O Que Aconteceu com os Adventistas que Disseram NÃO a Hitler - 2

 

Narraremos a seguir algumas experiências individuais que mostram quanto nossos irmãos reformistas tiveram de sofrer, especialmente durante a Segunda Guerra Mundial:

 

Irmã "fraca na fé" delata missionários disfarçados

Gheorghe Panaitescu

O irmão Panaitescu trabalhava na Alemanha quando Hitler subiu ao poder em 1933. Contou-nos o que aconteceu a ele e a outros, de 1933 a 1939, quando eclodiu a Segunda Guerra Mundial.

Sendo obreiro bíblico, era seu dever visitar nossas igrejas, grupos e membros isolados, com o presidente do Campo Setentrional, irmão Joseph Adamczak. Oficialmente não podiam ser missionários. Por isso viajavam como representantes de uma casa de sementes, vendendo também mudas de árvores frutíferas, hortaliças, flores, etc. Não conseguiram, porém, trabalhar por muito tempo dessa forma, pois foram delatados. Tiveram problemas sérios com as autoridades quando estas descobriram que o real propósito das viagens deles era fazer trabalho missionário em favor da igreja proscrita.

Embora nossos cultos fossem proibidos, os irmãos, de duas ou três famílias, reuniam-se aos Sábados em casas particulares. Certo Sábado tiveram excepcionalmente uma reunião maior. Quase 35 membros se congregaram na casa do irmão Adamczak, em Hannover, para celebrar a Ceia do Senhor e receber na comunhão um irmão recém-batizado. Tiveram naquele dia uma experiência que nos lembra a de Paulo, muitas vezes em perigo entre falsos irmãos.

Foram delatados por uma irmã "fraca" na fé. Em resultado, todos os [214] que se encontravam na reunião — dois ministros, o tesoureiro da União, vários obreiros, colportores e leigos — foram intimados a comparecer em juízo, em 9 de janeiro de 1937. Todos foram julgados e condenados à prisão: os ministros e o tesoureiro da União por um ano, os obreiros bíblicos e os colportores por seis meses, e leigos, inclusive a irmã Panaitescu, por dois meses.

Nessa época o irmão Panaitescu fugiu para a Suíça e, dali, emigrou com a família para a Argentina, onde passou a desfrutar liberdade religiosa.

 

"O pior ainda está para vir"

Johann Georg Hanselmann

O irmão Hanselmann foi um de nossos líderes fiéis. Como delegado pela Alemanha, compareceu a todas as nossas assembléias da Conferência Geral realizadas antes de ser preso e morrer.

O Movimento de Reforma na Alemanha foi declarado ilegal em abril de 1936. Sendo assim, só havia uma possibilidade de nossos irmãos estarem em harmonia com a vontade de Deus: trabalhar clandestinamente e suportar as conseqüências. Por agir assim, o irmão Hanselmann, líder do nosso Campo Alemão Oriental, foi preso em setembro de 1936.

Em 27 de janeiro de 1937, a polícia secreta do Estado expediu o seguinte comunicado a respeito do irmão Hanselmann:

"Em relação às medidas de proibição tomadas contra líderes, ministros e colportores da Igreja Adventista do Sétimo Dia Movimento de Reforma, o atual líder da Alemanha Oriental, Johannes Hanselmann, ... foi ... detido para investigação. ..."

Logo depois, foi expedido mandado de prisão em 23 de março de 1937, sob as seguintes acusações:

"Ele (Johann Hanselmann) dirigiu o carro através da Saxônia, Brandenburg, Pomerânia, Silésia e Prússia Oriental. Visitou os seguidores dessa seita, realizou estudos bíblicos, celebrou a Ceia do Senhor de acordo com o rito dessa seita proibida e recebeu dinheiro que havia sido arrecadado.

"O acusado diz também que, por princípio religioso, evita discussões seculares, e em todas as ocasiões dá livre testemunho da Palavra de Deus, conforme escrito na Bíblia."

Por esses "crimes" foi julgado e ficou preso até 2 de outubro de 1937.

Logo depois, foi preso novamente, julgado em Halle/Saale, acusado e sentenciado a dois anos de prisão, pelas seguintes "razões": [215]

"O acusado foi anteriormente ministro da seita dos ‘Adventistas do Sétimo Dia Movimento de Reforma’, proibida em todo o país em 29 de abril de 1936 por decreto do principal assessor da polícia secreta.

A referida seita, com sede em Isernhagen, separou-se da Igreja Adventista do Sétimo Dia, a grande, em 1914, porque os adventistas, contrariamente a seus princípios de fé, permitiram a seus seguidores prestar serviço militar. Os reformistas entendiam que os adventistas não tinham autoridade para dar essa permissão aos membros.

