Todos os anos, quando o relógio se aproxima da meia-noite do dia 31 de dezembro, milhões de pessoas ao redor do mundo repetem os mesmos gestos: vestem roupas brancas, pulam sete ondas, comem alimentos específicos e observam fogos de artifício iluminando o céu. Poucos, no entanto, param para se perguntar por que fazem isso. De onde vieram essas práticas? O que elas realmente significam? E o que a Bíblia tem a dizer sobre tudo isso?
Para compreender o presente, é necessário olhar para o passado. A origem do chamado “Réveillon” está longe de ser apenas uma celebração moderna de esperança e renovação. Suas raízes atravessam séculos e revelam uma profunda mistura de religião, cultura e simbolismo espiritual.
A própria palavra “janeiro” carrega um significado antigo. Ela vem de Janus (ou Jano), o deus romano das portas, dos portais e das transições. Representado com duas faces — uma voltada para o passado e outra para o futuro — Jano simbolizava a passagem do tempo e a transição entre ciclos. Em 46 a.C., Júlio César oficializou o dia 1º de janeiro como o início do ano justamente em homenagem a essa divindade. Desde então, o calendário ocidental passou a carregar uma marca religiosa romana que ainda hoje influencia nossa organização do tempo.
Essa herança pagã não ficou restrita ao calendário. Muitos costumes modernos associados ao Ano Novo também têm origens espirituais antigas. No Brasil, por exemplo, o hábito de vestir branco na virada do ano está diretamente ligado às religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda. Nessas tradições, o branco representa purificação, proteção e conexão com determinadas entidades espirituais, especialmente Oxalá.
Da mesma forma, o costume de pular sete ondas na praia não nasceu como um gesto simbólico genérico, mas como uma oferenda a Iemanjá, divindade das águas salgadas. O número sete, carregado de simbolismo espiritual, representa pedidos, ciclos e agradecimentos. Com o tempo, essas práticas foram absorvidas pela cultura popular, perdendo seu significado religioso explícito, mas mantendo sua estrutura ritualística.
Até mesmo os alimentos consumidos na virada do ano carregam significados antigos. Lentilhas, por exemplo, eram associadas à prosperidade desde a Roma Antiga por lembrarem pequenas moedas. Uvas, romãs e sementes em geral simbolizavam fertilidade, abundância e continuidade. Em muitas culturas, comer determinados alimentos era visto como uma forma de influenciar o destino, garantir fartura ou afastar infortúnios.
Os fogos de artifício, hoje vistos apenas como espetáculo visual, também têm origem espiritual. Na China antiga, acreditava-se que o barulho intenso e as luzes serviam para afastar espíritos malignos e forças negativas que rondavam a passagem de um ano para outro. Era, essencialmente, um ritual de proteção espiritual por meio do som.
Diante desse panorama, a Bíblia apresenta uma reflexão importante. Em Jeremias 10:2, lemos: “Assim diz o Senhor: não aprendais o caminho das nações, nem vos espanteis com os sinais do céu”. O texto convida à reflexão sobre a adoção automática de práticas culturais que têm origem em crenças alheias à fé bíblica.
O Novo Testamento reforça essa advertência. Em Gálatas 4:8–10, o apóstolo Paulo demonstra preocupação com aqueles que voltavam a observar dias, meses e tempos como se isso tivesse poder espiritual em si mesmo. Para ele, o tempo pertence a Deus, e não deve ser tratado como entidade ou força capaz de conceder bênçãos.
Isso não significa condenar a alegria, a celebração ou a reunião familiar. A Bíblia valoriza profundamente a comunhão, a gratidão e o descanso. O ponto central é a consciência. Celebrar sem compreender a origem dos símbolos pode levar à repetição inconsciente de práticas que nada têm a ver com a fé que professamos.
O verdadeiro recomeço, segundo as Escrituras, não está preso ao calendário, mas ao coração. A renovação que Deus propõe não depende de datas, roupas ou rituais, mas de arrependimento, fé e transformação interior. Como está escrito: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8:32).

Compreender as origens do Réveillon não é um convite ao medo, mas ao discernimento. É uma oportunidade de escolher conscientemente como viver, no que crer e de que forma celebrar. Conhecimento liberta. E quando entendemos de onde vêm nossas tradições, ganhamos a liberdade de decidir se elas realmente refletem aquilo em que acreditamos.
Ao longo da história, muitos cristãos compreenderam que a transição de um ano não precisava ser marcada por rituais noturnos ou expectativas místicas. Entre os pioneiros da fé, tornou-se comum a prática da vigília desde o entardecer, quando o sol se punha no último dia do ano. Nesse momento, famílias e comunidades se reuniam para orar, ler as Escrituras e refletir sobre o caminho percorrido. Uma noite de vigília!
Na compreensão bíblica, o dia não termina à meia-noite, mas ao pôr do sol. Desde o relato da criação — “e foi a tarde e a manhã, o primeiro dia” — o tempo é contado a partir do entardecer. Por isso, muitos cristãos ao longo da história entenderam que a passagem de um novo ciclo deveria ser marcada nesse momento sagrado do dia.
Assim, ao invés de aguardar a meia-noite, reuniam-se desde o entardecer para oração, leitura das Escrituras e consagração, reconhecendo que o verdadeiro início de um novo tempo começa quando o sol se põe e a confiança em Deus se renova ao amanhecer. “O choro pode durar a noite inteira, mas a alegria vem pela manhã.” Salmo 30:5.
Que cada novo ciclo seja vivido não por força do costume, mas por convicção. E que nossas escolhas sejam guiadas não por tradições herdadas sem reflexão, mas pela verdade que transforma.