Deu no New York Times: Pior da religião deve contaminar política
dos EUA Crentes já estão defendendo vinganças e penitências contra liberais
Maureen Dowd
Colunista do NYTimes
É possível pensar que um aspecto positivo da mistura de igreja e Estado seria o
fato de a política ficar envolta por sentimentos cristãos deslumbrantes como
"ame o seu vizinho", "dê a outra face", "boa-vontade entre os homens",
"abençoados sejam os pacíficos" e "não julgue para não ser julgado".
No entanto, por algum motivo, não estou sentindo uma vibração repleta de paz,
caridade, tolerância e perdão por parte dos conservadores e evangélicos que
alegam ter conduzido o seu filho pródigo de volta à presidência.
O que tenho sentido mais é a presença de uma multidão vingativa --estimulada por
um senso de retidão-- circulando com tochas e machados em uma caçada aos
bárbaros, pagãos e infiéis.
Um furibundo senador sulista chegou a afirmar que uma simpática colunista
católica possuía chifres na cabeça! Bob Jones 3º, presidente da faculdade
fundamentalista que tem o seu nome, escreveu uma carta ao presidente
dizendo-lhe: "Cristo permitiu que você fosse o seu servo, de forma que possa
deixar uma marca de retidão ao nomear juízes conservadores e aprovar uma
legislação definida por normas bíblicas".
"Na sua reeleição, Deus permitiu graciosamente que os Estados Unidos --embora o
país não o merecesse-- fossem poupados da agenda do paganismo", escreveu Jones.
"Coloque a sua agenda no fogo e deixe-a queimar. Você não deve nada aos
liberais. Eles te desprezam porque desprezam o seu Cristo".
Essa foi pesada.
Os inquisidores e vingadores cristãos, com os corações duros como pedra, estão
perseguindo o pobre Arlen Specter, de 74 anos, pelos corredores de mármore do
Congresso, determinados a flagelá-lo e a negar a ele a sua acalentada meta de
assumir a presidência do Comitê Judiciário do Senado.
Eles não estão irados apenas com os seus comentários inócuos, feitos após a
eleição, segundo os quais os juízes contrários à lei que permite o aborto
enfrentarão dificuldades no Senado. Eles foram também tomados de uma fúria
revanchista contra o senador porque este defendeu a pesquisa com células-tronco
e votou contra Robert Bork --que acusou Specter de ser "um pouco ardiloso"-- 17
anos atrás.
"Ele é um problema e precisa ser neutralizado", disse James
Dobson, fundador e presidente da organização conservadora Focus on the Family,
dirigindo-se a George Stephanopoulos.
Aparentando mais ser o chefão de uma família mafiosa do que um pastor, Dobson
falou a Stephanopoulos sobre uma advertência que fez a um funcionário da Casa
Branca após a eleição, avisando-o que é melhor que o presidente e os
republicanos tomem providências quanto a questões como o aborto, o casamento gay
e os juízes conservadores. "Se não o fizerem, acredito que pagarão um preço na
próxima eleição", ameaçou Dobson.
Sem dúvida Specter fez a sua parte pela causa conservadora. Ele acusou Anita
Hill de "perjúrio evidente" devido a uma pequena inconsistência no seu
testemunho contra Clarence Thomas, o bom jurista cristão que outrora gostava de
filmes pornográficos.
Alguns membros da Casa Branca pensaram em dar o posto a Specter e mantê-lo na
rédea curta. Mas os poderosos puritanos são impiedosos. Eles dizem que Specter é
um banana e um empecilho à cruzada dos evangélicos e dos bispos conservadores
católicos --que despejaram as suas reservas de votos com uma eficiência brutal--
pela derrubada da decisão da Corte Suprema que legaliza o aborto.
Stephanopoulos questionou Dobson a respeito dos seus comentários ao jornal "The
Daily Oklahoman", nos quais o pastor afirmou: "[o senador democrata pelo Estado
de Vermont] Patrick Leahy odeia o povo de Deus. Eu não sei se ele odeia Deus,
mas ele odeia o povo de Deus".
Stephanopoulos disse que essa não era uma observação particularmente cristã a se
fazer sobre o mais proeminente democrata do Comitê Judiciário.
"George", rebateu arrogantemente Dobson. "Você acha que pode me dar sermões
sobre o significado do cristianismo?". Por que não? Stephanopoulos, o
apresentador de TV, é filho de um sacerdote ortodoxo grego.
Agindo como se as decisões de Bush devessem ser acatadas em um ato de fé, John
Ashcroft atacou os juízes por não concederem a Bush poderes irrestritos na sua
guerra contra o terrorismo.
Falando após a eleição presidencial perante uma bajuladora Federalist Society,
um grupo de advogados conservadores, Ashcroft repetiu as observações feitas no
Senado logo após o 11 de setembro, argumentando que objeções às propostas
antiterroristas do presidente dariam "munição aos inimigos dos Estados Unidos".
Ashcroft afirmou que os juízes que interferem na autoridade constitucional do
presidente para tomar decisões durante a guerra podem colocar em perigo "a
própria segurança da nossa nação em um período de guerra".
E, considerando que o presidente não vê um fim à vista para a sua guerra contra
o terrorismo, será que isso o tornaria infalível ad infinitum?
Tradução: Danilo Fonseca
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes/2004/11/18/ult574u4733.jhtm
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