O contraste entre adventistas e reformistas aumentou depois da revolução nacional. Enquanto os seguidores da Igreja Adventista do Sétimo Dia se resguardavam, sem exceção, em sujeição ao governo nacional-socialista, faziam a saudação germânica, matriculavam os filhos em organizações nazistas e prestavam serviço militar, os adeptos do Movimento de Reforma mantiveram os antigos princípios de fé. Sob o disfarce de movimento religioso, pretendem alcançar objetivos contrários à cosmovisão do socialismo nacional. Recusam-se, portanto, a servir no exército, não adotam a saudação germânica, não apóiam as organizações nazistas, tais como NSV, RLB e WHM. São internacionalmente assim orientados, pois não reconhecem pátria e consideram todos os seres humanos irmãos.

"Os reformistas adotam o ponto de vista de que só podem obedecer à lei enquanto não contradisser a Bíblia, porque para eles importa mais obedecer a Deus que aos homens."

Findos os dois anos, o ir. Hanselmann foi novamente levado ao tribunal. Na noite anterior à última audiência, não conseguiu dormir. Estava aterrorizado. Perto do amanhecer, já muito exausto, finalmente adormeceu e sonhou que precisava atravessar escuridão espessa que lhe causou grande temor. Então ouviu uma voz que dizia: "Não temas, Johann, Eu estou contigo." Depois, despertou. Todo o temor desaparecera e sentiu-se encorajado a morrer pela fé.

O relógio de bolso e alguns pertences foram enviados para a esposa.

Numa carta a ela, escreveu resumidamente: "O pior ainda está para vir. Estou sendo levado para o campo de concentração de Sachsenhausen."

Em maio de 1942, a irmã Hanselmann recebeu o informe oficial de que o marido havia adoecido. Contraíra disenteria e morrera no campo de concentração. Um colega da prisão, relatou posteriormente que, por haver-se recusado a trabalhar no Sábado, o pastor Hanselmann, com as mãos amarradas para trás, foi levantado e sufocado até a morte.

[216]

Declaração de renúncia de sua "fé louca"

Gottlieb Metzner

O irmão Metzner foi testemunha atuante em favor da mensagem de reforma. Conduziu várias almas a Cristo. Entre elas, o irmão Gustav Psyrembel, amado e corajoso batalhador da fé, um dos primeiros mártires do Movimento de Reforma.

Outra alma preciosa trazida por ele para a verdade foi a irmã Kiefer, cujo marido, terrivelmente irado, invadiu a casa do irmão Metzner com um machado, para matá-lo. A irmã Kiefer foi detida num Sábado. Foi lançada na prisão, e maltratada. Contudo, nada foi capaz de impedi-la de aceitar a verdade. Depois de libertada, selou a fé com o batismo. Em resultado disso, o nosso irmão tornou a sofrer: Em 1944 foi levado para o campo de concentração de Esterwegen, perto de Osnabrück. Como tivesse família grande, e também por outros fatores que foram levados em consideração, as autoridades o libertaram depois de seis meses.

Durante a ausência dele, os quatro filhos em idade escolar eram obrigados pela polícia a freqüentar a escola. A casa era investigada, e a família constantemente multada, o que acabou onerando pesadamente a escassa renda de sua pequena fazenda.

Esses métodos não desanimaram o casal, embora nosso irmão fosse muitas vezes intimado a comparecer a interrogatório judicial.

Em 1939 os filhos foram tirados com violência do lar e levados para outro lugar, a fim de receberem escolaridade. O irmão Metzner foi preso pela última vez em 19 de outubro de 1944. Na polícia secreta de Breslau, apresentaram-lhe uma declaração de renúncia de sua "fé louca". Garantiram-lhe que, assim que a assinasse, os quatro filhos receberiam permissão imediata para voltarem para casa.

Um policial ali presente relatou depois que o acusado havia declarado que havia muitos anos cria na Palavra de Deus, e agora via tudo cumprir-se. Percebia também o completo colapso do totalitarismo e não podia nem devia renegar a fé, nem negar a Deus. Esse foi o último testemunho que ouvimos do irmão Metzner. Como verdadeira testemunha de Cristo, permaneceu fiel até a morte na prisão. O único filho homem do casal também foi preso, e nunca mais voltou.

