Dízimo: O Prazer da Contribuição Voluntária

Azenilto G. Brito (azenilto@brfree.com.br), ex-redator da Casa Publicadora Brasileira

O cristão certamente não irá legalisticamente contar cada décima folha de ervas, ou cada décimo Real, na sua contribuição à promoção do Evangelho como era a prática dos judeus, criticada por Cristo (Mat. 23:23). Antes, reconhecerá que tudo quanto possui pertence ao Senhor (Sal. 24:1). Conseqüentemente, tudo quanto não é necessário para a sobrevivência pessoal (presente e futura) dele ou da família sob os seus cuidados deveria idealmente ser dedicado a Deus.

Antes da instituição legal do dízimo, essa prática é apresentada nas Escrituras como adotada por Abraão e Jacó (Gên. 14:20; 28:22). Não havia, então, uma legislação quanto a isso, o que sugere que eles decidiram dar o dízimo como um oferecimento a Deus, na mesma base em que ofereciam os sacrifícios perante o altar, algo que propuseram em seu coração, dentro do espírito de que fala Paulo em II Coríntios 9:7 -- "Cada um contribua segundo propôs no seu coração; não com tristeza ou por necessidade; porque Deus ama ao que dá com alegria". Esse, segundo Paulo, é o princípio cristão básico da contribuição para com a manutenção das atividades da Igreja, seja em termos de dízimo ou de ofertas voluntárias--o "dar com alegria".

Deuteronômio 14 fala do dízimo de modo surpreendente para muitos, numa visão nada tradicional da forma como a questão é tratada e praticada entre muitos cristãos. Diante disso, há quem alegue que o texto se refere a um "segundo dízimo", enquanto os textos de Levítico 27 e Números 18 referem-se ao dízimo de exclusivo uso dos religiosos, o que, porém, não pode ser demonstrado, carecendo de qualquer base exegética.

A verdade é que as três passagens referem-se ao mesmo dízimo. É interessante que os que fazem distinção entre os dois (ou até três!) dízimos não sugerem o pagamento de mais de um dízimo na era moderna. Contudo, Deut. 14 não faz qualquer referência de que o dízimo ali discutido seja menos importante do que qualquer outro, ou opcional!

O surpreendente nesse capítulo é que embora a maior parte do dízimo ali seja para apoio da obra de Deus e deva ser pago como contribuição para um fundo central visando ao sustento dos que estão engajados no ministério (Núm. 18:21, 24; Deut. 14:27) fica claro que a sua administração não é integralmente prerrogativa de tais pessoas nem são elas os únicos a serem por ele sustentados. Isso é demonstrado por dois aspectos da lei do dízimo no Velho Testamento. Primeiramente, o adorador decidia o que faria com a parte do dízimo que trazia para o santuário central. Ele era instruído a comprar e consumir "o que deseja a tua alma" (Deut. 14:26). Em segundo lugar, cada terceiro ano o dízimo não era enviado para Jerusalém, mas mantido nas cidades para obra caritativa entre os "descamisados" e para o sustento dos levitas locais. A instituição do dízimo, portanto, não visava exclusivamente ao pagamento do clero ou para financiar as operações de estruturas eclesiásticas, mas destinava-se também ao estabelecimento de harmonia e justiça social.

Talvez as leis bíblicas do dízimo nos propiciem um novo desafio para fidelidade à nossa herança religiosa enquanto, ao mesmo tempo, questionamos se nossa prática se conforma com o ideal bíblico. A apresentação de crianças no Templo revelaria algo do potencial criativo da comunidade cristã na prática religiosa, tendo por inspiração um regulamento mosaico: pela lei de Israel, todo macho deveria ter sua apresentação no Templo ao oitavo dia, acompanhado de uma oferta (como praticado pelos pais terrenos de Cristo). Hoje em dia, inspirados na prática do velho concerto, os cristãos apresentam seus filhos na igreja, obtendo uma oração do pastor ou ancião, sem levar em conta os detalhes da lei israelita. Bebês e pequenas crianças de sexo masculino ou feminino, e quase nunca ao oitavo dia de existência, são levados perante a igreja para sua "apresentação", o que não tem por base nenhuma ordenança neotestamentária, nem tem respaldo de qualquer exemplo de tal prática entre os cristãos primitivos. É, porém, algo que já integra o ritual evangélico, sendo, sem dúvida, uma tradição boa e recomendável.

