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EDUCAÇÃO, LIBERDADE E ALTERIDADE

Por Jorge N. N. Schemes
Bacharel em Teologia – SALT/IAE – São Paulo, SP
Licenciado em Pedagogia – Administração Escolar – ACE – Joinville, SC
Pós-Graduado em Interdisciplinaridade – IBPEX/UNIVILLE – Joinville, SC
Estudante de Pós-Graduação em Psicopedagogia – IBPEX/FACINTER – Joinville, SC
Estudante de Ciências da Religião – FURB – Blumenau, SC
Técnico Pedagógico – 23a GEREI – Joinville, SC

 

A educação [instrução, ensino, discipulado, etc...] deve partir do pressuposto de que o ser humano é um ser livre. Todavia para J. P. Sartre “todos somos condenados à liberdade”, ou seja, o que escolhemos é que nos dá a liberdade, porque “liberdade absoluta” não existe. Como afirmava Michael de Montaigne: “a verdadeira liberdade é poder tudo sobre si mesmo”. Contudo, o princípio que deve nortear a liberdade é fazer-se livre com responsabilidade.

E. Kant afirmava: “eu dou a mim mesmo a própria lei” (imperativo categórico). Partindo deste princípio, há duas maneiras de agir: ação conforme o dever e ação por dever. Qual a diferença entre elas?

Na ação conforme o dever os atos são por inclinação que vem de fora, ou uma determinação externa (ação heterônoma). Na ação por dever acontece justamente o contrário da heteronomia, ou seja, a autonomia. Ação conforme o dever não tem valor moral porque é conduzida por fatores externos, é obrigação.

Por outro lado, ação por dever é uma ação autônoma, portanto tem valor moral, porque parte do princípio interno da autoconsciência. Ação por dever também é subjetiva, pois valoriza o ser humano enquanto fim em si mesmo e não como meio.

 

Liberdade do outro

A liberdade começa quando garantimos a liberdade do outro, na realidade ela não termina nem começa, pois a liberdade está sempre em construção. Não podemos, em hipótese alguma, servir de obstáculo à liberdade do outro, é nosso dever garantir a liberdade do outro. Só há moral, justiça e direitos quando garantimos a liberdade do outro.

Muitas vezes ficamos presos e dominados por regras, regrinhas, picuinhas e minúcias, a tal ponto que esquecemos o grande horizonte daquilo que realmente tem importância na vida. Na educação há coisas e atitudes que são obstáculos para a construção e garantia da liberdade para os alunos. Não raro, o ser é deixado de lado, a construção do ser humano em si é relegada a segundo ou terceiro plano, e passa-se a dar mais importância para uma vírgula ou um ponto que foi esquecido.

Todavia, vale refletir: o que realmente tem valor e importância na educação? Deveria ser o homem em si e na sua totalidade. Porém, o que ainda orienta a educação é a ação conforme o dever, o que não é de todo errado, afinal, a sociedade é construída e orientada por este princípio; entretanto, a educação precisa ir mais além e ser conduzida pelo princípio da ação por dever, precisa olhar para a beleza e a complexidade do ser humano enquanto ser em constante estado de educação.

 

Eterno "tentador"

A questão é a transformação do profissional da educação, a mudança de paradigma e o objetivo de não ser um obstáculo à liberdade do outro. Faz-se necessário ter uma postura fenomenológica e não apenas positivista frente aos alunos.

Criar obstáculos é fácil, olhar as picuinhas e esquecer do ser humano. Mas construir a liberdade garantindo que ela esteja no outro não é tarefa simples. Reprimir e sufocar aqueles que, segundo nossa visão, estão agindo fora do dever, é desconstruir a liberdade.

Por outro lado, é fundamental possibilitar que crianças e adolescentes se reconheçam  como seres humanos e consigam conviver harmoniosamente com o que eles têm em seu coração. Por isso o educador é um eterno "tentador", sempre tem que tentar, tentar, tentar...

Os alunos percebem quando o professor entra na sala de aula, se está animado ou desanimado. Também percebem quando o professor está agindo apenas conforme o dever (heteronomia), ou agindo por dever (autonomia). O professor deve estar autoconsciente do valor dos seus alunos enquanto seres humanos em si mesmos, e não apenas como meios de receber os conteúdos.

 

Ética da Alteridade

Para que essa prática seja possível, é necessário a prática da ética da alteridade. Segundo Michael Foucault, “esta é a ética que dá mais conta das relações humanas”. Para Emmanuel Lévinás, o princípio da ética da alteridade é o respeito pelo diferente.

O rosto do outro nos convoca, nos interpela e nos convida. A ética da alteridade no rosto do outro revela o seu infinito. Esta ética quebra os paradigmas tradicionais estabelecidos por outras éticas.

