu coração com a verdade libertadora do Evangelho". Muitos partiram para a
Janela.
Rebanho desgarrado
Apenas para encontrá-la fechada. Das três religiões abraâmicas, o Islã é a que mais
ferozmente se opõe ao desgarrar do rebanho. A lei shari'a pede pena de morte para
aqueles que se convertem a outras religiões, e apesar da lei não ser aplicada na maioria
dos países de maioria muçulmana, a perseguição é comum. Isto por si só não impediria o
trabalho missionário. A maioria dos evangelizadores a aceitam como um custo da difusão
da fé. O que conteve seus esforços foi uma medida mais prosaica: a eliminação gradual na
maioria dos países muçulmanos dos vistos profissionais de "trabalhador religioso".
Organizações estabelecidas construídas em torno de missionários assalariados se viram
incapacitadas.
Então foram suplementadas por algo mais maleável. A abordagem foi chamada de
"tentmaking" (fazer tendas), imitando o Apóstolo Paulo, que se mantinha praticando tal
ofício enquanto divulgava a palavra de Cristo pelo Mediterrâneo. Como Paulo, os novos
missionários não montam um escritório de evangelização. Eles assumem empregos diurnos
-freqüentemente em ajuda humanitária, desenvolvimento ou outras áreas na qual o país
anfitrião careça de especialistas- e pregam não oficialmente. As possibilidades são
infinitas -sites evangélicos na Internet apresentam referências para engenheiros
mecânicos em "uma grande cidade árabe", vendas de computador em "um país islâmico" e
aulas de comércio e administração no Quirguistão- e seminários de recrutamento de
missionários podem acabar soando como feiras de empregos. Em uma pequena igreja do
Tennessee, um facilitador de missões garantiu aos seus ouvintes que "se você fala inglês
de nascença e pode embaçar um espelho, então você é capaz de ensinar" inglês no
exterior. Ele projetou um desenho em uma tela para mostrar as vantagens de não ser
oficial: um homem vestindo um turbante e portando uma adaga pára um missionário padrão,
carregando pasta, em uma barreira, enquanto outro ocidental carregando uma caixa de
ferramentas atravessa tranqüilamente, seguindo na direção de uma mesquita que fica no
caminho.
"Henry" e "Sarah" praticam um tipo de evangelização que pode agradar ao mais ferrenho
agnóstico. No início dos anos 80, eles chegaram a um país no Norte da África onde atuam
como líderes de equipes missionárias. "Nós não queríamos uma passagem rápida, cumprir
nosso ofício e pregar", disse Sarah. "Nós queríamos viver". Eles fundaram uma empresa de
turismo de aventura e fizeram amizades. Eles conversavam sobre esportes, impostos e
filhos com seus vizinhos, iam acampar com eles e se juntavam a eles nos dias sagrados
muçulmanos. Eles não escondiam sua fé, mas não a forçavam sobre os outros, assim, quando
o amigo de um amigo, que fez um curso de cristianismo por correspondência, os abordou em
nome de sua família, eles compartilharam Cristo segundo seus termos. "Eles nos
procuraram", insistiu Henry. Os dois clãs se tornaram próximos e ainda são;
eventualmente vários dos muçulmanos abraçaram Cristo. Para os teóricos do "tentmaking",
isto se chama "evangelismo de relacionamento". Henry preferiu falar da diferença da
conotação entre duas palavras árabes, "tansir" e "tabshir". "'Tansir' significa coagir
pessoas a mudar sua religião", ele explicou. "'Tabshir' significa compartilhar, ser
testemunha".
Em sua forma mais sutil, o "tentmaking" incorpora as palavras de São Francisco: "Pregue
o evangelho o tempo todo; quando necessário, use palavras". ("Seja o amigo de alguém,
não um vendedor da Amway", parafraseou um veterano.) Mas às vezes o status clandestino
pode gerar maus hábitos. As proibições de visto tornam muitos evangélicos, geralmente
exageradamente honestos, em distorcedores da verdade, mesmo que apenas no balcão da
alfândega. Eles usam e-mails encriptados e códigos de palavras, e fazem contrabando de
Bíblias. "Alguns parecem se inspirar no Livro de James, versículo 007", disse um pastor
cristão no Marrocos. Não é realmente culpa deles, disse o líder de uma missão,
argumentando: "Não deveria ser perigoso para uma pessoa mudar para um país diferente e,
usando as palavras da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, 'manifestar sua
crença em ensino, prática, adoração e cerimônia'". Mas uma cena de sala de aula na
Universidade Internacional de Columbia na Carolina do Sul, relatada no ano passado pela
revista "Mother Jones", demonstra uma elasticidade ética enervante. "Jesus já mentiu?"
