Alberto Timm Esclarece Dúvidas Sobre Ellen White

 

Ellen White (1827-1915) é uma das autoras mais lidas do mundo. A escritora produziu mais de cinco mil artigos e 49 livros em vida, atingindo cem mil páginas manuscritas. Atualmente, somando-se as compilações de seus escritos, são mais de cem títulos em inglês. Suas obras atingem outras 150 línguas, com mais de cem milhões de cópias em circulação.

Os Centros de Pesquisa Ellen White, que reúnem cópias dos manuscritos originais, dão suporte aos leitores, desenvolvem e apóiam pesquisas na área. Um destes centros fica no Brasil, fundado por Alberto Ronald Timm em 1988 e atualmente situado no Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp), campus 2.

Timm é Ph.D em Teologia pela Universidade Andrews e professor no Seminário Adventista Latino-americano de Teologia (Salt), no campus 2 do Unasp. Atualmente, Timm orienta cinco teses doutorais, além de participar indiretamente de outras defesas, inclusive no exterior. Alberto Timm é colunista há alguns anos da Revista Adventista e Sinais dos Tempos e autor do livro O Santuário e as Três Mensagens Angélicas, editado em português pela Imprensa Universitária e, recentemente, pela editora norte-americana Pacific Press. Timm também fundou e é o atual diretor do Centro Nacional de Memória Adventista. Na entrevista a seguir, esclarece algumas dúvidas em relação à Ellen White e as profecias.

Desde quando Ellen White é aceita pelos adventistas como profetisa?

Timm - Essa é uma questão que precisa ser qualificada, porque a primeira visão de Ellen White ocorreu em dezembro de 1844 e já um grupo de amigas passou a crer que poderia ser um dom profético genuíno. No ano seguinte, Tiago White, que se tornaria seu esposo, também aceitou essa possibilidade. Nós não temos uma data. É um processo gradativo. Por exemplo, as conferências bíblicas de 1848 foram fundamentais também na aceitação do dom profético. José Bates já havia aceitado no final de 1846. Quando a Igreja Adventista começou a tomar uma certa forma, não como uma igreja, mas como um movimento na década de 1850, já havia uma aceitação quase generalizada deste núcleo de pessoas religiosas, que depois daria origem, a partir do início da década de 1860, à Igreja Adventista.

Qual seria a natureza das visões de Ellen White?

Timm - Quando se fala em sonhos e visões, eles se referem a revelações sobrenaturais de Deus. Nunca um sonho ou uma visão é dado sem objetivo. De acordo com I Coríntios 12, os dons do Espírito são dados com um fim proveitoso. Podem ser uma palavra de encorajamento para uma pessoa desanimada ou a revelação ou confirmação de um novo aspecto da verdade que precisaria ser mais bem compreendido. Podem ser até mesmo, sonhos proféticos, relacionados a eventos futuros, cujo objetivo era demonstrar que Deus está no comando da história e, também, esclarecer o que viria pela frente. O sonho ocorre sempre quando um profeta está dormindo. Visões podem ocorrer enquanto ele está acordado ou dormindo.

O que o senhor diria de algumas visões de conteúdo concentrado em que, logo após seu término, Ellen White descreve aos poucos o que contemplara. Seria algo parecido com um upgrade (atualização)?

Timm - Exatamente. Tome como exemplo a visão do Grande Conflito, recebida em 14 de março de 1858. Aquela visão durou duas horas. Mas para escrevê-la, a profetisa levou alguns meses. É lógico que Ellen White não dedicou tempo integral, mas até chegar ali, a visão deu origem ao primeiro volume do livro Dons Espirituais, e depois, com algumas visões e pesquisas, também da escritora, acabou-se produzindo a série O Grande Conflito de cinco volumes - Patriarcas e Profetas, Profetas e Reis, O Desejado de Todas as Nações, Atos dos Apóstolos e O Grande Conflito. Pode-se ver como, muitas vezes, uma visão é concentrada, podendo, depois, ser ampliada.

Qual seria, então, a relação entre os escritos de Ellen White e a Bíblia?