O que identifica o outro é o seu rosto, e é muitas vezes no rosto do outro que eu encontro a minha própria identificação. Cada rosto é diferente, mas me dá o sentido do respeito, face a face, olho no olho (alteridade), eu me vejo no outro, pois há uma interpelação quando estamos diante do rosto do outro.

Quando o professor aprender a olhar no rosto de seus alunos e não apenas no diário de classe, quando permitir ser olhado, o senso do respeito ao outro e ao que é diferente, surgirá. Este senso surge quando identificamos o rosto e permitimos ser identificados.

Apreender o sentido e o infinito no rosto do outro é a ética da alteridade. Ensinar os alunos a respeitar o outro é ensiná-lo a ver o rosto do outro. Muitas vezes para ver o rosto do outro é preciso olhar com outras lentes, de preferência com a lente do outro, e procurar ver como o outro vê.

 

Que discurso?

Nosso discurso hoje não pode estar embasado em éticas reducionistas, mas na ética da alteridade. A prática está enraizada na teoria, no discurso, na fala. Sendo assim, que tipo de fala (teoria) está fundamentada a prática da educação? Que discurso e que ética está sendo teorizada em sala de aula? Porventura serão discursos antagônicos? Discursos que revelam uma prática excludente?

Deve-se levar em consideração que ética não é apenas um discurso, mas a vida. Ética da alteridade não é um discurso vazio, deve primeiro ser interiorizada, introjetada e vivida, para que possa criar laços e não separar ou romper.

Há muitas “verdades” cristalizadas na educação que precisam ser jogadas fora, pois são excludentes e ferem a ética do diferente, da alteridade, a qual é a favor da inclusão. Educação, seja no nível que for, não é mais doutrinar e excluir o diferente, por isso deve estar centrada num comportamento e numa atitude ética de alteridade.

Éticas reducionistas levam à discriminação, enquanto que a ética da alteridade leva a uma prática de respeito e tolerância, pois esvazia o indivíduo do preconceito.

Há discursos que levam a princípios de verdades que são excludentes, o grande desafio para a educação e para educadores é usar o discurso da ética da alteridade para que as ações sejam de inclusão. E tudo isso começa pelo olhar o rosto do outro, prestar atenção e saber ouvir o outro olhando em seus olhos e vendo de perto o seu rosto (alteridade).

Não é um olhar superficial, é um olhar de empatia, sentir o que o outro sente, sentir o que pensa e como vê a vida. Resumindo, é uma ética da alteridade empática. Com que autoridade um professor ou educador pode estabelecer juízo de valor e definir o que é e o que não é? Se o seu discurso estiver baseado numa ética reducionista, certamente a sua prática pedagógica de ensino-aprendizagem será excludente do diferente.

Todavia, se o seu discurso tiver como parâmetro uma epistemologia da ética da alteridade, a sua prática pedagógica será libertadora dos estereótipos, pré-julgamentos, preconceitos e exclusão do diferente, pois sua prática será face a face, olho no olho, tendo como resultado o respeito pelo outro como ser humano único e especial.

Para tanto, talvez seja necessário quebrar paradigmas ultrapassados, quebrar o próprio conhecimento construído de maneira fragmentada e formatado para não ver o rosto do outro. Se isso for preciso, será necessário ao mesmo tempo, alimentar o espírito com novos paradigmas com embasamento teórico epistemológico a favor da ética da alteridade. Para isso, é essencial e sumamente necessário ter humildade.

 

Coerência

Os alunos percebem se o professor é coerente ou não, se está fazendo um bom trabalho ou um papelão na frente deles. A ética da alteridade pressupõe um comportamento de imparcialidade, justiça, humildade e apreensão do outro, do que é diferente.

Assim, ter ética é ter uma atitude positiva perante o outro, pois ética é uma ação que não causa sofrimento em alguém. Uma pessoa ética torna o ambiente saudável. Fazer uma reflexão e uma auto-avaliação é fundamental para que o professor ou educador possa rever seu discurso, sua postura ética e conseqüentemente sua prática pedagógica.

A coerência entre teoria e prática é fundamental na educação. O grande desafio, é formar uma consciência crítica autoconsciente, e estabelecer uma coerência entre a epistemologia da ética da alteridade e a prática desta ética no cotidiano das relações interpessoais, seja dentro da comunidade escolar ou na própria vida.

 

BIBLIOGRAFIA:

DUSSEL, Enrique. Ética Comunitária. Petrópolis: Vozes, 1987.
OLINTO, Pegoraso. Ética é Justiça. 5a Edição, Petrópolis: Vozes, 2000.
VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. 19a Edição, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

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