perguntou o conferencista. Sua turma respondeu, "Não". "Mas Jesus já levantou a mão e
disse: 'Eu juro dizer a verdade, toda a verdade e nada além da verdade?'" Novamente, as
20 vozes responderam, "Não!" (O instrutor confirma a citação mas disse que ela foi
tirada do contexto.)
Mesquitas de Jesus
E há as aparentes tentativas de alguns missionários de camuflar sua fé como um tipo de
Islã: convidando convertidos potenciais às "mesquitas de Jesus", recitando publicamente
o credo muçulmano, "Não há outro deus senão Deus, e Maomé é seu Profeta"; ou se
permitindo serem considerados como muçulmanos místicos, ou sufis. Tais técnicas são
racionalizadas como parte da "contextualização", a necessária apresentação de novas
idéias em um idioma familiar. Mas Ibrahim Hooper, do grupo de defesa de Washington,
Conselho de Relações Americanas-Islâmicas, alegou: "Eles sabem que não adianta apenas
dizer, 'eu quero que você se torne cristão, e este é o motivo'. Então eles têm que
fingir ser muçulmanos". Alguns evangélicos também estão preocupados. A mesquita de Jesus
"confunde a questão", disse um missionário na Jordânia. "Se os muçulmanos vierem para
Cristo, eles realmente precisam saber para o que estão vindo".
Parte do segredo pode ser desnecessário. David English, diretor-executivo de uma agência
de ajuda a "tentmaking" chamada Global Opportunities, apontou que mesmo na Arábia
Saudita, um dos países de maioria muçulmana mais restritivos, "foi esclarecido que se no
curso normal do seu trabalho as pessoas perguntarem sobre sua fé, você é perfeitamente
livre para falar a respeito e explicá-la. Não há lei contra a conversão -eles ainda não
jogam de forma justa- mas isto já está bom". Outros especialistas dizem que os líderes
locais freqüentemente toleram pregação informal como o preço para contar com a perícia
ocidental em outros campos. Daryl Anderson da Igreja Evangélica Livre da América, cujos
missionários atuam inicialmente em áreas de saúde e tecnologia da informação, disse:
"Nós somos criativos para encontrar onde coça no governo, para que possamos coçá-lo. E
dependendo da pureza ideológica da agência do governo, nós temos uma certa liberdade
para falarmos abertamente sobre nossa fé".
Mas tal aceitação informal pode evaporar quando um regime reprime ou um missionário se
torna mais assertivo. Em agosto de 2001, o Taleban do Afeganistão prendeu Heather
Mercer, 24 anos, e Dayna Curry, 29 anos, que viajaram de uma igreja no Texas para
trabalhar para um grupo chamado Abrigo Alemanha em Cabul. Nos três meses que passaram
presas, resgate subseqüente e visita ao presidente Bush no Jardim das Rosas, a imprensa
se referiu a elas como "trabalhadoras cristãs de ajuda humanitária", deixando implícito
que estavam apenas envolvidas em ajuda humanitária, e que a alegação de seus
encarceradores de que estavam tentando converter muçulmanos era falsa.
Tais sentimentos são bastante nobres. Mas os atos das mulheres foram impopulares com uma
grande quantidade de grupos de ajuda humanitária de Cabul, desde trabalhadores seculares
até outros evangélicos. "Elas violaram todas as regras do livro", disse Seiple, o
ex-embaixador da liberdade de religião do Departamento de Estado. "Elas eram mulheres em
uma sociedade patriarcal, não sabiam (bem) a língua, não conheciam a cultura e foram
aconselhadas a não fazerem aquilo por outros cristãos". "Kay", uma veterana de 13 anos
em missões evangélicas em outra capital muçulmana e que disse que o incidente
eventualmente interferiu em seu próprio trabalho, disse: "Eu lamento o fato delas terem
sofrido, mas elas não pensaram. Elas não mediram as conseqüências mais distantes de seu
idealismo".
