Fim da Liberdade:
EUA Vão Monitorar Cidadãos 24 Horas por Dia


GUERRA SEM LIMITES

Governo quer analisar informações pessoais de todos os cidadãos do país para "prevenir ataques terroristas"

Projeto dos EUA prevê "super Big Brother"

MARIA BRANT

DA REDAÇÃO DA FOLHA DE S.PAULO

O pior pesadelo dos adeptos das teorias da conspiração parece ter sido concretizado. O Departamento da Defesa dos EUA está desenvolvendo um programa cujo objetivo é permitir que o governo rastreie os movimentos de todos os seus cidadãos para "prevenir ataques terroristas".

Gastos com cartão de crédito, saques de dinheiro em caixas eletrônicos, históricos escolares, compras em supermercados, livros retirados em bibliotecas, sites visitados na internet, números de telefone discados, registros de pedágios e muitos outros dados de cada um dos cerca de 290 milhões de americanos e estrangeiros nos EUA serão reunidos em um banco de dados gigante.

A idéia é detectar padrões de comportamento "suspeitos" e impedir ataques antes que eles aconteçam. O segredo, dizem as agências de inteligência -amplamente criticadas por não terem captado sinais antes dos atentados de 11 de setembro de que algo estranho estava ocorrendo- estaria não na simples capacidade de acessar os dados, mas na possibilidade de combiná-los.

Se, na hora em que os 19 sequestradores do 11 de setembro compraram passagens de avião para os mesmos quatro vôos, por exemplo, um computador mostrasse que todos eles moravam juntos ou próximos uns dos outros e tinham sobrenomes árabes, alguns deles integrando listas de suspeitos de terrorismo do FBI, talvez algum alarme tivesse soado na cabeça de algum agente.

Para isso, foi criado o IAO (algo como Escritório de Conhecimento das Informações, na sigla em inglês), encarregado de implantar e administrar o programa TIA (Conhecimento Total das Informações). O escritório faz parte da Darpa (Agência de Projetos de Pesquisa Avançada da Defesa), uma evolução da Arpa, responsável pela criação da internet.

Como se não bastasse o caráter orwelliano do programa, o escolhido em fevereiro último para chefiar o IAO é nada menos que o ex-almirante John Poindexter, que, como assessor para assuntos de segurança nacional do ex-presidente Ronald Reagan nos anos 80, foi um dos orquestradores da operação Irã-Contras. Sob o esquema, os EUA venderam mísseis a Teerã, de forma secreta e ilegal, e usaram os fundos para financiar os "contras", guerrilheiros anti-Sandinistas na Nicarágua.

Poindexter foi condenado por cinco acusações, incluindo conspiração e mentir ao Congresso, mas acabou absolvido por um tribunal de apelações, pois seus depoimentos haviam sido dados sob a garantia de imunidade.

Até o logotipo do programa parece ter sido elaborado para aterrorizar paranóicos. Nele, o Grande Selo do EUA -onde figuram o símbolo do "olho que tudo vê", associado à onisciência divina, e uma pirâmide- , presente nas notas de dólar, é modificado e passa a jogar um facho de luz sobre o globo terrestre. O lema do departamento é "Scientia est potentia" (conhecimento é poder).

A Darpa, aliás, tirou o logotipo de sua página na internet em 26 de novembro, depois de a imagem passar a estampar nove entre dez sites de ativistas americanos.

Como era de se esperar, o TIA causou celeuma entre grupos de defesa das liberdades civis. Mais de trinta ONGs escreveram ao presidente George W. Bush no último mês dizendo que o TIA viola a Quarta Emenda da Constituição americana, que protege cidadãos, suas casas e documentos de "buscas e confiscos não-razoáveis".

Talvez de forma menos previsível, o TIA provocou revolta também entre conservadores. O colunista William Safire, do "New York Times", chamou-o de "o sonho do superbisbilhoteiro", e até o "think tank" liberal Cato publicou artigos criticando o plano.

Os defensores do TIA no Departamento da Defesa dizem que sua base legal é a nova Lei de Segurança Interna, sancionada por Bush no mês passado.

Diversos congressistas, contudo, incluindo o líder da maioria republicana na Câmara dos Deputados, Dick Armey, contestam a alegação e dizem que a implementação do programa exigiria a reforma de leis que protegem a privacidade dos americanos.

Apoiado na lei ou não, a Darpa anunciou em março estar procurando fornecedores de softwares para o TIA, com um orçamento anual inicial de US$ 200 milhões.

O modelo do programa são os sistemas de "data mining", ou mineração de dados - que permitem que empresas anotem e comparem informações sobre o comportamento de seus clientes para tornar suas campanhas de marketing mais certeiras, detectar fraudes e garantir a segurança de compras por cartão de crédito.

Um dos fatores que causam mais alarme entre seus detratores, aliás, é a facilidade com que o TIA seria inicialmente implantado. Ou seja, as informações que o governo usaria no programa já existem e só precisariam ser compiladas em um único banco de dados ou cruzadas entre si. O único obstáculo para isso, o de fazer com que as empresas disponibilizassem seus dados, não parece ser exatamente intransponível.

Segundo uma pesquisa realizada pela revista americana especializada em segurança "CSO" e divulgada há dez dias, 41% das empresas americanas passariam voluntariamente informações sobre seus clientes ao governo, mesmo sem uma ordem judicial.

Na verdade, companhias como a Amazon e a eBay dizem em suas páginas sobre sua política de privacidade que podem fornecer informações sobre seus clientes quando julgarem que isso ajudará no "cumprimento da lei".

Mas nem todas as empresas encaram a questão dessa forma.

Paul Hawken, autor de "The Ecology of Commerce" (a ecologia do comércio) e presidente da empresa de mapeamento de informações Groxis, contou à Folha que foi convidado a fazer uma apresentação dos programas de sua empresa em um evento em que Poindexter estaria presente para avaliar a possibilidade de a firma participar do TIA, mas recusou a oferta, "por princípio".

Sua companhia, diz ele, "recusa-se a trabalhar com Poindexter de qualquer forma em qualquer projeto", já que ele "traiu os EUA" no caso Irã-Contras. "Em segundo lugar, simplesmente não participaríamos de um projeto para espionar cidadãos", diz ele.

Inviabilidade

Outra crítica ao programa diz respeito à sua inviabilidade. Para muitos, incluindo Hawken, criar algoritmos que determinem "padrões suspeitos de comportamento terrorista" seria praticamente impossível.

"Quem teria previsto, por exemplo, que [o líder dos sequestradores do 11 de setembro] Mohammed Atta, um muçulmano devoto, passaria tempo com "showgirls" e jogando em cassinos de Las Vegas menos de um mês antes dos ataques?", pergunta.

Outro impedimento à viabilidade do TIA é sua tendência a criar "falsos positivos", disse Hawken. "Usando a análise bayesiana, podemos determinar com bastante certeza que, para cada pessoa que o governo possa ter uma razão legítima para seguir, rastrear ou monitorar, haverá cerca de mil pessoas inocentes cujas vidas se tornarão miseráveis pelo monitoramento do governo."

O terceiro problema, afirma Hawken, é o fato de que a existência de um programa como o TIA certamente causaria mudanças de comportamento. "É infinitamente mais fácil para uma pessoa enganar o sistema camuflando suas atividades do que é para o sistema encontrar uma única pessoa."

Fonte: http://www.uol.com.br/fsp/mundo/ft2912200201.htm

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