Timm - Uma das características do verdadeiro profeta é exaltar a Bíblia, levar as pessoas de volta à Bíblia. Nesse contexto, gosto muito de uma das posições de Jameson em um livro intitulado Um Profeta Entre Vós. Neste livro o autor diz que os escritos de Ellen White exercem uma tríplice função em relação à Bíblia. Em primeiro lugar: atrair, levar as pessoas de volta à Bíblia, atrair a atenção à Bíblia. Em segundo lugar: ajudar na compreensão da Bíblia. Em terceiro lugar: ajudar a colocar em prática os princípios bíblicos.

Então, alguém poderia dizer: "Mas para que chamar atenção à Bíblia?". No mundo da revolução cibernética e dos modernos meios de comunicação, existem tantas coisas e opções diferentes que as pessoas praticamente não têm mais tempo para suas prioridades espirituais, e precisam ser lembrados delas. Ressalta-se que afirmar a ajuda de Ellen White na compreensão da Bíblia não é dizer que a profetisa substitui a Bíblia. Mas o cristianismo contemporâneo se encontra tão fragmentado em diferentes interpretações conflitantes, cada uma alegando ter base bíblica, que eu creio que o dom profético de Ellen White ajuda a limpar a Bíblia de todo esse entulho de falsas interpretações impostas, de tal maneira que a Bíblia possa mais claramente exercer a função de intérprete de si mesma. E no caso, a aplicação dos princípios bíblicos, a pessoa diz que aceita os escritos, aceita a profecia ou os profetas bíblicos. O problema não está tanto na aceitação teórica quanto na vivência prática, e aí, eu creio que Ellen White fortalece o compromisso com a Palavra de Deus.

Na sua visão, como os escritos de Ellen White devem ser usados?

Timm - A palavra-chave pra interpretar os escritos de Ellen White é equilíbrio. O problema, como disse alguém, não é que aquele que não sabe nada e sabe que não sabe. O problema também não está naquele indivíduo que sabe tudo e é humilde e está ciente disso, e tem equilíbrio. O problema é aquele que sabe um pouco e acha que sabe tudo. Para solucionar isso, nós precisaríamos ter uma visão ampla dos seus escritos. E essa visão tem que ser contextualizada dentro da época na qual foram escritos, tendo em mente que princípios universais sempre estão envolvidos, mesmo em aplicações temporais. Aí é que entra o elemento chave para uma interpretação equilibrada. O maior problema que a Igreja enfrenta hoje, no Brasil, e em várias partes do mundo, não é mais tanto a questão de rejeitar Ellen White, mas a má interpretação da escritora. Por isso, esse fator é muito importante.

Há pessoas que argumentam que Ellen White não deve ser citada em sermões. Eu já ouvi esse tipo de discurso. Mas o pastor Dwight Nelson, por exemplo, cita Ellen White várias vezes em qualquer lugar. Até em evangelismo. Dwight não fala "a nossa profetiza", e sim "a autora americana de nome Ellen White". Dwight Nelson gosta de citar a profetisa. Então eu acho que é plenamente válido o uso de Ellen White mesmo em sermões.

A grande dificuldade está no mau uso, quando se explora apenas o lado negativo de Ellen White. Há pessoas que são profissionais em colocar o foco apenas nas repreensões da escritora. Isso acaba gerando uma certa caricatura de Ellen White. Devido a esse mau uso, algumas pessoas chegam a ponto de imaginar que os testemunhos de Ellen White são só "cacetadas" nas pessoas, quando na verdade, há algumas das declarações muito bonitas sobre justificação pela fé. Veja, algumas das cartas mais fortes que Ellen White escreveu, até pra John Harvey Kellogg, quando ele estava numa situação difícil, de apostasia com panteísmo e conflitos administrativos. A profetisa tinha cartas longas de admoestação e repreensão. E a pessoa, às vezes extrai um parágrafo que lhe interessa e que serve bem como um cassetete, não é?

É lógico que, grande parte da Bíblia tem admoestações dos escritos proféticos, sobre os profetas. As cartas de Ellen White, são interessantes, pois normalmente começam e terminam com um forte apelo espiritual. "A sua situação é essa, mas se você se arrepender e mudar, a graça salvadora de Deus vai perdoar você, e você vai ter uma nova vida". Então, você vê: a ênfase da escritora, mesmo nas repreensões, é sempre positiva, de tentar melhorar a situação, de a pessoa superar suas dificuldades. O grande problema é quando, nós descontextualizamos as advertências e eliminamos o lado positivo que muitas vezes está na introdução e na conclusão, ou às vezes até no meio de um testemunho de repreensão.