Missionários em risco
Uma recriminação intercristã também surgiu após a morte chocante em novembro passado de
Bonnie Witherall, uma assistente de enfermagem de 31 anos da clínica pré-natal da
Aliança Cristã e Missionária em Sidon, Líbano, uma instalação fundada em parte pela
organização Samaritan's Purse (Bolsa do Samaritano) de Franklin Graham. Certa manhã,
quando ela chegou para abrir a clínica, um agressor desconhecido disparou três vezes
contra ela na cabeça. O assassinato dela pode ter sido simples antiamericanismo, já que
ocorreu após um dos editais belicosos de Osama Bin Laden. Mas o New York Times noticiou
que membros da Aliança -que ostentam uma bandeira que diz em árabe, "E Jesus disse para
eles: Eu sou o pão da vida, e quem vier a mim não terá mais fome"- tinham recebido
ameaças após imãs locais os terem denunciado por entregarem literatura cristã e terem
evangelizado jovens muçulmanos.
Isto é legal no Líbano, mas é considerado tanto por muçulmanos quanto por alguns líderes
cristãos como uma ameaça à frágil paz entre as seitas do país. Assim o arcebispo
católico local, ao mesmo tempo em que condenava o crime, sentiu que era necessário
anunciar: "Nós não aceitamos este tipo de pregação. Nós a rejeitamos totalmente".
"Sam", de 46 anos, lembra do dia em que soldados israelenses avistaram sua van Citroen
branca no acostamento de uma estrada vicinal nos arredores da cidade de Nablus, na
Cisjordânia, e ao ouvirem o murmurinho atrás de suas cortinas fechadas, concluíram que
tinham encontrado um ninho de homens-bomba suicidas. Os americanos deixaram o veículo
com armas apontadas para eles e explicaram que os seis palestinos que os acompanhavam
eram um grupo cristão clandestino de estudo da Bíblia, que estava evitando os olhares
dos vizinhos. "Eles estão correndo risco de serem mortos", ele disse aos soldados
desconcertados. Sam alega ter levado mais de 100 palestinos para Cristo, mas disse que
são eles que são heróicos, não ele. Alguns dos convertidos, disseram seus companheiros
de seita e diplomatas locais, pagaram por sua fé com prisões, surras e tortura nas mãos
das forças palestinas. As mesmas fontes informam que um homem foi entregue para os
milicianos do Fatah, que o mataram.
Paul Marshall, do grupo de direitos humanos Freedom House, disse que apesar da conversão
ser um crime em alguns países de maioria muçulmana, "o maior problema é que outra
pessoa, um familiar ou vigilante local, matará você, e o Estado não intervirá". Um
estudo de 2001 preparado para a Junta de Missão Internacional da Convenção Batista do
Sul por um coordenador de estratégia para "grupos de pessoas não atingidos" no Chifre da
África, descreve sua experiência em um país onde, ele alega, "a maioria dos crentes em
Jesus Cristo foram sistematicamente perseguidos e martirizados". Tais riscos apóiam o
argumento missionário de que alguns muçulmanos permanecem na religião menos por fé e
mais por temor. Mas a perseguição representa para os evangelizadores um problema
adicional e potencialmente embaraçoso de risco relativo, dado que (apesar das quatro
mortes recentes) os convertidos estão em risco muito maior do que aqueles que os
conduzem até Cristo.
Conversão
A conversão é um ato de livre arbítrio, e os muçulmanos sabem dos riscos. Mas é preciso
compartilhar da fé de Wally Rieke, candidato a coordenador da agência Serving in Mission
(servindo em missão), para aceitar sua observação de que "a segurança e o cuidado dos
convertidos cabe ao Senhor, não a nós. Se dependesse de nós, nós teríamos muitas pessoas
em risco". De forma semelhante, o resultado do relatório batista diz que "os
missionários necessitam de resistência espiritual, para que quando for exigido que os
frutos de seu testemunho caminhem pelo fogo, o missionário não fique automaticamente
tentado a resgatá-los". Ele continua: "Evitar perseguição significa impedir o
crescimento do reino de Deus". Os missionários também enfrentam acusações de indiferença
negligente em relação às represálias que eles às vezes atraem para as igrejas cristãs já
existentes e aos grupos de ajuda humanitária não evangelizadores. Lamin Sanneh, um
muçulmano convertido ao catolicismo que ensina história do mundo em Yale, disse: "Eles
chegam, não informam as igrejas locais, mexem no vespeiro e então desaparecem quando a
situação fica difícil. Por que começar uma controvérsia quando você não vai estar lá
para enfrentar o impacto dela?" Seiple disse que após a prisão de Curry e Mercer no
Afeganistão, "todas as outras organizações cristãs foram expulsas até a queda do
Taleban".
