Série de Artigos de Pesquisadora do Israel Institute of Biblical Studies sobre o Livro de Enoque — 2

O Livro De Enoque (2): O Pecado Dos Vigilantes

O LIVRO DOS VIGILANTES

A última vez começamos falando sobre “O cenário Judaico no tempo de Jesus”[1] e a necessidade de entender quem mais estava nesse cenário além dos seguidores de Jesus, e compreender as idéias e os conceitos que existiam nesse momento no cenário. Todos nós entenderíamos que os escritores do Novo Testamento foram influenciados por essas idéias e conceitos, simplesmente porque pertenciam a esse período e a essa comunidade. Nenhum texto do Novo Testamento pode ser entendido adequadamente fora desse contexto —perdemos muito se o lermos sem o conhecimento do contexto histórico e cultural—; sem estar cientes das teologias prevalecentes na época; sem entender quem mais, além dos “seguidores de Jesus”,[2] estavam neste cenário.

Como prometido, hoje estaremos discutindo a primeira parte do livro de Enoque: O Livro dos Vigilantes. Só para lembrá-los, o Primeiro Livro de Enoque, ou Enoque Etíopeé na verdade uma compilação de vários livros, cada um dos quais aparece com seu próprio título e geralmente sua própria conclusão. Esses livros, conhecidos como o Livro dos Vigilantes (capítulos 1-36), as Similitudes (também conhecidas como Parábolas, capítulos 37-71), o Livro Astronômico (capítulos 72-82), o Livro dos Sonhos (capítulos 83-90) e a Epístola de Enoque (capítulos 92-105) estão combinados em uma única obra na versão etíope, que sozinha preserva o todo.

Portanto, o livro dos Vigilantes é a primeira parte de 1 Enoque. Existe uma porção surpreendentemente grande de conteúdo comum com a Bíblia Hebraica neste livro: por exemplo, Adão e Eva; Caim e Abel; o casamento dos anjos com as filhas dos homens. No entanto, são precisamente as diferenças e os acréscimos na recontagem das famosas narrativas bíblicas que chamam nossa atenção, e podem possivelmente apontar para alguns padrões e conceitos específicos no pensamento Judaico do período do Segundo Templo. Encontramos o exemplo mais notável dessa discrepância no conhecido começo do capítulo 6 do livro de Gênesis. Enquanto esta história ocupa apenas alguns versículos em Gênesis, torna-se a narrativa principal no Livro dos Vigilantes, onde os capítulos 6-9 contam a história (na verdade, duas histórias entrelaçadas) sobre a queda dos anjos maus. Vamos ler juntos alguns versículos de 1 Enoque 6-7 para ver como o escritor desenvolve sobre Gênesis 6: 1-4:

I de Enoque 6: 1 Quando os filhos dos homens se multiplicaram, naqueles dias nasceram deles filhas formosas e bonitas. 2 E os vigilantes, os filhos do céu, as viram e as desejaram. E disseram uns aos outros: “Vinde, escolhamos para nós mulheres das filhas dos homens, e tenhamos nossos filhos”… 5 Então todos eles juraram juntos e uniram-se entre si com uma maldição. 6 E eram ao todo duzentos, que desceram nos dias de Jarede ao cimo do Monte Hermom. [53]… I de Enoque 7: 1 Estes e todos os outros com eles tomaram para si esposas de entre elas tais como eles escolheram. E começaram a ir com elas, a contaminar-se com elas e a ensinar-lhes magias e encantamentos, revelando-lhes o corte de raízes e plantas. 2 E elas conceberam deles e geraram grandes gigantes.E geraram os gigantes Nefilins…

O PECADO DOS VIGILANTES

Antes de prosseguir, gostaria de mencionar mais uma vez, e também recomendar a meus leitores, um livro maravilhoso de um estudioso brilhante, Dr. Michael Heiser, “Reversing Hermon: Enoch, the Watchers, and the Forgotten Mission of Jesus Christ ”. Este artigo em particular baseia-se grandemente neste livro.

Em meu último post, mencionei que, embora a interpretação sobrenatural de Gênesis 6: 1-4 (que os “filhos de Deus” eram anjos ou algum tipo de seres divinos) não seja muito popular nem no Cristianismo moderno nem no Judaísmo moderno, não foi o caso no Judaísmo do período do Segundo Templo. De acordo com o livro de Enoque, os Vigilantes (“os filhos de Deus” de Gênesis) “são seres celestes (não humanos) cujas ações são consideradas não apenas moralmente más, mas espiritualmente destrutivas”.[3] O Livro dos Vigilantes descreve a revolta dos Vigilantes celestes, que leva o mal sobre a terra e prediz o julgamento de Deus. Os Vigilantes produzem gigantes na terra por sua união com mulheres humanas, e esses gigantes são maus. Então, no capítulo 10, Deus finalmente intervém e começa a conhecida história de Noé.

No entanto, o Judaísmo do período do Segundo Templo viu em Gênesis 6: 1-4, não apenas a história de uma rebelião sobrenatural, mas uma das passagens centrais da teologia bíblica e do entendimento do plano de Deus na história. Aqui está uma citação muito importante da introdução de Michael Heiser ao seu livro, explicando por que esse tópico é tão importante: “Se alguém perguntasse a um Cristão moderno: ‘Por que o mundo e toda a humanidade são tão iníquos?’ as chances são muito altas de que viria a resposta da “Queda”. Nós fomos condicionados pela história da igreja (antiga e moderna) a olhar apenas para Gênesis 3 para tal teologia. Mas se vocês perguntassem a um Judeu vivendo no Período do Segundo Templo a mesma pergunta, a resposta seria dramaticamente diferente. Sim, a entrada do pecado no bom mundo de Deus ocorreu no Éden, mas o testemunho unânime do Judaísmo do período do Segundo Templo é que os Vigilantes são os culpados pela proliferação do mal na Terra”.[4]

Como os escritores do Novo Testamento pertenciam ao Judaísmo do período do Segundo Templo, essa compreensão dos Vigilantes sendo responsáveis ​​pela disseminação do mal na Terra tinha que ser parte de sua teologia. “Consequentemente, para os escritores do Novo Testamento, a vinda de Jesus… significou não apenas reverter a maldição da morte trazida sobre a humanidade pelo pecado de Adão, mas também a ruína da depravação”.[5] Da próxima vez, vamos tentar ler o Novo Testamento através do olhar Judaico do período do  Segundo Templo, e  ver os vestígios deste conceito em suas páginas.

Referências:

[1] Boyarin, Daniel. The Jewish Gospels (Kindle Location 1103). The New Press. Kindle Edition.

[2] Ibid.

[3] Heiser, Michael S. Reversing Hermon: Enoch, the Watchers, and the Forgotten Mission of Jesus Christ (Kindle Locations 302).

[4] Ibid., Kindle  location 101-107

[5] Ibid. Kindle location 931-933

Fonte: https://israelbiblicalstudies.com/pt/blog/category/jewish-studies/o-livro-de-enoque-2-o-pecado-dos-vigilantes/

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