Monstros vindos do céu: O que Lucas 21:11 realmente diz na Bíblia Etíope

Por que voltamos ao geʽez para recuperar a força profética das palavras de Jesus

Introdução — A cena é simples e poderosa: monges etíopes abrem um evangelho secular, escrito em geʽez, a língua litúrgica ancestral da Etiópia. Nessa página, um versículo salta aos olhos: Lucas 21:11. Em muitas bíblias ocidentais, ele aparece suavizado como “sinais” ou “portentos” celestes. Mas, quando voltamos ao texto etíope, a mensagem ganha o peso que o público de Jesus ouviu: aparições monstruosas, aterrorizantes, vindas do céu. Este artigo explica por que escolhemos a Bíblia Etíope, como reconstruímos a tradução, e o que isso significa para entender, com seriedade, o anúncio profético de Cristo.


Por que pesquisar Lucas 21:11 na Bíblia Etíope (geʽez)

A tradição etíope preserva uma das linhas textuais mais antigas do cristianismo, independente da rota latina (Vulgata) e das padronizações editoriais que se consolidaram no Ocidente medieval. Ao trabalhar diretamente com o geʽez — a língua dos antigos evangelhos etíopes — nós nos afastamos de filtros interpretativos posteriores e observamos o impacto semântico cru de termos que, em português e em outras línguas, foram frequentemente amenizados.

Nosso objetivo não foi “exotizar” a Etiópia, mas recuperar o tom do anúncio. Se Jesus avisou sobre eventos que fariam “os homens desmaiarem de terror” (Lc 21:26), então a linguagem de Lc 21:11 precisa conservar essa mesma gravidade — não a diluir.


Metodologia direta: manuscrito, transliteração, sentido

  • Base textual: leitura do versículo em geʽez, observando a construção frasal e termos-chave.

  • Transliteração: colocar cada palavra em caracteres latinos para enxergar a forma e o ritmo do original.

  • Tradução restaurada: verter ao português sem suavizar a intensidade semântica.

Tradução restaurada (Lc 21:11)
“E haverá grandes terremotos, fomes e pestes; e haverá aparições monstruosas e aterrorizantes vindas do céu.”


Palavra por palavra: o que o geʽez comunica

O trecho final que nos ocupa é:

… ራእይ ፈርሃን ታላቅ እም ሰማያት
ra’əy färḥan ṭalāq ’əm sämāyāt

  • ra’əy (ራእይ)aparição/visão visível. Não é “presságio vago” ou símbolo psicológico. É algo que se vê, que se manifesta.

  • färḥan (ፈርሃን)aterrorizante, que causa pavor profundo. O termo nos desloca do neutro “sinal” para a experiência assustadora.

  • ṭalāq (ታላቅ)imenso, colossal, monstruoso. Não é só “grande”; é descomunal, avassalador.

  • ’əm sämāyāt (እም ሰማያት)desde os céus, vindo do céu. A procedência é explícita: origem celeste.

Ao combinar essas palavras, o geʽez não deixa margem para metáforas inofensivas: aparições reais, gigantescas e apavorantes, procedentes do céu.


Por que “sinais” enfraquece o quadro profético

Traduzir por “sinais” ou “portentos” não é errado em si — mas, na recepção popular, costuma empurrar o leitor para uma leitura psicológica, simbólica ou meteorológica. O geʽez, ao contrário, empurra na direção do concreto: há de aparecer algo colossal e aterrador, “vindo do céu”. Esse é o registro em que Jesus adverte seus ouvintes em Lucas 21: perseguições (vv. 12–19), cerco e desolação (vv. 20–24), abalo cósmico e pavor nas nações (vv. 25–26) — e, no centro desse panorama, Lc 21:11 fala de aparições que combinam visibilidade, pavor e imponência.

“…E haverá aparições monstruosas e aterrorizantes vindas do céu.”
— uma versão fiel das palavras de Cristo que traduz o alcance de ra’əy färḥan ṭalāq ’əm sämāyāt.


O todo do capítulo (sem transcrever integralmente): o fio do discurso de Jesus

Sem repetir o capítulo inteiro, basta relembrar o fio condutor:

  1. Realismo histórico — Jesus começa com fatos verificáveis (destruição do Templo, perseguições, queda, cativeiro), preparando o espírito do discípulo para não romantizar a história.

  2. Escala cósmica — o discurso escala a partir de conflitos e quedas até abalos nos céus (vv. 25–26).

  3. Aparições monstruosas (v. 11) — são o elo entre história e cosmos: aquilo que vem do céu e enche a terra de pavor.

  4. Consolo e comando — Jesus ordena: “não vos deixeis enganar” e “não vos apavoreis” (vv. 8–9). Isso não diminui a gravidade do cenário; alinha a postura do fiel.

  5. A virada da esperança — “Então verão o Filho do Homem vindo numa nuvem, com poder e grande glória” (v. 27). A sequência bíblica amplia: Cristo volta em glória com os seus anjos, derrota as forças monstruosas e, no clímax da profecia bíblica, lança-as no lago de fogo (a culminação apocalíptica).

Em suma: Jesus não disse “não há monstros”; Ele disse: “não se deixem enganar nem paralisar pelo medo” — porque Ele mesmo virá em glória para julgar, derrotar e pôr fim às forças hostis.


O que descobrimos (e por que importa)

  1. A Bíblia Etíope rompe a anestesia — O registro em geʽez conserva o choque do anúncio. Lc 21:11 não é um rodapé poético; é alerta de impacto real.

  2. Tradução não é mera troca de palavras — Ela forma o imaginário. Onde o leitor moderno lê “sinais”, o discípulo do primeiro século ouviu um aviso sobre aparições gigantescas e terríveis.

  3. Teologia da esperança, não do pânico — A mesma boca que anuncia “aparições monstruosas” ordena: “Erguei vossas cabeças” (v. 28). A profecia não termina no medo; termina na Glória que vence.

  4. Seriedade do trabalho — Optamos por voltar à fonte, transliterar, explicar cada termo, e restituir o tom. Não é moda, é método.


Lucas 21:11 (versão restaurada)

“E haverá grandes terremotos, fomes e pestes; e haverá aparições monstruosas e aterrorizantes vindas do céu.”

— foco no núcleo ra’əy färḥan ṭalāq ’əm sämāyāt:
aparição real · aterrorizante · colossal/monstruosa · vinda do céu.


Conclusão: ver com clareza, caminhar com coragem

Nossa escolha pela Bíblia Etíope não foi estética; foi cirúrgica. Queríamos recuperar o que o povo de Jesus entendeu: um anúncio assustador sobre o que viria do céu — e um chamado à fidelidade e coragem, porque o mesmo céu que verá aparições monstruosas se abrirá para a vinda gloriosa do Filho do Homem. Essa é a balança bíblica: vigilância sem pânico, lucidez sem incredulidade, temor de Deus sem medo dos monstros — pois Cristo voltará com seus anjos, derrotará o mal e lançará as forças hostis no lago de fogo.

“…Haverá aparições monstruosas e aterrorizantes vindas do céu
Mas, para os escolhidos, isso não é o fim — é o início da vitória de Cristo em glória.

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