Para "Robert", os dias de espera pareceram ter acabado. Por meses o evangelista
vagamundo se manteve discreto, aguardando a abertura de seu mais recente campo de missão
escolhido, o Iraque. Ele viveu discretamente em uma capital próxima, se referindo ao
Iraque em código. Mas após a libertação de Bagdá, Robert estava pronto para agir. Ele
planejava entrar no Iraque com uma equipe secular de ajuda humanitária -uma espécie de
"tentmaking"- mas presumiu que seus trabalhadores poderiam se virar sozinhos
posteriormente, imprimindo antecipadamente panfletos em árabe. Nem todos os missionários
apoiaram a guerra no Iraque, mas Robert se identificava com George W. Bush. "Algo que
você precisa entender é que diplomacia não funciona com Satã", disse Robert por e-mail.
Ele compreende que inserir um evangelho intransigente em um local e momento tão
sensíveis pode provocar hostilidade. Mas ele vê isto como uma conseqüência inevitável.
"Se a armadura de Satã for perfurada, então a fissura será violentamente contestada em
cada ponto", ele escreveu. Ele previu que quando Cristo for proclamado no Iraque, haverá
"tumultos". Afinal, ele explicou, seu mandato "é virar o mundo de cabeça para baixo".
Mas vale a pena perguntar se este é um mandato com o qual os americanos em geral gostam
de ser identificados. Os missionários geralmente reclamam do sofrimento com a percepção
muçulmana em geral dos americanos como sendo fornecedores de cultura "trash" e
libertinagem. Mas com a nova onda agressiva de evangélicos e a situação sensível no
Oriente Médio, o sapato pode estar no outro pé: os missionários podem afetar a forma
como o mundo muçulmano vê os Estados Unidos.
Muito foi feito pelo estranho papel triplo de Franklin Graham como crítico do Islã ("uma
religião muito maligna e doente"), favorito do governo Bush (ele rezou na missa de
Sexta-Feira Santa no Pentágono) e suposto fornecedor de ajuda humanitária e Evangelho ao
país recém-libertado. Mas Graham é apenas uma parte da onda missionária no Iraque,
composta não apenas de caridades não-proselitizadoras, mas também de grupos evangélicos
como o dele. Alguns oferecem apenas ajuda material; outros ajuda somada às Boas Novas.
Outros como a Sociedade Internacional da Bíblia e a Discipling a Whole Nation (Dawn,
tornando todo um país apóstolo) se concentram apenas na divulgação da palavra de Deus.
Por décadas a evangelização não desfrutava de tamanha cabeça de ponte no Iraque. Rich
Haynie do Dawn disse que até a ponto do bombardeio aliado ter induzido os muçulmanos a
questionar seu deus, "nós podemos dizer que a guerra foi um momento de amadurecimento".
Este tipo de linguagem perturba Kimball da Wake Forest (floresta desperta), que
recentemente escreveu um livro, "When Religion Becomes Evil" (quando a religião se torna
maligna). "Esta é uma área que vive com uma história de cruzadas e na sombra do
colonialismo", disse ele. "A imagem da invasão de uma poderosa potência militar já
provoca profundo questionamento quanto as intenções dos Estados Unidos. Se você
adicionar uma agressiva presença missionária, será fácil ver isto como uma espécie de
triunfalismo cristão americano". Azzam Tamimi, diretor do Instituto do Pensamento
Político Islâmico com sede em Londres, disse: "Onde quer que eu vou, as pessoas dizem,
'você soube que missionários americanos na Jordânia estão esperando para entrar no
Iraque?' Estas são pessoas cultas; sob circunstâncias normais, os missionários não
seriam grande coisa, mas agora as pessoas acham difícil acreditar que isto não é uma
cruzada contra o Islã por parte do governo Bush".