As leis do dízimo no Velho Testamento reconhecem o papel da autoridade central, mas também mostram claramente que os crentes nas congregações locais têm direito de decidir onde e como o dízimo é gasto. Viver à altura dos ideais bíblicos é desafio constante, e a administração do dízimo não é exceção (texto adaptado [e com acréscimos do compilador] de Adventist Professional, vol. 1, No. 3, Sydney, Australia, artigo "The Tithe Store-House", pp. 11, 12).

Volvendo-nos ao Novo Testamento, perguntamos: a quem os discípulos dos primeiros tempos da Era Cristã pagariam os dízimos? Aos sacerdotes e levitas como estipulado pela lei (Heb. 7:5)? Aos muitos sacerdotes que haviam se tornado cristãos (Atos 6:7)? Mas os cristãos sabiam que o velho Templo e a ordem sacerdotal eram obsoletos (Heb. 8:13). Para onde o dirigiriam? Aos depósitos do Templo?

Os cristãos primitivos não contavam com escritórios de associação ou missão, nem um sistema monetário centralizado. A natureza espontânea da coleta de Paulo (que se mantinha por ofertas voluntárias e por fabricar tendas) para os pobres de Jerusalém é evidência disso (I Cor. 16:1-4; Atos 11:29-30; Rom. 15:25-28). Iria ser seguida a lei restringindo-se o dízimo a uma separação anual de um décimo dos produtos agrícolas cultivados na terra de Israel? Mas as primitivas comunidades cristãs localizavam-se geralmente fora da terra de Israel, e eram compostas em grande medida de artesãos urbanos assalariados e comerciantes (Meeks, W. A., The First Urban Christians: The Social World of the Apostle Paul, New Haven: Yale University Press).

Seja lembrado também que só a partir do século terceiro da Era Cristã é que o judaísmo estendeu o dízimo para incluir dinheiro.

Iria o dízimo cristão seguir o entendimento judaico dos regulamentos mosaicos e distinguir três tipos de dízimo dentro de um ciclo de sete anos? Claramente, desde que o cristianismo era um movimento leigo e urbano, o dízimo não pode ter sido incorporado na prática cristã sem mudanças substanciais da legislação veterotestamentária.

Há de se reconhecer que alguém pode oferecer grandes somas de dinheiro para a Igreja e ainda assim ser mesquinho, explorador e egoísta. Também a história tem revelado que os recebedores do dizimo não estão inteiramente imunes a esses pecados. Nem mesmo sob a lei, quanto mais sob a graça, uma viúva, por exemplo, com seis filhos com menos de dez anos seria obrigada a pagar um dízimo sobre sua escassa receita. Logicamente, o dízimo do Velho Testamento não era absolutamente sobre a receita, mas sim sobre a produção agrícola. . .

O requisito neotestamentário por uma generosidade magnânima, não-mercenária (Mat. 5:40-42) não é cumprida por estrito e exato cumprimento da lei calculável do dízimo. O dar cristão deve ser proporcional aos meios da pessoa (I Cor. 8:12-15). Deve ser pessoal e não somente eclesiástico. A generosidade, por outro lado, é medida pelo que é deixado, antes que pelo montante dado (Marcos 12:42-44).

O dizimar por procuração, seja para a Igreja ou instituição caritativa, não substituirá o envolvimento direto e pessoal do crente no alívio à pobreza e sofrimento. De fato, há sempre o perigo de supor que 'atender aos requisitos financeiros da igreja é cumprir inteiramente a vontade de Deus concernente à disposição de posses pessoais (Vischer. L, (1966), Tithing in the Early Church, Philadelphia: Fortress Press). Dar o dízimo pode até ser o modo mais fácil de contornar as exigências de Jesus. [Adaptado de "The Tenth Leaf: Tithing in the New Testament", pp. 14-15, Drs. Lawrence Turner e Norman Young--pesquisadores adventistas].

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