Os membros adventistas, como um todo, enxergam Ellen White do modo correto? Mitos construídos em torno de sua obra poderiam alimentar críticas externas?

Timm - A maior dificuldade que eu vejo é que muitas pessoas, ao falarem: "eu creio em Ellen White, eu aceito", isso significa: "eu aceito a pessoa de Ellen White, foi uma pessoa maravilhosa, uma pessoa temente a Deus, cristã, consagrada, e eu a admiro". A pessoa não quer um compromisso com a mensagem apresentada. A Igreja até está estimulando os membros a lerem o livro Mensageira do Senhor, de Herbert Douglass, como uma tentativa de desenvolver um pouco mais o conhecimento dos escritos de Ellen White e promover uma interpretação mais equilibrada e consistente. O grande problema está no princípio da gangorra: alguns aspectos que eu gosto, eu enfatizo; outros que eu não gosto tanto, eu simplesmente desconheço, faço de conta que nem existem. Isso precisa ser corrigido.

Os livros de Ellen White abrangem assuntos como aconselhamento, psicologia, educação, família, religião. Como a autora é vista pelas pessoas em geral não adventistas?

Timm - Lamentavelmente, a noção que o público, em geral tem é uma noção preconceituosa. Basta alguém descobrir que nós consideramos Ellen White como profetisa - a pessoa pode nunca ter lido nenhuma sentença da escritora - e o preconceito está montado. Pessoas que realmente entraram em um contato mais amplo com o livro Educação, Ciência do Bom Viver, O Desejado de Todas as Nações e também o Caminho a Cristo se fascinam.

Normalmente, há aquele crítico que realmente estudou muito com o objetivo de criticar. Mas alguns dos críticos são pessoas que nunca leram e que já têm um preconceito. Semelhante o que acontece às vezes com outros indivíduos. Às vezes, algo semelhante acontece com Ellen White. É preciso não explorar tanto a idéia "ela é nossa profetisa". Internamente, isso até é válido.

É necessário trabalhar mais com as idéias, os conceitos. E há pessoas que fazem isso. O reitor da Universidade de Santo Amaro (Unisa), doutor Sidney Dutra, é um deles. Às vezes, Dutra apresenta palestras sobre educação e conceitos básicos de Ellen White. As pessoas ficam fascinadas com isso: "Mas não pode ser!". Então, a Igreja deveria, em vez de sempre colocar o rótulo "Ellen White, Ellen White", trabalhar mais com os conceitos que a autora emite. Depois que a pessoa realmente se fascinou por aquilo, aí o ponto seguinte seria nós realmente, trabalharmos do lado positivo, senão, você já começa com preconceito.

Por falar em críticas, em torno de quê elas tem girado? As críticas têm fundamento histórico?

Timm - Existe uma gama muito grande de críticas que hoje são levantadas na Internet. É certo que muitas acusações são tendenciosas e não merecem a mínima consideração. Mas existem outras críticas que são emitidas por pessoas sinceras, questionadoras, que gostariam de compreender um pouco mais da questão. Canright, no final do século XIX, em 1988 e 1989, e depois, 1919, levantou a questão do plágio nos escritos de Ellen White. Isso foi uma coisa que ficou dormente dentro da igreja. Não era uma questão discutida e tão importante, até que foi novamente reacendida a discussão, principalmente em 1980, ou seja, quase cem anos depois, por Walter Rea e alguns outros.

Nós sabemos que muitas das nossas idéias sempre foram tiradas de outro lugar. A gente pode falar em outras palavras, e até uma vez eu li um certo estudo que sugeria que 80% das nossas idéias vêm de outros. O nível de originalidade pode aumentar de um para o outro.

Agora, no caso dos escritos de Ellen White, eu creio que há frases e parágrafos tirados de outros autores, mas os críticos esquecem de uma coisa: havia leis de direitos autorais naquela época, mas não eram implementadas como são hoje. Hoje nos Estados Unidos, se alguém é pego com um parágrafo copiado de um livro de outro autor sem a devida fonte, num livro ou artigo, esse indivíduo pode ser convidado a devolver seu diploma na universidade onde estudou. Mas naquele tempo não era assim.

Ellen White nunca sofreu um processo por plágio. E, além disso, muitos outros autores copiaram Ellen White e a escritora nunca reclamou disso. Eu já encontrei certa vez, quando estava em Ijuí, um parágrafo de O Desejado de Todas as Nações, livro de Ellen White, copiado por outro autor em um jornal, mas sem indicar a fonte.