Apenas o coração de mãe seria capaz de suportar tragédia semelhante. Somente em 1945, quando o sistema ditatorial culpado de tamanhas crueldades veio abaixo, a Sra. Metzner pôde ter de novo em sua companhia as três filhas, através da maravilhosa direção de Deus. (Resumido e adaptado do livro And Follow Their Faith (Imitai-lhes a Fé), págs. 7 e 8).

[217]

 

Traído por um ministro adventista diante do tribunal

Gustav Psyrembel

O irmão Metzner serviu como instrumento para que um jovem de Karlsmark, distrito de Brieg, conhecesse o Movimento de Reforma.

Estava surgindo o poder totalitário estatal na Alemanha e os militares exigiam que os cidadãos tomassem posição definida em defesa da pátria. Como resultado, o jovem Gustav Psyrembel, foi convocado.

Fazia pouco tempo que se havia casado, quando chegou a intimação para o alistamento. Psyrembel recusou-se a cumprir o dever militar por crer no Evangelho da paz anunciado por Cristo.

Declarou em termos breves e claros que se negava a participar de treinamentos de guerra por ser atitude incompatível com o espírito pregado no Sermão da Montanha. Tinha plena certeza de que todos quantos cressem no Evangelho deveriam estar unidos numa comunidade internacional, e que era sua tarefa "buscar e salvar o que se havia perdido."

Portanto, ao lado dos companheiros de fé, não podia, conscientemente, concordar com a participação na guerra sanguinolenta entre nações, nem com outras coisas referentes a ela.

Foi preso, e depois de infrutíferos esforços para mudar seu modo de pensar, foi levado perante a corte marcial em Berlim. Disseram-lhe que devia prestar contas de suas ações, não diante de um concílio de igrejas, mas da corte militar. Tentaram persuadi-lo de que todo homem deve obedecer o governo.

Psyrembel corajosamente testificou que o reino de Deus não é deste mundo e, portanto, os seguidores de Cristo não podem lutar por reinos da Terra. Então apresentaram-lhe uma carta longa, escrita por um ministro adventista do sétimo dia, que recomendava a defesa da pátria como dever cristão. O jovem, de pé, perante o tribunal superior de guerra, traído por ministros da Igreja Adventista que o acusavam de ter pontos de vista errôneos, declarou firmemente que não podia servir a dois senhores.

Segundo suas convicções, somente a cristandade apostatada podia estar com a Bíblia numa das mãos e a espada na outra. Toda igreja que agisse dessa maneira não tinha a eficácia da piedade, mas apenas a aparência.

Psyrembel foi condenado à morte. Numa carta cheia de pormenores à esposa, expressou pesar ao saber que um ministro adventista, em carta dirigida ao tribunal, o havia traído e apresentado sob falsa luz sua posição. Nem essa traição o desanimou. Numa cela solitária, esperou o dia da execução da sentença.

Só Deus sabe que sentimentos passaram na alma desse soldado da cruz durante aqueles dias tenebrosos. Sua última carta mostra que o Espírito do Senhor [218] havia posto seus pensamentos acima de toda privação, sofrimento e necessidade. Seus olhos estavam dirigidos para cima, para além deste mundo em conflito com Deus. Ele possuía a certeza serena de que "todos os que lançarem mão da espada, à espada morrerão", o que se cumpriu literalmente na História em 1945, cinco anos depois de sua morte.

As cidades onde ele foi prisioneiro por causa da fé, onde a corte militar o sentenciou à morte e seu sangue foi derramado, foram destruídas por um bombardeio. E nós, mais uma vez nos lembramos de que "tudo o que o homem semear, isso também ceifará." (Condensado do livro And Follow Their Faith, págs. 9, 10, 13 e 14).

 

Cada dia que surge pode ser o último para mim...

Eis as últimas cartas do irmão Psyrembel à sua esposa:

Berlim, NW 40, 12 de março de 1940

Querida ...

A paz do Senhor esteja contigo.

Aproveito esta oportunidade para escrever algumas linhas, porque cada dia que surge pode ser o último para mim. ... Portanto, não devemos ceder na hora da decisão. Este é o caminho certo, a verdade. Esta obra é de Deus, e Ele não permitirá que pereça. É lamentável que muitos irmãos [na tríplice mensagem] se desviem do caminho certo, abandonem o Líder e Sua bandeira, separem-se dEle, comecem a duvidar de Seu divino amor e orientação, e O entristeçam.

Algum dia eles se arrependerão amargamente e reconhecerão seu erro, mas talvez seja tarde para sempre e não haja auxílio nem salvação. Não compreendem que estão traindo os que se apegam firmemente a Deus, tornando a batalha indizivelmente mais pesada. Quando um caso semelhante ao meu chega ao tribunal de guerra, [os oficiais] dizem:

"Os outros [adventistas] estão plenamente convencidos de que estão cumprindo o dever sem violar a consciência e sem violar os mandamentos de Deus. Por que você não faz o mesmo?"