Mensagem de amor
Os evangélicos afirmam repetidas vezes que sua mensagem se baseia no amor. Eles estão
muito melhor informados e mais ativamente preocupados do que o cidadão americano comum
sobre as necessidades materiais do mundo islâmico, e seu desejo de compartilhar Cristo
nasce principalmente de um impulso generoso semelhante. As alegações de que os grupos de
ajuda humanitária cristãos praticam caridade como "cobertura" para a conversão presta um
desserviço aos esforços humanitários, muitas vezes heróicos, de trabalhadores que
acreditam que os cristãos deveriam prestar atenção não apenas à mensagem de salvação de
Jesus, mas também ao seu exemplo como alimentador e curandeiro. Mas não há dúvida de que
apesar da maioria dos missionários evangélicos amarem os muçulmanos, eles esperam
substituir o Islã. Alguns se encolhem diante da descrição "maligna e doente" de Graham,
mas sua crítica é mais contra o tom do que quanto ao conteúdo. Uns poucos sugerem que
apenas partes do Islã, e não o seu todo, são desencaminhadas. Mas a maioria assina
embaixo a generalização de Luis Bush sobre o Islã, budismo e hinduísmo: "Satã deseja
manter as pessoas na condição mais miserável possível pelo maior tempo possível".
Claramente, esta ideologia é conflitante com as declarações do presidente Bush de que o
Islã é uma religião de paz, com sua visita a uma mesquita em Washington, D.C., e seu
convite a muçulmanos proeminentes a encerrarem seu jejum do Ramadã na Casa Branca.
Suficientemente amplificada, isto também poderia complicar os esforços americanos para
incentivar os moderados do Islã no Oriente Médio. Mas o governo não vê desta forma. Os
funcionários do governo admitem a existências de uns poucos "caubóis", mas na maioria,
disse um, os missionários "geralmente ajudam as pessoas, e não apenas porque desejam
convertê-las", e os muçulmanos estão felizes com a ajuda. Durante a discussão do papel
de Graham no Iraque, uma porta-voz da Agência para o Desenvolvimento Internacional dos
Estados Unidos destacou para um repórter do site Beliefnet que o governo não pode
controlar as organizações de caridade privadas. E um alto funcionário do governo disse à
Time que dado os laços estreitos do presidente com a direita cristã e seu apoio ao
trabalho de caridade baseado na fé, há pouca chance da Casa Branca desencorajar as
organizações de ajuda humanitária cristãs de irem ao Iraque.
O debate nacional em torno dos missionários no Iraque tem provocado um discurso paralelo
na comunidade evangélica, ou melhor, um novo capítulo no diálogo em andamento sobre como
melhor divulgar a palavra de Deus. Em um encontro convocado no mês passado pelo Centro
de Ética e Política Pública, um centro de estudos de Washington, fervor e autocrítica se
misturaram ao senso de que a introdução dos muçulmanos ao cristianismo pode estar
entrando em um estágio crítico. "Se não fizermos isto corretamente desta vez, nós
poderemos nos tornar irrelevantes", se preocupou um participante. Outro, Serge Duss, da
caridade cristã World Vision International, afirmou que a atual controvérsia é apenas um
"mero 'blip' na tela do radar". O valor das missões cristãs não será julgado segundo os
últimos meses, mas segundo o último meio século, durante o qual, "por amarmos Deus e
amarmos o próximo", elas estiveram "na vanguarda do fornecimento não apenas de ajuda
humanitária, mas desenvolvimento, atendimento médico para crianças, saneamento e
comunicações". Em alguns momentos, disse Duss, "nós pudemos ser mais abertos quanto à
nossa fé cristã, e em alguns momentos não. E este", ele acrescentou, "é o momento em que
precisamos ser mais sábios".
E no final, a sabedoria vem do alto. O muezim chamou mais duas vezes, e Josh, o
missionário de primeira viagem, olhou pela sua janela para uma velha encurvada em um
manto ondulante, subindo uma colina vizinha. A visão ativa algum tipo de sinapse no
local de convergência entre sua ansiedade juvenil, seu desejo de compartilhar, o impulso
de se intrometer e a convicção de que a providência de Deus resolverá tudo. "Eu vejo
pessoas como ela, e me pergunto, qual é a história dela?" disse ele. "O que posso fazer
para ajudá-la? Quando sinto o chamado em meu coração, eu não vejo como é possível estar
aqui e não querer poder me dirigir às pessoas, amá-las, conhecê-las. Todo dia eu digo
para Deus: me use. Me diga o que fazer. Me diga o que dizer".
Tradução: George El Khouri Andolfato |
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