Percebe-se que todo o processo do que ocorreu com Ellen White também ocorreu com a Bíblia. Os três Evangelhos semelhantes, por exemplo. Quem copiou de quem? E não é indicada a fonte. Ao analisar os livros de Crônicas e Reis, há semelhança entre eles. Quem copiou de quem? Então não é o fato de simplesmente copiar que faz diferença. Mas aí a pessoa pode dizer: "O profeta copiou do profeta, mas e quanto ao profeta copiar dos outros, e dos não profetas? A mesma coisa existe na Bíblia. 'Quanto aos demais atos do rei "Fulano de Tal" estão escritos nos anais dos reis de Israel de Judá.' E Paulo também tem várias citações que são máximas de filósofos daquela época. Até algumas das máximas de Cristo foram tiradas do pensamento comum. Creio que este é um dos pontos mais conhecidos. Existem outras críticas que são levantados por aqui e ali que logicamente dependem da região e do interesse de uma pessoa ou o quanto a pessoa conhece de Ellen White.

Logicamente, espera-se de um profeta o cumprimento de suas visões. Isto tem ocorrido com Ellen White? Dê alguns exemplos.

Timm - Nós temos as profecias condicionais, cujo conteúdo é dependente da atitude do povo. Se o povo mantiver o comportamento que vem mantendo, a profecia se cumpre. Se mudar, como o caso de Nínive, com a pregação de Jonas, as profecias podem não se cumprir. Profecias não-dependentes da atuação humana têm que se cumprir. No caso de Ellen White, temos vários exemplos, mas eu gostaria de destacar apenas dois. Um exemplo claro é a visão recebida em 18 de novembro de 1848. Nessa visão, foi mostrado que a obra de publicações teria um pequeno começo e depois seria "como torrentes de luz a circundar o mundo".

Isso era uma declaração totalmente descontextualizada. Os amigos de Ellen White esperavam que Jesus pudesse voltar a qualquer momento. Criam que nem precisariam pregar fora - havia a teoria da "porta fechada" -, que não havia mais missão a cumprir fora do próprio círculo. Mas em realidade, essa profecia se cumpriu sem dúvida, e hoje, as publicações adventistas têm literalmente sido espalhadas ao redor do mundo - esse é um exemplo.

Outro exemplo está no livro O Grande Conflito – a primeira edição foi publicada em 1888. O que Ellen White fala nesse livro sobre a união do protestantismo, do catolicismo e do espiritismo era uma coisa totalmente inviável naqueles tempos. Católicos e protestantes não tinham afinidade nenhuma, havia uma tensão muito forte. Agora, Ellen White diz que católicos e protestantes dariam as mãos sobre o abismo e se uniriam. Hoje, o fenômeno que é praticamente esse, a união do cristianismo sem esse preconceito entre católicos e protestantes.

Alguns indivíduos isolados até sugeriam, há uns 20, 30 anos, que o grande poder do futuro não estaria nas mãos dos Estados Unidos. Para eles, o poder estaria na Rússia. E eles até diziam: "Ellen White se olvidou de não colocar a Rússia, e colocar só os Estados Unidos". Veja, o cenário global assumindo exatamente a configuração que Ellen White já havia colocado.

Num momento em que diversos movimentos religiosos ostentam seus profetas e santos, quais seriam as evidências de que Ellen White é uma profetisa realmente autêntica?

Timm - Em primeiro lugar a escritora cumpre, no meu entender, o teste de um verdadeiro profeta. A dificuldade dos muitos profetas que têm aparecido é que quase todos são egocêntricos. Os supostos profetas podem falar até da Bíblia, mas parece que a mensagem deles é mais importante do que a Bíblia. A pessoa de Ellen White não é o que interessa. O que realmente interessa é a mensagem que Deus comunicou através da profetisa.

Mas muitos destes "santos", quando são venerados, o próprio "meio" acaba virando "fim". E alguns dos outros profetas acabam ficando egocêntricos. O que me encanta, mesmo que algumas pessoas digam que não seja assim, é como Ellen White procura enaltecer a Cristo e a Bíblia ao longo dos seus escritos. -- [Diogo Cavalcanti, Abrajor/Diário] Recebido por e-mail.

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