É muito difícil em tal caso defender a verdade, explicar nossa posição para as autoridades e dizer que não podemos agir de outro modo. Fui repreendido outra vez por causa de minha "resistência ao ensino" e minha "obstinação". Esses [crentes transigentes], especialmente os ministros, têm conseguido enganar o povo.

Por meio de falsas representações da verdade, eles nos descrevem como criminosos e iludidos. Não contentes em evitar conflito e fugir das dificuldades, procuram também justificar suas ações erradas mediante declarações e exemplos irrelevantes das Escrituras.

Percebi isso na longa carta de sete páginas, recebida de um ministro [219] que usou argumentos supostamente confirmados pelos Testemunhos.

Porém, nada disso nos deve abalar. A verdade continua sendo verdade, e o que é correto continua sendo correto. O futuro há de revelar de que lado está a verdade. ...

Na esperança de ainda nos encontrarmos, encerro esta carta. Que o Senhor esteja com você. Receba as cordialíssimas saudações e os beijos de seu extremoso marido.

Transmita as melhores saudações a todos os que sempre pensam em mim. Seu Gustav.

 

Querida, amanhã serei executado...

Berlim, NW 40, 29 de março de 1940

Querida ...

Saudações com 2 Coríntios 4:16-18.

Acabei de saber que amanhã, dia 30, às 5:00 h da manhã, serei executado. Mais uma vez tive oportunidade de fortalecer-me com a Palavra do Senhor nesta última jornada. Trouxeram um Novo Testamento para eu ler. (Mas recebi comida escassa). As porções de pão que nos dão aqui são minguadas, e, em geral, tudo é muito mais estrito do que em Plötzensee.

Tenho, porém, suportado tudo com alegria e paciência, pois conheço Aquele por quem faço todas essas coisas e sei que não sou o primeiro nem o único a ser contemplado com esse quinhão.

Diz o Senhor: "Alegrai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos Céus." "Levantai as vossas cabeças, porque a vossa redenção se aproxima." Essas promessas preciosas são o que nos mantêm empenhados nesta batalha renhida, porém maravilhosa. O Senhor prometeu Sua proteção e poder, e está pronto a concedê-los a Seus filhos quando necessitarem. Tenho experimentado isso em todos esses anos de luta.

O Senhor seja louvado e exaltado! É Ele que me tem mantido sadio de corpo e alma e tem-me dado Sua alegria e Seu amor em grande medida. Ele não me deixará nesta hora extrema. Não devemos entristecer-nos, mas alegrar-nos ao considerar o privilégio de sofrer e morrer por Sua causa.

"Sê fiel até a morte, e dar-te-ei a coroa da vida." Ele prometeu e, com fé neste poder e salvação, partirei desta vida na esperança, meus queridos, de que nos veremos outra vez em Seu reino, para estarmos eternamente com Aquele que nos amou até a morte.

Ali viveremos na paz e felicidade imperturbáveis e inseparáveis pelas quais tanto ansiamos na Terra. Seremos como os que sonham e dificilmente compreenderemos a felicidade que será o galardão de criaturas pecadoras e indignas como nós, que merecem castigo e morte. Que precioso privilégio é saber e crer em tudo isso.

Quanto a você, querida esposa, não permita jamais que esse precioso tesouro [220] lhe seja tirado das mãos. Confie no Senhor em todas as circunstâncias da vida. Ele estará ao seu lado e nunca a deixará. Supere a dor e complete a carreira. Console-se e tenha bom ânimo.

Eu não desistiria desta fé nem por todo o mundo. Aquele que ama a Cristo jamais poderá deixá-Lo. O Senhor concederá êxito a todos os Seus filhos que se empenham em guardar os Mandamentos.

Será também consolo para você saber que não serei sepultado vivo.

Espero que o Senhor a sustenha. Que Ele a abençoe e guarde. Que sobre você Ele ponha Sua proteção e graça, e lhe conceda a paz! Este é meu último desejo e oração. Amém!

Uma vez mais, e pela última vez, saudações sinceras de seu querido marido. Cordiais saudações à mãe e a todos os diletos irmãos e irmãs na fé, bem como a todos os parentes tanto do meu lado quanto do seu. Gustav Psyrembel. —And Follow Their Faith, págs. 10-13. -- Copiado do livro A História dos Adventistas do Sétimo Dia — Movimento de Reforma, págs. 213-220.

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